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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Horácio Melo e Telmo Rocha. Capela, uma cidade sem usina. Drama, tragédia?



Dois dedos de prosa

Este material deriva de uma conversa mantida em Capela, na churrascaria do Telmo, quando de viagem de pesquisa que fizemos pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Direito, Sociedade e Violência, do Centro Universitário CESMAC, com o objetivo de começar a entender as relações entre crise da economia do açúcar e impacto na sociedade, atingindo, também, a questão da violência. Estávamos em companhia do Professor José Santos de Almeida do IFAL/Marechal Deodoro.
A queda de uma usina mexe com o lastro da construção urbana da Capela  que pode ser considerada como um caso, do que deve estar acontecendo na porção historicamente mais nobre da economia do açúcar alagoano, tanto pelos lados do Vale do Mundaú, quanto pelo Vale do Paraíba.
Agradecemos ao Telmo que é casado com gente nossa do Pacaviral e ao Horácio, do lado dos Mellos tradicionais na Capela. Em breve voltaremos com outros depoimentos sobre Capela, procurando, especialmente, ouvir o poder público, pois iremos propor à Prefeitura, uma Roda de Conversa sobre a situação do Município.
Boa leitura!
Capela, agosto de 2014
Luiz Sávio de Almeida




Telmo
Quem é quem

Telmo Rocha é comerciante em Capela e proprietário de conceituada churrascaria.  Horácio Mello é tradicional fornecedor de cana e pecuarista.
Horácio



 

 Sobre Capela e Comércio
Telmo Rocha


Telmo
A centenária Capela testemunhou ao longo de muitos anos o seu crescimento como cidade. No entanto, nestes últimos tempos, parece enfrentar uma derrocada de difícil retorno. Parece pessimismo, mas não é. A cidade que já teve uma Usina de cana de açúcar, agora não consegue nem manter o trabalhador do campo. Os comerciantes se equilibram numa complicada economia e aqueles que resistem de pé parecem depender dos ventos políticos que sopram ou dos transeuntes de outras localidades que por aqui passam.  Acumulando-se à baixa do comércio, Capela não possui mais semáforo, tem asfalto mal acabado. O estádio e o esporte tornaram-se uma lembrança remota de que talvez houve em outra época capelenses esperançosos.
A matemática parece difícil. O município parece sobreviver de dois modos: da prefeitura e do INSS. Nenhum lugar pode esperar crescimento real e efetivo a partir destes meios. Do INSS porque depende de quem trabalha e os que recebem não estão trabalhando; e da prefeitura porque esta é mais politica que administrativa, mais atenta aos interesses de alguns poucos do que da população inteira.
 Diminui-se a cada dia a população economicamente ativa, fecha-se o comércio, fogem os trabalhadores, vemos obras inacabadas e mal feitas e muito lixo pela cidade. Frederic Bastiat estava certo quando disse que “todos querem viver às custas do Estado, mas esquecem que o Estado vive às custas de todos.”
Telmo
Isto não é debate político. Até porque é conduta latente da situação ou da oposição. Talvez o povo não se dê conta que ao preferir seus interesses pessoais votando em determinado candidato pode está arruinando o futuro de gerações inteiras. E vislumbra-se com clarividência este terrível acontecimento no munícipio de Capela. O que está se tratando aqui é de uma lógica racional em que se chega ao seguinte resultado: ao perseguir de maneira imoral seus interesses próprios, as pessoas têm negado a si mesmas um futuro melhor e digno.
Os prefeitos perdem a oportunidade de ser bem quisto, deixar um legado e ser lembrado. Os vereadores perdem a oportunidade de lutarem pelo povo que os elegeu e por uma cidade desenvolvida, com saúde e educação. Os juízes de verem a justiça. Bom, e povo perde tudo. Perde muito além do dinheiro de seus impostos que sustentam luxuosos prazeres daqueles que administram a máquina pública, perde a dignidade, a decência e a esperança em uma cidade que seja sinal de prosperidade e paz  para futuras gerações.


Telmo
O que é preciso é nos engajarmos no valor do trabalho e da honestidade. O que hoje sofre o comércio, sofrerá ainda mais o povo pela ilusão de uma vida fácil por cargos e empregos públicos comissionados. Parece utopia ou surrealismo. Mas na verdade não se enriquece honestamente sem trabalho. Inequivocamente, isto é o que Capela mais precisa: locupletar-se somente no seu trabalho. A festa dos parasitas termina quando acaba o dinheiro dos outros, talvez dissesse Margaret Thatcher. O que vemos, por ora, é que o dinheiro está acabando, a festa é questão de tempo.


