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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

A construção do Espiritismo em Alagoas (ii)



Este texto foi publicado em Campus/O Dia
 
Dois dedos de prosa






Esta é uma nota prévia de capítulo que constará de livro por nós em preparo e com o título de História dos costumes, usos e abusos em Alagoas. Nada mais e nada menos do que isto. Escrevo em homenagem ao Centro Mello Maia, especialmente pelos seus anos de existência, uma situação raríssima dentro do eterno efêmero que parece governar Alagoas.

O autor adoraria receber informações e críticas pelo e-mail ndsvcampus@gmail.com.

Vamos lá Irmão Jayme. Continua firme no José Eusébio? Dele pouco sei, Irmão! Apenas que era professor, mas vou descobrir muito mais.

Um abraço

Luiz Sávio de Almeida

Um pequeno esclarecimento

O texto é uma coleção de pequenas notas sobre a história do espiritismo em Alagoas – se elas são boas ou não, pouco me incomoda. É material ainda em tratamento e continuará assim por, no mínimo, um ano, quando então me animarei a colocar em livro. Pode ser considerado como Nota Prévia – e, como todo texto, vai ser aceito ou rejeitado em parte ou no todo pelo leitor. Também não me importa. O fundamental é que desperte o estudo da história dos espíritas, algo bem mais colocado do que história do espiritismo. Não me interesso em tirar conclusões, mas em levantar questões – e, realmente, fico esperando que meus erros sejam férteis.

As razões de ter publicado as achegas dei no texto de abertura e foi publicado no nº  144 do nosso suplemento de O Dia.

O texto vai para Manoel Pinto de Mello Maia, mas vou acrescentar Hugo Jobim. Não os conheci pessoalmente, o que é mais do que claro. Mas conheci e gostava demais do Irmão Jaime, a quem associei muito dos primeiros e despojados espíritas de Alagoas e a quem muito projetei na figura de Antônio Pombo.

 

 Achegas:  o espiritismo em Alagoas (II)

Luiz Sávio de Almeida





Para Manoel Pinto de Mello Maia,

Hugo Jobim, Antônio Pombo e ao grande amigo Irmão Jaime

 


Um pouco sobre a intensidade das ações


            Ao que tudo indica, e ainda segundo o Lumen, houve uma fase de ação, outra de arrefecimento e, finalmente, deu-se a reação do movimento. A queda de intensidade ocorreu, como diz a análise publicada em Lumen, pela pressão contra as atividades que deveriam ser realizadas para firmarem a presença do espiritismo.  Diz o jornal com sua linguagem forte, combatente, típica de quem estava ainda sob severa pressão:

Logo, velhos sebentos, sábios de contrabando, teologistas de confrarias, beatos de todas as espécies, se levantaram contra a seita nova, cobrindo-a de ridículos,  de esconjuros e dos anátemas da bestice e da ignorância humana.

Isto bastou para que cessasse de repente o entusiasmo das investigações de então: ninguém  se animava a investigar os fenômenos [...] O meio era sobremodo atrasado, obscurecido pela influência nefasta de uma filosofia penosa para o espírito da época.[i]

            Então, ao tempo dessa revisão histórica, os debates que se faziam encontravam o espiritismo reposto em campo e em muito pesavam as atividades do Centro Espírita das Alagoas  e depois  Centro Mello Maia, com a mola mestra de sustentação deste Centro,  passando por  Manoel Pinto de Mello Maia, conforme frisava a análise que estamos a comentar:

“Por este tempo surgiu a ideia da fundação do ‘Centro’ que ainda hoje mantemos, graça principalmente aos esforços e ao zelo do nosso querido irmão Manoel Pinto de Mello Maia.[ii]

            É nesse contexto que surgem diversos nomes de militantes que deveriam ser lembrados, justamente na fase em que a presença pública já se fazia com maior facilidade. Se não houvesse essa consolidação, jamais se teria o nível de debate que aconteceu – e ele era um sinal, pela Igreja Católica, de que havia algo a enfrentar no plano das ideias e nas consequências políticas. Nessa altura, o espaço espírita havia aumentado e, nisso, tinha importância o quadro da imprensa: A Ciência que foi articulada pelo Grupo Espírita Vicente de Paula, A Luz e O Espírita Alagoano que foram dirigidos pelo Antônio Pombo. Na retomada, o crescimento passava por Maceió e por outros municípios: havia o Allan Kardeck, em Penedo; Esperança e Luz, em São Miguel dos Campos, dirigido por Bráulio Monteiro; São José, em Fernão Velho; São Domingos, em Rio Largo – os dois últimos criados com a presença de Manoel Joaquim Vidal.