Este belíssimo Mercado desabou; talvez tenha sido esta a sua última foto





Um pouco sobre Capela e cana

Horácio Mello

A função da Cooperativa da Capela



Eu tenho 53 anos de idade, sou plantador de Cana e pecuarista. São muitos anos de vida, trabalhando aqui na área da Capela. Eu acho que a crise da Capela começa com o fechamento da Cooperativa de Credito de Capela, que era uma das mais sólidas do Nordeste, com um dos  maiores capitais de giro do Nordeste, com 52 anos de funcionamento. Foi fundada por Aristides Calheiros, Eustáquio Moreira e depois reorganizada em 1970 pelo mesmo Eustáquio Moreira, Porfírio Moreira Soriano e por Geraldo Melo.
Ela gerava empréstimo para os produtores, tinha liquidez invejável, com todos pagando o financiamento, chegando ao ponto de que em 1972, dois anos após a grande seca, conseguiu o fato inédito de se dar a maior vendagem de caminhões por cooperativa no Nordeste do Brasil: vendeu-se cem caminhões e isso leva a resultados na produção, como o escoamento, a agilidade no trato com a matéria prima, o que, evidentemente, era bom para o produtor e para a usina.
Todos eles foram pagos. Era uma Cooperativa que abrangia mais os Municípios de Capela, Cajueiro e Atalaia, era como se fosse uma Cooperativa de família, pois todo mundo sabia da condição de quem era o que, quem produzia, quem podia pegar aquele dinheiro, aquele montante – se pegasse,  sabia-se que tinha condições de pagar  aquele dinheiro que queria pegar mais um pouquinho e sabia-se que não tinha condições de pagar, então se dava menos...
E assim ela foi vivendo; teve a maioria do seu tempo no auge e contribuindo com o produtor rural. Depois veio a dificuldade de credito que não se resumiu somente a Capela, pois foi um fenômeno nacional e foi  aquela inflação galopante, que se tomava hoje1O reais e no outro dia estava-se devendo quase 20, e com isso houve uma retenção do crédito dos produtores.

É como se o Cine Ceci contasse um pouco da história local

Fechamento da usina

Depois é que veio o fechamento da Usina João de Deus, que era uma usina de grande tradição de pagamento. A Usina João de Deus desde o tempo de sua fundação, do Coronel José Otavio e depois com o José Pessoa, em termos de fornecedor e de operário, sempre se pagou em dia, Ai veio a mudança e passou para outro grupo e ai veio a bancarrota: não pagava a fornecedor de cana, não pagava ao operário, não se respeitava os direitos dos operários, os direitos dos fornecedores e se começou a fazer uma serie de coisas erradas, inclusive contra Capela.
E daí... Ela era uma usina pequena, moía ai suas 350 a 400 mil  toneladas, tudo aquilo que se mandava para ela moía ajustada e era o termômetro da região; quando o fornecedor da Uruba não estava satisfeito corria para a João de Deus; quando era da Capricho, corria para a João de Deus e era o centro das atenções, mas nesta última administração tudo veio por água abaixo por ter sido péssima e a gente está nessa aí: sem nenhuma usina neste raio. A gente vivia aqui numa situação privilegiada: era Uricuri, Capricho, João de Deus, São Simeão e Uruba. Hoje resta a Capricho.

O fornecedor e a Usina



A razão... Fala-se da crise da industria canavieira, mas ai a gente
tem indagações. O que mudou mesmo, foi a visão do empresário de  não querer tratar o fornecedor de cana como parceiros. Tá aí um testemunho vivo, a Usina Serra Grande. A pior situação geográfica  para se plantar Cana no Estado, chama-se Usina Serra Grande. É dito por todos os fornecedores de Alagoas, que ela e Coruripe e Grupo Carlos Lira são as mais sólidas; uma usina que mói uma cana na semana, na outra você está com todo o seu faturamento no seu caixa. E é uma das usinas que mantém das maiores produtividades do Estado. E vive de vento em popa.

A Usina Serra Grande – se tem noticias – ela trabalha para pagar à gente e seus operários não é com a safra que se inicia, mas com a safra passada. Então, se ela tem esta dificuldade de topografia e tem esta liquidez, por que as outras não tem? É simples: eles não pagam mais ao fornecedor de cana; elas não têm mais esta visão de que o fornecedor é um parceiro. Simplesmente, o fornecedor hoje é escravo da industria açucareira. E não temos mais condições de desenvolver canavial e é por isso ai que a gente vé a maioria dos fornecedores entregando suas terras aos usineiros; na hora de fazer o arrendamento, eles têm esta liquidez. Entao?

A queda da Asplana


Eu acho que é uma falta de boa vontade para com o produtor rural que é visto hoje como o inimigo do usineiro. Houve uma queda de posição do fornecedor. Com certeza,  política partidária nao se mistura com política canavieira e aconteceu aqui em Alagoas, quando a ASPLANA começou a ser povoada por politicos de carreira partidária... Deu no que deu, a gente deu para traz, ela deu para traz que tinha uma estrutura imensa...
Era uma entidade que teve seus tempos áureos no tempo do Dr. João Carlos de Albuquerque que tinha uma representatividade grande no Estado. Ate junto ao Governo Federal, a ASPLANA era respeitada e quando se misturou política,  deu errado; afundaram a ASPLANA e trouxe junto com a bancarrota da entidade, os fornecedores.
Roupa pendurada no antigo Engenho Velho
 
O senhorial capelense parece ter batido as botas

O pequeno fornecedor da região



Eu tenho exemplo dessa safra agora... Dessa região daqui de Capela,
Santa Ifigênia, que eles simplesmente deixaram a Cana – com dificuldade de caixa, precisando fazer  dinheiro em pé, o restinho para sua sobrevivência, para sua alimentação... Os custos que ele tinha para pagar,  o frete, para cortar a cana, para colocar na usina e não receber... Fez as contas e disse: "Eu gasto 30 para botar a minha cana dentro da usina... Ja não tenho dinheiro... E quando é hora de receber passa o ponto de passar sete semanas..." Ele não suportou, ficou sem condições de caixa porque ele às vezes tomava este dinheiro emprestado na esperança de receber na outra semana e ai ficava sem o dinheiro que tomou emprestado,  e sem o dinheiro daquilo que ele produziu. A situação e muito grave.
Se fizer um trabalho... Tem fornecedor ai... Não é só pequeno não...
Tem fornecedor de cana ai, passando dificuldades tremendas, gente que tinha produção de 20.000 toneladas de Cana, hoje esta produzindo 5.000. Antigamente, o fornecedor ainda tinha uma carregadeira, um caminhão e hoje se acabou tudo com isso... As usinas fazem a colheita. Eu mesmo vim acabar a minha colheita agora no dia 12 de abril, quando antes chegava no mês de fevereiro tinha acabado com a safra. Cana que já passou o teor de sacarose, 17 meses... Prejuízo para mim e prejuízo para a indústria. E um descontrole total.

A distribuição da cana


Eu colocava a Cana com oito quilômetros que era a João de Deus e 11 quilômetros que era para a Capricho. Eu passei primeiro a moer para a Usina Utinga, lá embaixo. Eu fui fornecedor ininterrupto durante 17 anos do Grupo Toledo e 17 anos da Usina São Simeão. A   Usina  Utinga,  veio um grupo de fora, considerada uma das melhores usinas do Brasil, somente da calote nos fornecedores de Cana. Houve uma declaração do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores falando da situação da Usina, que era  descompromissada com trabalhador e fornecedor.
Fizemos o possível para receber do Grupo João Lira e até agora nada. João de Deus fechou devendo ao fornecedor de cana, direitos trabalhistas e, dai, o fornecedor somente tem botado o pé no atoleiro pois ele não recebe. O fornecedor esta prestes a ser excluído de todo este processo, pois se tira e não se bota, a cacimba seca.

Poder e falência


Uma usina fale e o produtor fica sem receber e já existe aquela questão do super poderio. Se o produtor denuncia a usina á justiça, já arrumou uma briga com ela e as outras ficam de olho aberto. São muito unidos e começam a lhe sufocar. Tem a carta compromisso mas eles decidem no outro ano a não aceitar a sua cana... Quando a justiça vier resolver o feito, o produtor ja tem morrido financeiramente. E ainda tem outro problema: a cana da Uruba, de Lajinha vai migrar para onde?
Uma falência na justiça são anos e anos e anos, quando chegar, inclusive, o direito do produtor; primeiro vem o do trabalhador, depois o previdenciário  para depois chegar no produtor. Um grupo que dizer ter 800 milhões de patrimônio e deve quase duas vezes isso: quando é que vai chegar no produtor? Já houve tanta negociação tanto Ia quanto em Uruba para se receber em mel, açúcar e ate mesmo gado e aí vai se diz que não tem condições, que o gado não é da usina e sim do acionista tal e tudo vai sendo levado na barriga.
Na ASPLANA, essa administração até que melhorou um pouco, mas tem muito o que fazer. Tudo neste Estado que se bota politicagem, acaba-se com ela. Foi por ai que os produtores políticos acabaram com a Asplana, entidade que tinha laboratório, desenvolvia variedades junto com o Planalsucar, cana de açúcar. Hoje, o que se faz de variedades não chega como devia ao fornecedor. Hoje a gente não recebe nem a rapa, da rapa da variedade. No produtor de cana, a variedade não chega.
A ASPLANA foi desvirtuada; ao invés de ser uma associação de classe produtora foi ser de classe política. A moderidade veio e nela a decadência do produtor rural, do fornecedor. Alguma coisa andou errada, E tem uma outra questão que normalmente a gente conversa. Usina de  açúcar em Alagoas não dá, mas uma parte dos usineiros de Alagoas  tem usina em Sao Paulo e ai vem o velho provérbio popular; Quem pariu essas usinas? Foram as daqui.
Tem na legislação ainda do tempo do IAA, que diz que todo usineiro para fazer exportação, tem de apresentar certidão negativa da Associação dos Produtores de Cana e isso não vem sendo respeitado. Em Pernambuco encontraram uma medida; só ha a exportação de açúcar, só recebe um incentivo fiscal do governo do estado se comprovar que não ha débito com produtor de cana.

O açúcar e a Capela


Patrimonialmente, houve uma sensível perda. Antes, quando a usina moía, mesmo que não se desejasse vender a terra, o produtor sempre aparecia corretor na área, querendo saber, fazendo uma proposta; hoje, mesmo neste patamar baixo, tem-se dificuldade de vender terra aqui. Eu conheço vários amigos meus que, mesmo com o preço baixo, não conseguem vender. Quem comprava antes a terra, era um vizinho, um produtor de cana, um criador de gado, mas se ele hoje esta na mesma condição de quem quer vender, como é que ele vai comprar. Então se fica esperando quem de boa vontade quer vir comprar.