           
Bezerra Menezes
Houve uma fase inicial marcada pelas ações a bem dizer informais, essas ações aproximam pessoas, mas obrigatoriamente não definem a existência de um grupo diferenciado. Há uma tentativa de consolidação e há o da Federação indicando não à maturidade, mas a de passos formais de consolidação que iriam além de Centros e de Grupos. É isso que se pode depreender do relatório lido no Centro Mello Maia. E tudo é possível ter começado na década de setenta do século XIX.

            Evidentemente, e vale ser relembrado, quando entram no cenário das forças políticas do século XIX alagoano, o espiritismo, a maçonaria e o protestantismo eram uma densa reação ao mandonismo católico; afrontavam a base da organização doutrinária da sociedade tanto no campo oficial quanto no campo popular do catolicismo, voltado para os lugares e de denso cunho paroquial.  Deste modo, tais correntes poderiam ser encaradas como subversivos; eram elementos que deveriam ser destruídos para salvaguarda dos valores do cristianismo que teriam a Igreja Católica como guardiã. Seriam forças acompanhadas pela necessidade de abertura da sociedade e, por isso, vai se desenvolver um jogo de confronto e de acomodação.

            É preciso notar que abrir espaço no bloco católico era tarefa difícil, carregada de tensão e estamos, portanto, diante de um confronto com o modo da organização senhorial dominante, da qual a Igreja Católica continuava a ser um dos braços de representação e sustentação.  A tríade mencionada, junto à ideia de contestação ao capital que já se esboçava na organização dos gráficos, consistiam elementos centrais de oposição e, mesmo que não fossem reconhecidos como tais, estavam demarcando fissuras nos fundamentos das bases ideológicas e, portanto, políticas, ao lidarem com nova proposta sobre o sagrado, mormente no caso do protestantismo e do espiritismo.

            Apesar de estarem em contestação, eles não se somavam e serão excludentes sendo, portanto, uma contraposição fragmentada o que, sem dúvida, beneficiava à manutenção do modo católico de representar as estruturas de produção. O não ajustamento favorecia aos interesses católicos, jamais se poderia pensar numa junção entre espíritas e protestantes pelo fato de que se contrapunham na base das argumentações. Por protestantismo entenda-se, neste caso, a presença de batistas e presbiterianos.

           
Em 1870, o espiritismo já seria matéria presente na agenda alagoana de vida, mas ainda não havia, como nos parece evidente, a formação de grupos e nem a de centros. Os grupos seriam a forma necessária para o espiritismo fazer-se orgânico, criar e desenvolver a sua espécie de comunittas. Como ideia, ele circulava, mas como prática ainda carecia do senso do coletivo e a geração de um senso de pertença, o que seria exercitado com a vida – pedindo a devida licença para o termo – grupalizada. É praticamente impossível, portanto, ver historicamente o espiritismo sem que se tenha formações coletivas. Tais formações, no Brasil, vão ganhando uma coluna mestra em torno de Alan Kardeck e sua codificação, mas criando sua própria forma de ser – e este é o ponto fundamental.

            Por outro lado, convém considerar que apesar das dificuldades de comunicação, a Província das Alagoas poderia ser acessada por terra e por mar e, então, as notícias do mundo exterior circulavam em Alagoas. Ela se abastecia de informações e dependia dessa espécie de exterior de cabotagem. Somente depois e presente no tempo da expansão espírita, tinha-se o mundo da via férrea nos articulando, sobremaneira, com Pernambuco, enquanto o vapor já estava nas embarcações que visitavam, sistematicamente, a Província, tocando nos portos do sul e do norte e indo aos interiores do Baixo São Francisco até o limite de Piranhas.

       
    

Logo veio o Além Túmulo


            É de se pensar que vamos ser – a bem dizer – imediatamente atingidos pelo trabalho desenvolvido na Bahia por Luiz Olímpio Teles Menezes, o fundador do Echo do Além Túmulo, jornal que aparece em 1869, e em 1870 estará divulgado em Alagoas, através de uma loja tradicional do comércio: Andrade. Estava sendo esse jornal agenciado em Alagoas e anunciado pelo União Liberal de 26 de Outubro de 1870.  Aliás, deve ser visto que Teles de Menezes foi um dos primeiros tradutores de textos de Kardeck para o português[iii].

            A expressão “Além-túmulo” era rica em sentido e apontava a existência de outro espaço em comunicação com o cotidiano – viabilizado, a nosso ver, e considerando o doutrinário espírita – pelo liame estabelecido na lógica da reencarnação. Essa ideia acentuava o cotidiano como provisório e a expressão “Além-túmulo” dava-lhe um limite preciso, a informalidade que a expressão estaria carregando era aparente.