De leite à pimenta


Produção de leite aqui já teve um auge e todo mundo sabe que o leite passou por aquela grande crise e que se ficava derramando leite pela rua; agora é que houve uma melhora com a compra do leite pelo governo do estado, mas não é uma coisa que não é assegurada;  às vezes de um governo para o outro se muda o modo de ação e o produtor às vezes fica a ver navios.
A produção de pimenta aqui na Capela é uma realidade; existem pessoas plantando pimenta e eles vendem para Minas Gerais. Mas é aquela história: a pimenta esta cabendo, mas se todo mundo resolver plantar pimenta vai haver excedente e onde ira ser colocado? Ou se faz uma coisa milimétrica, bem acompanhada ou se terá problema.
Muitas pessoas já passaram para a pecuária. Uns já arrendaram suas terras, esta questão de eucalipto, estão arrendando muita terra na região, mas o faturamento é menor. E um faturamento mais sólido; o faturamento diminui e consequentemente a mão de obra diminui e isso leva ao desemprego na região que é grande e o impacto no comércio foi grande também.
As casas que existiam nas fazendas de usina foram todas demolidas; o pessoal foi embora, parte veio para o centro urbano e a maioria migrou, com uns indo para Maceió, outros para São Paulo. Piracicaba,  se for contar os capelenses que tem lá... Gente que reside lá, saiu daqui sem emprego. E o comércio em si, como um todo, perdeu muito. Perdeu o dono da mercearia, do supermercado...

O valor das terras


O prejuízo financeiro é muito grande, inclusive as próprias terras, que quando se perde uma usina, a valorização das terras das pessoas vai lá para baixo. O valor das terras aqui na região era um dos mais bem pagos do Estado. Hoje se compra terra aqui a preço de banana.  A tarefa aqui, se tiver tudo muito bem equipado, muito bem tratada e com a topografia boa, no máximo três mil reais; tenho conhecimento de amigos nossos, que na época foi proposto um valor de 25 mil reais por um hectare, não deu,  e isso foi quando a usina estava em funcionamento; hoje o máximo que se consegue é 10.000 reais com muita dificuldade.
A curto prazo em Capela, muita desgraça, infelizmente; em termos de ver um novo horizonte, uma melhor economia, uma melhor distribuição de renda... O produtor rural vem de uma seca.   Se pode dizer: o governo federal acudiu a  quem devia a banco com a prorrogação de dívidas... Se a pessoa de 15.000 toneladas de cana, depois da seca ficou com 5.000?  O que você tomou  emprestado, colocou dentro da agricultura,  perdeu... Não tem mais a cana, o gado, mas tem o compromissos para pagar? O prazo foi prorrogado, mas o compromisso continua e a produção nao existe e, ou se toma uma atitude séria no Estado...
Eu culpo primeiro à nossa classe; ou a classe do fornecedor de cana se une ou infelizmente a gente tem de pedir o socorro da classe política para que isso seja resolvido. Não é resolver com um perdoar a dívida como aquela coisa que houve no governo Sarney - aquilo viciou muita gente que ficou dizendo: não vou pagar que o governo perdoa. Tem de se criar condições, fazer um trabalho entre Secretaria de Agricultura, Universidade Federal, EMBRAPA, Ministério da Agricultura para ver o que e que se pode fazer, que os produtores de Capela, Murici, Atalaia, Cajueiro, Colônia de Leopoldina, esse povo todo, para que se faça um trabalho sério e isso prospere.
A gente está acuado sem saber para onde pender, quem mudou para gado, agora mesmo teve uma resposta melhor, o gado agora veio reagir depois de um patamar mais baixo da história. A gente está com o pé no atoleiro e esta cada vez mais afundando e com isso afundando, também, a nossa cidade. A curto prazo não havendo um mutirão, um esforço de todas as partes e do governo, eu acho que o bicho vai pegar.

Moer cana? Ninguém quer plantar: se moí e não se recebe?  0 gado não e uma coisa que se mude do dia para a noite; o gado você vai ter que acabar coma cana e aí vai ter uma perda, que a receita da cana é  maior e vai ter que plantar o capim, vai ter de fazer a cerca, vai ter  de comprar o arame, o herbicida; vai ter de contratar a mão de obra, vai ter que botar o gado dentro; se for o gado já adulto, você vai esperar um ano para que ele venha a parir, para dar você começar a tirar um pouco daquilo que você empregou. Vai levar uns cinco anos para você tirar aquilo que empregou na mudança de atividade, e como e que vai fazer isso se a maioria do produtor rural, 95%, esta todo mundo com a corda no pescoço?
               Essa mudança... Banco é aquela historia: se o negócio fosse ruim,  banco não emprestava dinheiro; então, tem, um custo disso e aí é onde a gente fica preocupado, porque se toma dinheiro em um banco, sabe que tem de pagar; quem tem responsabilidade, tem medo de tomar dinheiro em banco pois sabe que tem de pagar e do jeito que a situação está, se tomar não paga. O espaço que fica entre a mudança de cultura, o peso financeiro fica nas Costas do produtor e é muito grande.
Hoje, não é somente jogar o capim em cima da terra; ou se busca produtividade ou está fora do mercado. Então, esta cultura agora de baixo carbono é uma saída, essa integração do eucalipto com a pecuária, so que isso tem de ter um trabalho bem feito do Governo Federal; está se partindo para o eucalipto; várias pessoas aqui da região já partiram para o plantio do eucalipto, mas se daqui a pouco houver um excedente, onde é que você vai botar esta produção se não existe uma unidade geradora de energia no Estado e para onde vai este excedente? Eucalipto não espera; chegou no tempo tem de cortar e vender para ter uma nova produção, honrar com seus compromissos, ficar gerando emprego... Tem que haver uma coisa bem lapidada pelos órgãos de governo, produtores para que não se cometa nenhum erro.
Estamos vivendo um impasse de giro e de patrimônio. Se for feito um levantamento hoje de quanto existe de passivo, de fornecedores de cana a receber nas usinas, falando em termos de Capela. Capela, uma Cidade pequena, tem nas mãos dos usineiros ai, se for computado direito, mais de cem milhões de reais empacados. É muito dinheiro.

Pobreza e história de vida







Dois dedos de prosa sobre a vida 


         



 Este é um texto escrito por  jovem e talentoso jornalista e que faz pouco defendeu seu trabalho de conclusão no Curso de Jornalismo  do Centro Universitário CESMAC. Na realidade, foi meu orientando.  Sabendo de seu talento, pedi para conversar com o povo na Grota do Cigano, onde ainda hoje moram seus pais.

   Trouxe dois depoimentos, sendo um do seu pai, antiquíssimo morador da área e o  de uma senhora que conhece os meandros da Grota, A sensibilidade do  leitor revelará o esforço que os empobrecidos realizam para situarem-se no universo urbano de Maceió e como são construídas as Grotas.

Campus agradece a Railton  pelo  que nos trouxe do dia a dia da Grota dos Ciganos, matéria que fica como documentação para o futuro e sobre como se faz a vida em Maceió. Deve ser enfatizado que Railton é da Grota do Cigano, ele mesmo tendo muito o que falar sobre a localidade. Preferimos deixar a fala de dois moradores, como referência para uma história da periferia de Maceió.



Vazio,  julho de 2014

Luiz Sávio de Almeida



Railton Teixeira é jornalista. Dirigente do Setor de  Jornalismo e  Comunicação do MLST. Ex-dirigente da União dos Estudantes Secundaristas de Alagoas (UESA), membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Direito, Sociedade e Violência do Centro Universitário CESMAC.




Pobreza e história de vida
Railton Teixeira

Muitas foram às histórias que se cruzaram durante o processo de construção do que hoje é conhecida como a Grota do Cigano. Tudo teria começado após a aquisição de terra junto ao Lar São Domingos por José Sebastião da Silva, ou, Seu Silva, como era popularmente conhecido. Ele deu início ao processo de construção de pequenas casas para aluguel e vendas de lotes para construção de moradias. São mais de 40 anos de transformação do que antes era mata para o que é hoje.
A Grota do Cigano é apresentada como um dos lugares mais violentos de Maceió. A grande mídia vincula apenas casos relacionados a homicídios, prisões, apreensões e catástrofes da natureza. Enquanto há histórias de um povo que luta para sobreviver. Um povo, na sua maioria, vindo da zona rural e que  foram trabalhar nos mais diversos setores, como uma forma de ganhar o seu “pão”.
Aqui serão apresentadas duas histórias que mostram os esforços que esse povo fez e faz para sobreviver, e para garantir uma moradia digna,  com acesso aos direitos que lhes são negados fazendo frente à violência institucionalizada. Essa mesma violência que é ignorada, mas que o povo não deixa de ter esperanças em dias melhores na superação das condições de pobreza a que são submetidos, organizados na resistência popular.
Os relatos são fidedignos aos depoimentos dos entrevistados. Eles são frutos de uma rigorosa colheita de informações, depoimentos, relatos, documentos, fotos e provas que vem sendo acumuladas sobre a história da grota. Esse material tende a identificar as raízes e origens da Grota do Cigano, questionando e confrontado tudo para chegar a sua veracidade.
Os depoimentos apresentados foram escolhidos pela sua importância histórica e tem como protagonistas Dona Luzia Santana e Manoel Ferreira. Ela, uma das moradoras mais antiga da localidade. Oriunda do município de Jequiá da Praia, litoral sul de Alagoas, e chegou à grota para cuidar de 33 casas de aluguel construídas por seu Silva. Em seu depoimento ela conta quais são as suas lembranças do que viu e viveu no final dos anos de 1970.
Já Manoel Ferreira, natural do Sítio São João, em Correntes, município pernambucano, foi um dos primeiros a adquirir um lote para a construção do que é hoje sua residência e descrever como foi a sua história que já dura 30 anos.





A fala de Luzia Santana




Fazem 35 anos que eu cheguei. Não sou das primeiras, não. Quando cheguei, tinha um monte de gente; lá em baixo, eram os ciganos. Por isso, que é grota do Cigano. Isso era mato, grota esquisita, sem muitas pessoas. Só sabia da fama e do medo dos ciganos. Ainda vi uma das mulheres, das mais novas. Nunca tive intimidade. Eles eram um pessoal malcriados, tão brabo... Deles morando por detrás da igreja.

Vim tomar conta de umas casas de aluguel, do meu patrão chamado José Sebastião da Silva, conhecido como seu Silva. Cuidava de 33 casas. Ia do Galego do pastel até sair na São Domingos. Tinha uma casinha aqui e outra acolá. Depois que eu cheguei foi que ele (seu Silva, RT) andou vendendo uns lotes. Quem fez a limpeza da construção desses barraquinhos, aqui já fui eu.

[A violência já existia, RT] Às vezes entrava alguém que já vinha correndo de lá para cá e entrava na grota; acontecia de vez em quando, mas nem eu via.