            Nos mistérios de entonação católica, esse além era plasmado numa espécie de geografia plena de fronteiras consolidadas em categorias como o paraíso, o purgatório, o limbo, o inferno.  Nos mistérios do espiritismo, a literatura espírita estará dando notícias de outra organização daquele espaço sagrado. Esse ponto é essencial: o mundo espiritual tinha sua organização diferenciada e possivelmente, o que existe de melhor nessa demonstração do contexto de um urbanismo do sagrado está em Nosso Lar, o que virá muito mais para frente, quando o espiritismo popular se afirma na linha de frente nacional, por onde entra a abundante e messiânica psicografia de Chico Xavier, trazendo os depoimentos de André Luiz.

            Nosso Lar é muito mais do que um romance e jamais poderia ser entendido somente como tal. É um tratado da sistemática de relações em uma categoria espacial absolutamente diferenciada e serve-se da linguagem literária para traçar uma etnografia daquele mesmo espaço. Não seria, portanto, reduzível apenas a uma obra de ficção que é, simplesmente, no caso, um modo de falar sobre uma determinada organização social espiritual. É de se notar que decorrem quase 75 anos de presença do espiritismo no Brasil para que se materialize a fala de André Luiz, o esclarecedor nacional (a partir de 1944) do espaço espiritual, algo harmônico em contraste com o caos do chamado mundo material.

            Nós estamos diante do tempo espírita e Nosso Lar será uma das demonstrações ou um dos passos da maturidade do espiritismo brasileiro, fundada pela ruptura que Chico Xavier e André Luiz ocasionam. Nossa Lar é, sobretudo, a demonstração dos umbrais, da segmentação pelo anti-humano e é nesse sentido de redenção que se constrói uma bela utopia de uma cidade que prepara a humanidade para o aproximar-se da purificação. O senso do coletivo espírita faz com que André Luiz, um médico, construa o universo das colônias.

            Nos mundos espirituais, a relação com o cotidiano profano mediante reencarnação e outros fenômenos seria constante, parecendo-nos uma indistinção do espaço do sagrado pela sua absoluta abrangência sobre a totalidade. Nesse sentido, o espiritismo brasileiro será recriado por uma nova forma, impossível de consolidar-se à época que estamos trabalhando: a da grande abertura da mediunidade através especialmente da obra de Chico Xavier e da literatura mediúnica por ele desenvolvida. No entanto, não seria por aí que Chico Xavier seria ruptura. Tal ruptura se dá pela mediunidade desclausurada, pela expressão de massa que ela envolve. Saem da clausura dos grupos e centros para estar abertamente no público do agônico humano, apesar de utilizar-se do comum da instrumentação dos trabalhos espíritas.

            Nesse ponto é de se tocar no socialismo argumentado por León Denis.

            Sem dúvida, há um sério recorte entre a mediunidade de Chico Xavier e o engessamento do discurso doutrinário. Seus textos trazem a grande marca do que o espiritismo foi aprendendo em sua prática brasileira até tornar-se o espiritismo de contato com o cotidiano nacional – espécie de missioneiro – e, este sim, de inegável raiz popular, embora continue o distanciamento da grande discussão de possibilidade de caridade sem atingir a organização do sistema ou suas relações de propriedade e trabalho. A interferência social espírita, a nosso ver, não alcançou o modo da organização da sociedade e, nisso, ele que era novidade, tornou-se conservador. Mesmo nos seus começos alagoanos quando era aguerrido, jamais criticou o modo da organização da produção, como se houvesse um distanciamento seu, do modo de organização da sociedade.

Processo histórico


 

            O fato é que havia um processo histórico e um lastro cultural onde se desenvolvia. Nesse tocante da construção nacional e dentro de uma visão confessional, comenta Frauches:

“O Brasil seria [...] campo fértil para a expansão do espiritismo [...] O Espiritismo não se desenvolveu na França, mas no Brasil. Lá foi o berço propício aos fundamentos da Doutrina Espírita. Aqui, a continuidade, o desenvolvimento, a consolidação[iv].”

            Há uma dimensão que deve ser fortalecida nessa visão do espiritismo e a derivamos de uma discussão aberta por Cavalcanti[v], quando diz que ele funda “uma matriz de leitura e experiência do social”.  Isso é fundamental para percebê-lo brasileiro e alagoano; a sua leitura e a sua experiência, usando o velho dizer, será aqui e agora, datada e situada. De fato, a chamada codificação – apesar de falar sobre o fato espírita – termina por ser um modo de propor sobre a sociedade, no que se transita pelo ético e pelo político, e é desta forma que se pode acentuar proposições e atitudes, tudo, conforme pensamos, incidindo  nas relações diretas e indiretas, mediatas e imediatas com o poder conforme seus marcos locais.

            Há um projeto de sociedade na medida direta em que o espiritismo existe, devendo ser discutido até onde ele foi, até onde está indo e até onde irá. As suas trocas sociais vão bem mais além do que se resulta, por exemplo, em um centro ou em um orfanato. O tempo espírita não corre diferente do tempo da sociedade e, com ela, ele vai interagir e responder. Dessa forma, nós temos um espiritismo do tempo brasileiro e do tempo alagoano em particular e sempre será assim.