Quando nós chegamos, aqui não tinha água; a água só descia até o bar da dona Cícera (que é o da Selma, o início da ladeira da grota, RT). Depois que eu comecei a trabalhar com o seu Silva, puxei a água. Depois, peguei o nome do povo e levava para a Casal; assim, é que eu consegui colocar água. Dali da dona Cícera até o terreno do ‘veio’ lá em baixo, na Marinete.

Aí o pessoal já vinha de fora comprar água a mim, aqui. Carreguei um bocado, mas também vendi muita latas d’água (riu, RT). E luz também não tinha. Tinha sim, mas era emprestada, ele (seu Silva, RT) pegou um conhecimento com uma mulher na Rua Santo Antônio e fez uma ligação que vinha por dentro do capim aqui e acolá, ele enfiava um pau e colocava o linho aí descia os fios; desse jeito, foi que chegou a energia nas casas.

Era feito tipo um chalé; as casas eram chamadas de chalé antigamente. A casinha já tava velha, feita de taipa. Eu morando na casa... Quando penso que não, ele começou estalar; fiquei assustada. Quando foi a noite, chamei a Zefinha, minha filha e esposa do Seu Silva, que trabalhava no escritório com ele disse: ‘Zefinha tu diz ao Silva que essa casa ta estalando e eu to com medo, será que ela vai cair? Eu nunca vi uma casa cair’. Ele disse: ‘ah, é porque ela é velha e é assim mesmo; você diga a ela que passe para um quarto em frente que tá desocupado’. Aí passei para o quarto, inclusive, onde mora hoje a dona Piedade.


Quando começou, o lugar não tinha benfeitoria nenhuma. Não tinha estrada, era barro, isso quando chovia e descia se que não tivesse cuidado quebrava uma perna, nessa ladeira. E olhe que era mais zelada, pois era onde ele (seu Silva, RT) descia o carro até aqui. E daí do terreno dele pra lá para baixo, era só um caminho, uma trilha, não tinha uma estrada bem feita e as casas é uma passando da outra. Porque não tinha nível; cada um chegava e fazia onde a cabeça dava, entendeu? Vou fazer a minha casa, comprei esse terreno, vou fazer pra trás, pra frente... Pode prestar atenção: essa rua que tem esse lado assim (lado direito, RT) é mais ainda é mais alejada que o lado de cá.

Já depois que a gente tava no lugar, essa pista foi construída por Deus e abaixo de Deus, pela irmã Maria das Graças, que nessa moradia que tava rolando, aí desceu duas criaturas mandadas por Deus, freiras, para querer rezar, ensinar as coisas boas e começou lá embaixo onde termina as duas estradas que depois faz uma só, do outro lado, a ruinha vai que se acaba, assim do lado de lá, a gente pegava rezava dali e subia por aqui afora. A irmã rezando o terço e ensinando, fazendo o catecismo e era a maior coisa do mundo. Quem começou foi ela só, depois com muito tempo, depois com a igreja feita, começou a aparecer padre, missionário, mas quem começou do chão, do bruto mesmo foi à irmã. Sim, a irmã Maria das Graças. Porque ela começou andando; ela ia vendo o povo, e, ai, Deus tocou no coração dela; ela optou em fazer uma capelinha, uma igrejinha, que é aquela hoje que nós andamos (a Igreja Nossa Senhora de Fátima, RT); aí saímos procurando quem tinha um terreno para vender, coisa e tal. Aí encontrou aquele terreno ali aí; ela comprou e quando acabou formou a igreja.


Ela começou o terreno, mas para eu, ir mesmo frenquentar a igreja, não fui logo. Ela passava ‘Luzia vamos para a igreja, minha fia; vamos para a igreja!’ Agora, eu ajudava no que ela me pedia. Porque quando nós chegamos aqui, o Zé Silva mandou a gente fazer um galpão naquela casa que é hoje o lugar da igreja de crente, (um quarteirão após a igreja católica, RT) para fazer tijolo; ele ensinou os meninos a fazer tijolo pronto; ele dizia: ‘Vocês façam tijolo, que é um meio de vida. Eu vou ensinar, vocês fazem e, quando alguém por aqui quiser tijolo, vocês já vendem. É negócio pra vocês’.

Ele ensinou pros meus meninos; aí  a gente se reuniu, compramos madeiras e formamos uma casa, um galpão, só não tinha parede; colocamos umas assim, cobrimos com brasilit essas coisas... aí os meus meninos trabalhavam ali fazendo tijolo próprio. Aí, quando ela (a irmã Maria das Graças, RT) queria alguma coisa, ela vinha aqui: ‘Lú me empresta madeira, as madeiras que os meninos pegaram andando!’. Andamos fazendo os planos de comprar um terreno aqui, também, no plano; mas era muito caro, tinha chegado aqui um pouco que cansada, aí a gente achou que as possibilidades não dava para comprar.

Mas, aí, seu Silva mandou a gente comprar em três partes, em qualquer altura na ladeira. Eu disse: ‘não quero, do mundo de ladeira venho correndo’. Aí estávamos naquele jogo, enfrentamos nessa vila aqui e dissemos que íamos ficar com essa vila.



A grota foi se construindo, Deus soltou o pessoal do agreste, porque o pessoal dessa grota é todinho do sertão, do agreste, das matas, das caatingas. Vi muitas mudas descerem nos buracos dessa ladeira aqui pra baixo. Chegaram muitas mudanças, muitas gentes. Foi enchendo aos poucos devagazinho, devagazinho, porque hoje ta o que ta. Você chega na chã, olha essa grota aqui...  A pracinha, no meio da grota, da cabeça daquela ladeira (descendo a Cleto Campelo a segunda ladeira, onde atualmente há uma praça RT) para sair na Mangabeiras era mata, era mata escura. Era uma pontinha de mata escura, não tinha casa, não tinha nada, só tinha a trilha; você entrava aqui, colocava a cabeça na boquinha da mata até quando chegar naquele negócio de alumínio, o Ornato Box, pois menino, ali era mata. Quando eu cheguei aqui, o meu filho veio primeiro, ficou na casa de um tio; aí depois adoeci de uma perna, vim para me tratar, enquanto não fui operada eu saia de casa para levar comida para o Reginaldo, lá embaixo o pessoal subindo aquele prédio, ao lado da lagoa, onde tem até o primeiro hotel que eu me esqueci do nome dele, acho que é Jatiúca, a gente descia aqui em frente atravessava e chegava na Mangabeiras, já fica aqui na beira da praia mesmo. Era muita dificuldade a ser superada ainda falta ainda hoje muito acesso.

A prefeitura quando a gente abusava, ela mandava um pedaço, mas a gente caminhamos tanto para adquirir isso daqui e foi nós, nossa cabeça. A irmã disse: ‘Lú já que você é a mais velha aqui, já trabalha, sei que você é inteligente, vamos trabalha para nós descer a luz e a água para sua casa até chegar na igreja!’.


O esgoto a gente pediu muito, também. Quando a gente ia pedir, a gente pedia tudo. E eles mandaram fazer. Eles começaram a fazer, que o calçamento do esgoto veio até atrás da igreja, começaram na Mangabeiras e veio até atrás da igreja. Eu não vi não, mas escutei, diz que eles pararam, os trabalhadores que vinham trabalhar, e disse para o governo na época, dizendo que ia para com a obra, porque não vale a pena não ‘o pessoal são tão mal educado, que a gente ta trabalhando e eles vem com o lixo, com três quatro chega na beira e sacode nas costas da gente, a gente não ta trabalhando, eles vão e sacode na gente, (barulho com a boca), na cabeça e eles não querem nem saber, então aquilo dali é um local de mal educados’. Aí encheram a cabeça do governo, aí acabou parando o serviço.





A fala de Manoel Ferreira

Muitas lembranças ainda tenho do tempo que aqui cheguei até hoje. Quando vim morar na Grota do Cigano, a moradora mais conhecida era a dona Luzia (Luzia Santana, RT). A grota era uma imensidão de mata e em um espaço pequeno, poucas casas. Os Ciganos moravam lá por onde hoje é a Igreja Nossa Senhora de Fátima. Muita coisa mudou, principalmente essa rua aqui (Amaro Feitosa, RT). As casas aqui pra cima era todas vazias. Não tinha ninguém.

Eu era solteiro. Na época tinha 25 anos; com 26 comecei a construir a casa, no mesmo ano me casei e comecei a morar. Foi uma casa de taipa, de barro e madeira. Muito sacrifício... Fiz uma casinha separada. Saia para trabalhar e a mulher ficava sozinha. Mas era pouca violência.

Mas a decisão para vim morar em Maceió, principalmente na Grota do Cigano não foi fácil. Pois sou filho natural do município de Correntes, próximo à cidade de Garanhuns, em Pernambuco. Morei no Sítio São João, com outros onze irmãos. Sempre ouvia falar de Maceió e sempre tive vontade de buscar melhores condições de vida e uma forma de ajudar a alimentar os meus familiares que permanecia no sítio. Com 24 anos tive uma conversa com um irmão, chamado João, que havia chegado de São Paulo e o chamei para vim para Maceió procurar serviço.

Foi uma decisão minha, mas não foi simples. Falei com meu pai: ‘olha pai vou procurar serviço em Maceió’. Perguntei o meu irmão João, ‘vamos embora para Maceió, se você for iremos tal dia’. Chegamos em Maceió e nos dirigimos para a casa de um amigo chamado Zé Prego, que morava no Reginaldo. Ele era casado com uma prima. Foi só chegando, descansando e no outro dia fui procurar serviço, lá na Salgema naquele cais do Porto, que a época ainda estava em construção. Não queria Recife porque tinha a fama de cidade perigosa. Sempre me chamaram para ir para São Paulo, eu dizia ‘quero nada’. Tinha uma simpatia por Maceió e vim para cá.

Depois de um tempo João voltou para Correntes e eu fiquei, aí consegui um trabalho em um prédio. Vim apenas com a passagem de ida e volta. Quando estava completando oito dias, havia trabalhado a semana todinha, o Zé Prego tinha tomando uma cachaça, a noite não dormiu, queria mata a mulher, pensei ‘homem aqui não vai da certo não’. Quando foi no domingo eu peguei o ônibus e voltei para Correntes.

Isso foi em setembro. Voltei falei com o meu pai: ‘vou bater o tijolo, fazer a minha casa e vou embora para quando eu casar venho morar aqui’. Aí meu pai disse ‘ta certo’. Fiz dez mileiro de tijolo, no local aproveitamos para fazer um açude, que até hoje tem por trás da casa que agora é da minha família.