            Ao chegar a Alagoas, o espiritismo não somente interage com a cultura e sociedade instaladas, seus modos e formas de relações, mas a modifica na medida em que introduz uma variante radical: o exercício de contestação quanto ao agrarismo que prevalecia, embora viva a necessidade constante de pactuar e o seu tom ainda formal de erudição sobreponha-se e o leve a estar ocupando espaços em sugestivas áreas de poder como, por exemplo, a mídia. E, por outro lado, funda-se a expressão, a nosso altamente preconceituosa, chamada de “baixo espiritismo”.

            Ele vai buscar a legitimidade, estar legítimo para o senhorial em caminho que será, essencialmente urbano, camadas médias e artistas como base demográfica essencial. Essa aproximação a tais grupos é vista também em Priori[vi].   O fato é que temos um conjunto de intelectuais espíritas que argumentam o espiritismo, pregadores públicos do espiritismo, vindos de setores médios da população – que passa também pela maçonaria, embora com comportamento diferenciado, mas não passa pelo protestantismo que se fará bem mais de perto com as gentes empobrecidas pelo sistema.

            Estamos diante de um ideário consolidado que nos chega, mas que não pode ser considerado exótico e, sim, integrado às raízes que estavam postas na estrutura social. Uma determinada lógica desenvolvida culturalmente e não-kardecista estaria apta a poder absorver o espiritismo kardecista e, mesmo, aquele que será derivado da matriz afro-brasileira e se fará especialmente pela Umbanda. É nessa base existente que se prevalece como força religiosa sobre a mundanidade científica. O que se deveria investigar: a suficiência do espiritismo em contestar o sagrado e a insuficiência de contestar a produção.      Evidentemente o leitor estará sabendo o contexto e significado que se está dando ao político aqui neste texto. Nada de partidário, mas modo de inserção na polis, modo de encaminhar a res pública. Dizer que seu papel jamais poderia ser uma interferência na polis seria argumentar o impossível: ele sim, um espiritismo desencarnado. Há de se ver a discussão de um caminho aberto em obra póstuma do próprio Kardeck, passando pelo francês da liberdade, igualdade, fraternidade e do socialismo que argumenta León Denis e a possibilidade de crítica aguçada à estrutura sugerida em Prefácio escrito por Freitas Nobre em 1982 para o texto mencionado de Denis[vii].

           
Essas três forças de contestação tiveram suas próprias trajetórias e passaram diferentemente pelo conjunto das forças políticas, cada qual tomando o rumo na grande negociação que sempre se abre, mas a tentativa sempre foi uma acomodação conservadora, campo que merece uma denso trabalho de investigação, pela importância para o entendimento do encaminhamento da política estadual. 

            Estamos ao chegar no século XX, com Alagoas convivendo com o moderno de muitos serviços e circunstâncias. Mas não havia sido aberta uma categórica mudança no universo senhorial e o espiritismo termina acomodando-se ao modo da sociedade, perde força combativa como se taticamente preferisse – embora impossível – estar mais para si do que para a sociedade. O poder da terra, o privilegiamento do mando a partir da propriedade continua o mesmo, e este descontrole social da desigualdade jamais será ferido no que lemos da época em Alagoas, pela produção espírita. Haverá uma releitura de uma série de fatores, uma ressignificação, mas sempre estará sendo implicada a busca da legitimação.

            Visto internamente para o mundo espírita, talvez essas implicações nem mesmo façam sentido, mas não para uma história que deseje lê-lo criticamente, deixando o aspecto confessional de lado e vendo as implicações culturais. Esse campo teria de vê-lo pelo menos em três ligações e conjuntos próprios de atividade, na medida em que se ampliasse a investigação histórica: um bloco intra espiritismo, um bloco inter espiritismo e um bloco das articulações. Então, ficariam claras as derivações políticas. Mas, que entra como força de contestação do agrarismo, não resta dúvida. Assim, era um fator de modernização ou, talvez melhor dizendo, de atualização da sociedade alagoana.






[i] Lumen. Maceió, 6 jan. 1908, p. 2.

[ii] Idem.

[iii] SANTOS, José Luiz dos. Espiritismo: uma religião Brasileira. Campinas: Editora Átomo, 2004, p. 16.

[iv] FRAUHES, Celso da Costa. O mundo espiritual, Kardeck e Chico Xavier. Digital Books Editora, 2013.

[v] CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O Mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo. Rio de Janeiro: Centro Edelsteins de Pesquisa Social, 2008.

[vi] PRIORI, Mary del. Do outro lado: história do sobrenatural e do espiritismo. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2014.