Quando foi em dezembro, faltando poucos dias para o fim do ano, minha tia Rita me chamou para visitar um filho dela, chamado Pedro, que morava aqui em Maceió. Eu disse ‘vou não’, mas ela ficou aperriando ‘bora, bora, vai eu, você e Ilton’. Ilton é seu filho e atualmente é padre em um interior de Pernambuco. Aí aceitei. Passei final de ano em Maceió, entre os anos de 1983 e 1984, passei o final de ano e aproveitei e falei para o Pedro que se ele arrumasse um emprego aqui, só era falar comigo que eu viria. Depois do final de ano, dois dias depois voltamos, eu e minha tia Rita, Ilton ficou.

Chegando em Correntes, no segundo dia queimei a caieira dos tijolos tudinho, quando foi no outro dia Ilton chegou, isso em janeiro de 1984. Ele disse: ‘Oia Pedro mandou tu ir trabalhar, ele já arrumou vaga pra tu,  lá em Maceió’. Eu disse ‘foi mesmo rapaz’, olhei para o meu pai assim e disse ‘oia pai, o senhor pege esse tijolo, venda, dê, empreste faça o que o senhor quiser’, parece que foi Deus que disse assim, que iluminou os meus caminhos e disse que eu viajasse. Aí meu pai disse ‘tá certo’. Eu viajei para Maceió, quando foi no dia 28 de janeiro cheguei e comecei a trabalhar em uma pizzaria, em poucos dias eles ficharam a minha carteira, até hoje graças a Deus estou em Maceió.



Comecei a trabalhar como ajudante do meu primo Pedro, pois ele era pizzaiolo. Comecei a dormir na pizzaria, tinha um quarto, ficava lá sozinho. Todo dinheiro que eu pegava na semana eu mandava para a minha família, no interior (em Correntes, RT). As vezes eu ficava sem nenhum centavo. Isso era para meu pai fazer a feira, naquele tempo não era fácil. Nesse período um colega de trabalho chegou e disse que tinha um senhor vendendo terreno no Jacintinho, na Grota do Cigano, em parcelas. Como não podia comprar a vista, ‘vou lá comprar parcelado’. Quando cheguei, Dona Luzia me mostrou uns terrenos nessa rua (Amaro Feitosa, RT). O primeiro apresentado foi o que hoje é a Igreja Assembleia de Deus. Não gostei, ela me apresentou outros três terrenos, aí eu disse que não queria, porque todos eram perto do riacho.

Até quando ela me apresentou ao que hoje é a minha residência. Isso por ser mais alto. Os outros terrenos não despertava interesse porque quando chovesse iria entupir o rio e chegar até a minha casa, quanto mais alto melhor. Conversei com o dono que era o seu Silva (José Sebastião da Silva, RT) na hora fechei o negócio e dividi o valor do pagamento em duas vezes. O terreno foi 700 cruzeiros. Na época eu recebia 20 cruzeiros, ou seja, cinco por semana. Mandava tudo para o interior. As vezes ficava com um cruzeiro.

Fechado o negócio fui para o interior conversar com meu pai, vender uns negócios que tinha lá. Vendi dois garrotes que tinha, que deu menos da metade do valor. Cheguei aqui, faltando 20 cruzeiros para completar a metade do valor, que era 350. Vim no dono (seu Silva), falei com ele disse que não iria ficar com o terreno, pois não tinha dinheiro: ‘o dinheiro que tenho aqui é 330 cruzeiros, então não vou poder comprar o terreno’. Ele disse que o negócio era meu, perguntou se eu queria, disse que eu era uma pessoa de bem: ‘vou colocar no papel que você deu os 350 e daqui a 20 dias você dá o que falta.

Com seis meses eu tinha que arrumar a outra metade para concluir a negociação. Fui batalhando, tomei dinheiro emprestado com um, com outro, fui até quando conseguir o restante e fechei a primeira parte da negociação com ele (seu Silva, RT). Fiz uma casa de taipa que era um ambiente só, de quatro metros quadrado. Não tinha nada de quatro, cozinha. A região era desabitada, de um lado só mato, árvores frutíferas e, do outro, tipo um conjunto de casas construídas pelo seu Silva. Ele fez várias casinhas para alugar, mas nessa época não tinha quase ninguém a não ser dona Luzia e seus filhos. Lá embaixo na grota alguns ciganos, e, uns parentes de seu Silva, mas lá embaixo.

Mas, com apenas um mês com o terreno adquirido sai do trabalho, passei 30 dias desempregado, sobrevivi com a rescisão do contrato de trabalho e fui contratado para trabalhar em um restaurante famoso na época no bairro da Ponta Verde, assim tive a oportunidade de ter qualificação e, inclusive, na carteira, de ajudante para cozinheiro. Depois parti para trabalhar em hotel, como cozinheiro, mas morava na minha casa. Nessa época ainda vieram sete primos que também queriam uma oportunidade em Maceió. Mas depois que casei e cada um foi para o seu canto.

A grota cresceu... O pessoal veio através da informação. Eram terrenos vazios, mais baratos; vieram comprando, comprando e foram se espalhando até quando encheram aqui a grota todinha; e aqui no início só era barro, a passagem era muito dificultosa, carro não passava; no verão passava, no inverno voltava tudinho. De uns tempo para cá, começou passando a maquina; depois passaram calçamento e virou essa grota aqui.

Esse pessoal trabalhavam de construção. Começaram a trabalhar em construções. Longe daqui... Morava aqui e trabalhava fora, até quando chegou essa população todinha.