[vii] NOBRE, Freiras. Prefácio. Acessado em http://www.autoresespiritasclassicos.com/leon%20denis%20livros/Socialismo%20e%20Espiritismo/L%C3%A9on%20Denis%20-%20Socialismo%20e%20Espiritismo.htm.

Ronald Mendonça. ÁGUAS RUBRAS (A HISTÓRIA DE MATILDE)



Este texto foi publicado em Campus/O Dia  

Ronald Mendonça, professor, médico e escritor, membro da Academia Alagoana de Letras.



Dois dedos de prosa
Este é mais um texto que publicamos de Ronald Mendonça, um incansável do Bebedouro, às vezes expressando o cotidiano da área através de ficção. É praticamente como se os acontecimentos fossem escada para o aparecimento do personagem especial que é a cidade e seu bairro. Muito mais do que cenário ou ambientação, o espaço urbano é um  personagem que se adentra no contexto dos argumentos.
Vamos ler e conferir.
 José Ricardo, o filho de um ano e três meses, esvaía-se em diarréia. A febre castigava desde o dia anterior e não havia meio de baixar. De vez em quando vomitava. Estava  encovado.
Inexperiente, primeiro filho, de uma pobreza indescritível, a mãe procurou auxílio na vizinhança, quase tão miserável quanto ela. Nesses tempos de chuva, a flutuante clientela da decadente Rua das Palmeiras, foco da prostituição na Chã de Bebedouro, sumia de vez.
Matilde fez todos os chás  recomendados, até acabar o resumido  estoque de carvão e não viu o filho dar sinais de melhora. Para completar,  o único posto de saúde do bairro estava fechado para reformas. Felizmente, era a madrugada da segunda-feira e ela iria para a “Saúde Pública”,uuu8 na Praça das Graças. Era só a chuva aliviar.
Enquanto aguardava, meditava sobre o seu destino. Não fazia três anos que sua existência  transformara-se naquela desgraceira. Aluna do Asilo Bom Conselho, sua vidinha corria pacata. O pai  era dono de  uma movimentada banca de verduras, perto da estação de Bebedouro e  a mãe acumulava a função de dona de casa com a  de vendedora da barraca. Moravam numa casinha, no Flexal de Baixo, onde levavam uma vida razoável. “Como pobres, nada  falta”, costumava repetir sua mãe.
           Lembranças nostálgicas. Tinha uma recordação muito viva do último Natal antes da tragédia: dançara no pastoril como primeira pastora do cordão azul. Tinha quatorze anos incompletos e fez  sucesso com a rapaziada. Por conta de natural beleza e graça foi a pastora que mais  saiu “em cena”.
Poucos dias depois, o golpe fatal: os pais  seriam esmagados pelo trem,  fato inédito na cidade. Matilde ficou na casa dos vizinhos, seu Joaquim e dona Das Dores. O casal, sem filhos, parecia ter encontrado a companhia ideal. Nos primeiros meses tudo dava a entender que a vida seguiria seu rumo. A adolescente continuou a freqüentar o Bom Conselho pela manhã e à tarde ajudava Das Dores a cuidar da casa.
Um dia, Matilde cismou que seu Joaquim a olhava de modo estranho parecendo querer atravessar  seus vestidos de tecido ralo. Em certos dias chegou a pressentir a presença de alguém a observá-la pelas brechas da rústica porta do banheiro, enquanto se lavava. A coisa foi num crescendo, até que numa noite foi estuprada pelo dono da casa.  A partir daí sua existência virou um inferno.

Literalmente apavorada, deixou-se entregar ao seu estuprador que, sob ameaças, a subjugava. Diante de Das Dores  o amante a maltratava chegando a insinuar que sua presença  estava se tornando pesada. A boa Das Dores ficava horrorizada com a atitude do marido, estranhando que isso partisse de um homem que pertencia à Congregação Mariana, além do fato da falsidade da afirmação. Na verdade,  sua ajuda era tão efetiva que chegaram a dispensar uma antiga empregada doméstica.
A órfã passaria a ter sonhos horríveis. Neles aparecia  afogando-se na lagoa, ainda criança, implorando que seu Joaquim e dona Das Dores a ajudassem, mas eles ficavam indiferentes e apenas sorriam   enquanto ela,  desesperada, sem poder respirar, sentia uma dor aguda no ventre como se um enorme peixe estivesse a mordê-la. Acordava sem fôlego com seu Joaquim a tapar-lhe a boca e a penetrá-la. Um sofrimento que odiava relembrar.
Matilde avaliou que poderia ser de três para quatro horas da manhã. A chuva havia passado. O filho parara de choramingar, respirava rápido, estava com o corpo meio frio. Não queria nem pensar em ficar sem o seu filhinho, a única coisa boa que restava de sua vida. O filho, segundo ela própria, era sua única riqueza. O melhor era se apressar. Apanhou a mamadeira com água fervida, recobriu o pequeno moribundo  e partiu para a rua. Queria chegar cedo na “Saúde Pública” e sabia que teria muito chão até lá.
Desceu cuidadosamente a ladeira da Chã de Bebedouro.  A chuva deixara o velho  e gasto calçamento ainda mais escorregadio. Quando chegou nas imediações da estação ferroviária parou para descansar. Aquele ambiente era cheio de fortes lembranças. Fora ali que passara boa parte da sua infância tão recente e  ao mesmo tempo tão distante. Não tinha ainda dezessete anos e já havia provado do pão que o diabo amassou.
Como num filme de terror lembrou-se,  com uma ponta de felicidade,  da noite em que envenenou o seu Joaquim com  o formicida que dona Das Dores usava no jardim. O brutamontes, depois de se saciar no seu corpo, tinha o hábito de espichar-se na sua estreita cama e beber de um só gole um copo de água. No início ele mesmo  o levava, depois passou a exigir que ela deixasse o copo, já cheio,  debaixo da cama. Nessa noite,   Joaquim sorveu de um só gole um volume de veneno que mataria um batalhão. O mal estar foi imediato. Pulou da cama e arrastou-se arquejando para o seu quarto.  Um escândalo sem precedentes na pequena comunidade.
Quem imaginaria que o seu Joaquim, tão católico, tivesse um comportamento daqueles. Pobre Das Dores,  com aquela menina com cara de santa dentro de casa... Quem poderia adivinhar  misérias assim? O mundo estava mesmo perdido...
Matilde foi parar num reformatório para menores.  Tornou-se o “prato do dia” dos monitores  que usaram e abusaram da adolescente. Por qualquer motivo a castigavam isolando-a numa cela escura e a passagem para a liberdade era o seu corpo .
Após adquirir uma espécie de liberdade condicional, um órgão encarregado de cuidar de menores tentou, sem sucesso, colocar a jovem  numa casa de família. Nessa altura, já não existia mais aquela garotinha ingênua. O sofrimento calejara sua alma.
  
Desadaptada para uma convivência convencional, Matilde foi impelida à prostituição. Primeiro fez ponto na rua do Comércio, esquina com a Dois de Dezembro. Jaraguá viria depois.
Um dia, foi apresentada a um sujeito alto e moreno chamado Benedito Mossoró. De fala mansa, seu Biu,  como era conhecido o famoso gigolô, farejando que a menina tinha “futuro” comprou remédios para curar as doenças venéreas adquiridas no reformatório.
Em Jaraguá, Matilde arrasou.  De olho nos negócios, seu Biu a introduziu nas rodas dos seus clientes mais importantes. Eram, na sua maioria, desembargadores, políticos, “socialistas de caviar”, empresários da cana de açúcar, profissionais liberais e grandes comerciantes. Houve até um senador que ficou babando por ela e, querendo exclusividade, propôs levá-la para uma das suas fazendas no interior. O homem bebia excessivamente e era quase impotente. Tossia muito e tinha mau hálito. Matilde recusou a proposta “por nojo”, como ela explicou às colegas.
Seria compelida a aprender a dançar. No salão principal, havia uma caixa eletrônica com os sucessos de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Dalva, dentre outros. Para ouvir, era só botar uma moeda e apertar na música desejada Suas colegas seriam suas mestras no tango, nos foxtrotes e, sobretudo, nos boleros.
Dançarinos famosos e outros nem tanto frequentavam Jaraguá apenas para dançar. Alguns, depois dos rodopios, colocavam sob seu decote, nem sempre de forma discreta, o valor correspondente ao michê.  Profissional meticuloso, atento a tudo, Mossoró não dispensava seu percentual sobre qualquer  apurado. No entanto, movido por singular afeição pelo cantor caribenho Bienvenido Granda, o velho cafetão derretia-se  quando algum  cliente apertava no botão das músicas do “Bigode Cantante”. Estava garantido um desconto nas bebidas e tira-gostos.
Embora de passagem, conheceu pessoas que “valeram a pena”. Matilde ficaria perdidamente apaixonada  por um jovem estudante da Escola Militar, em férias na casa dos pais. Gostou do seu apelido, mas gostou muito mais dos ensinamentos da arte de fazer amor, ofício que o garboso cadete dedicava-se com   insuperável aplicação. Nunca as  férias passaram tão rápidas. As expectativas da separação inundaram de tristezas as almas dos jovens amantes.  O futuro oficial adiou esse momento o quanto pôde. A   pungente despedida foi regada a muitas lágrimas e gemidos, não faltando eternas juras de amor e fidelidade. Amanheceram o dia abraçadinhos, despidos, nas amornadas areias da praia da Avenida da Paz.
Mas, na maioria das vezes tratava-se de um bando de homens nojentos, ávidos, inescrupulosos e tarados. Temia a insubmissão para não perder o abrigo. Recordou-se de um construtor muito rico que só conseguia ereção se ela defecasse em sua barriga de batráquio. Um outro, queria fazer suruba junto com outro homem... Um usineiro pagava para presenciar relação com outra mulher enquanto ele  se masturbava. Matilde não achava tão ruim ser acariciada por outra mulher...
 Deixaria de ter ressaca moral. Pouco a pouco, foi aumentando o consumo de bebidas alcoólicas.  Descobriu drogas estimulantes que a mantinham acordada, ao mesmo tempo em que davam mais resistência ao álcool. Detestava viver ali. Após alguns meses,  ao entardecer, sentia o corpo quente e uma grande moleza. A morna brisa vinda da  praia era gelo. Tomava uma aspirina, alguns comprimidos do estimulante e se sentia melhor.

Nesse instante, retornou à realidade e percebeu que a chuva voltara a castigar. Abrigou-se na marquise do bar Ponto Final, em frente à Praça Bonifácio Silveira, avistando ao fundo a matriz de Santo Antonio. O Ponto Final era frequentado por homens. Seu pai a advertira: “quando voltar do Bom Conselho, jamais passe naquela calçada”.
 Estava ofegante. O filho soltou um gemido mais alto e Matilde ofereceu-lhe o seio murcho que o menino agarrou sofregamente. 
          Ninguém nas ruas. Sozinha com os seus pensamentos, voltou a lembrar-se do ano em que dançara no pastoril do padre Raimundo. Mas, a sua mente machucada não permitia ter alguma lembrança mais demorada daquela época  feliz.
Olhou para a Igreja e  mais uma vez indagou-se o porquê de Deus ter feito tudo aquilo com ela. Que maldade teria ela cometido para merecer destino  tão ordinário? Recordou-se que o frei Raimundo fora visitá-la no Reformatório e lhe dissera que Deus escreve certo por linhas tortas, que não tentasse compreendê-Lo pois Ele era o Senhor de todas as coisas, era  bom e justo e sabia exatamente o que estava fazendo. Finalmente, que ela deveria rezar bastante, arrepender-se de suas faltas, para que Ele tivesse compaixão da sua alma envenenada pelo pecado, abrigo do Satanás.
A chuva novamente parou e Matilde retomou a caminhada e às suas lembranças.
Foi numa noite de  sábado. Estava numa mesa da boite, em Jaraguá, fazendo companhia a uns malcheirosos marinheiros espanhóis, quando percebeu um rapaz  a olhá-la com insistência. Não parava de lhe fazer sinais.  Sentindo-se atraída e curiosa, desvencilhou-se dos rudes marujos indo sentar-se à mesa do desconhecido.
         
Chamava-se Remígio e estava ali porque brigara com a namorada e. meio desesperado, não tinha para onde ir.  O papo duraria a noite toda. Ao contrário do que fazia com outros clientes, ela abriu o coração e narrou, sem retoques, os fatos mais marcantes da sua vida. Ele também não fez por menos. Disse-lhe estar no quinto ano de medicina. Contou que não tinha pai e que vivia com a mãe e mais quatro irmãos. A mãe era professora do Colégio Estadual.  Moravam no Prado, perto do cemitério velho. Meio envergonhada, ela confessou que o maior sonho da sua vida era ser médica e, rindo com malícia, lembrou os tempos de criança quando brincava de médica com um menino saliente que morava próximo da sua casa. Chegaria até a corar um pouco.
Pareciam  adolescentes jogando conversa fora. Naquele momento veio-lhe a lembrança de que nunca havia namorado de verdade, como as moças da sua idade. Nessa noite não falaram em sexo, mesmo porque o rapaz  não demonstrou  o menor interesse. Apenas acariciou-lhe as mãos e a beijou nos lábios um beijo longo e doce que reacendeu a mortificada alma.  De repente, o convite que a deixaria definitivamente   apaixonada: “Que tal ir à praia de manhã “?
          Encontraram-se no coreto da Avenida da Paz. Ficaram na areia conversando, de vez em quando um banho para refrescar. Ele voltou a falar do seu namoro.  A namorada de tantos anos confessara-lhe assumida paixão por outro e dera o quase noivado por terminado.
Lá pelas duas  da tarde foram para a Sorveteria Sorriso, na Praça Sinimbu,  onde tomaram sorvetes até não poder mais. Antes, deram uma esticada até a esquina do arcebispado para experimentar um ponche de maracujá. Remígio era freguês de carteirinha desse ponche.
 Há muito tempo Matilde não fazia um programa que não envolvesse álcool. As vezes que tinha sido convidada para sair com algum homem era para fazer bacanal ou ir a algum bar mal afamado. Estava simplesmente deslumbrada.
A jornada pela Avenida Hermes da Fonseca, na Cambona, estava lhe tirando o fôlego. A chuva cessara definitivamente e agora um vento sul  lhe triturava os ossos. As pernas ameaçaram fraquejar. Sentiu seu filho muito quieto, cuja presença era notada apenas pelo bico do peito doído, preso na boca da criança. Quem sabe, dentro de alguns poucos dias, se Deus quisesse, estaria recuperado.
O romance com Remígio duraria  alguns meses. No início, chegaram a viajar juntos até Recife, de trem. A cansativa viagem de doze horas pareceu-lhe curta e o desconfortável trem um paraíso. Seus olhos sonhadores deliciaram-se com as verdejantes plantações de cana de açúcar. Cochilou  tranqüila nos ombros do seu amado. Hoje seria capaz de  nomear as inúmeras estações até chegar à capital pernambucana.
Voltara a ser tratada como gente. Na capital pernambucana ficaria hospedada no Hotel Guararapes. Sentiu-se uma princesa quando a refeição foi levada para o quarto. Passeou de mãos dadas pelas ruas de Apipucos. Ficaria abestalhada com a escada rolante da loja Viana Leal, uma novidade até para os pernambucanos. Decepcionou-se com Boa Viajem. Sem comparação com a praia da Avenida. Almoçaria uma bela feijoada no “Buraco da Otília”, na beira do Capibaribe.  Sua despedida desse inesquecível périplo foi num jantar à luz de velas no célebre Restaurante  Leite. Remígio explicava tudo. De tanto ouvir falar, tornou-se íntima de Maurício de Nassau e de Joaquim Nabuco, dos mascates e dos emboabas.

Quando Matilde contou a Remígio que estava grávida, o rapaz passou mal. Logo se refez e pensou que era alguma brincadeira sem graça. Depois achou  que havia sido sacaneado, para finalmente  chegar a conclusão de que era impossível saber-se quem era o pai, pelos óbvios motivos. Propôs-lhe abortar. Deixasse com ele que tudo seria arranjado. Irada, Matilde xingou-o com todo o seu vocabulário de prostituta. Foram aos socos e pontapés. Por um triz a coisa não terminou na delegacia.
O rompimento catastrófico não fez a jovem desistir. Procurou o ex-namorado várias vezes em sua casa e na Santa Casa de Misericórdia, onde o rapaz estudava. Certo dia em que bebeu além dos limites, chegou a ir à casa da “outra”, cujo namoro havia sido reatado, justo na noite da festa de noivado do seu “ex”.  Matilde tomara conhecimento do fato através de uma colega de trabalho que tinha ares de intelectual e que lera a notícia na coluna do cronista social Ícaro, do jornal Gazeta de Alagoas. Foi outro vexame.
Com a viagem de Remígio para Salvador onde,  depois de graduado, faria um curso de especialização, Matilde resignou-se mais uma vez. Emagrecida, com uma enorme e pouco atrativa barriga, a clientela  diferenciada bateu em retirada. Voltou à degradação das ruas, terminando em Bebedouro,  na miserável Rua das Palmeiras.  Ali pelo menos tinha um teto.
O raquítico José Ricardo nasceria na Maternidade Sampaio Marques. Mas o que chamou mesmo a atenção dos médicos foi o deplorável estado físico da mãe. Daí para o diagnóstico de uma forma avançada de tuberculose foi um nada. Estava explicada a febre diária de Matilde
Agora quase amanhecia. Na Praça dos Martírios, os esguichos da Fonte Luminosa, recentemente inaugurada, realizavam graciosas evoluções multicoloridas sob o  compasso de uma valsa de Strauss.
Arquejante, Matilde sentou-se na beira da fonte, colocando os pés na água fria, depois de acomodar o filho imóvel  ao seu lado. A febre alta entorpecia-lhe os sentidos. Viu-se criança tomando banho na lagoa, escondendo-se debaixo da ponte de Bebedouro. Ouviu a voz da  mãe a chamá-la, “Matilde, Matilde, saia já daí, menina danada”! Prestou mais atenção: agora era a voz suave de Remígio insistindo para um mergulho e uns amassos no mar da Avenida.
Sentia um calor sufocante. Sem ar, com a garganta seca, não resistiu e bebeu daquela água. Ficou mais confusa ao sentir que a água não era salgada. Esboçou um sorriso sem saber de quê, que aos poucos virou gargalhada.  Despiu-se  enquanto cantava “boa noite meus senhores todos”,   mergulhando fundo na fonte. Nesse momento, um acesso de tosse impeliu-a à superfície. Sufocada, tentava respirar, mas de sua boca só saíam   golfadas  de sangue. Estava morrendo.
          Num derradeiro instinto de amparo maternal,  Matilde agarrou o  filho já sem vida e o levou consigo para o último mergulho nas, agora,  rubras águas da Praça dos Martírios.