Translation

terça-feira, 31 de outubro de 2017

A viagem: um alagoano em Cuba e seu livro


Dois dedos de prosa

                


Acredito que este seja o primeiro livro escrito sobre Cuba e publicado em Alagoas. As nossas ligações com Cuba foram realizadas pelo saudoso amigo Freitas Neto. Agora surge este texto com um excelente relato de viagem e escrita de impressões. Com esta publicação, Campus  indica a leitura: o texto concatenado, bem escrito e a temática interessa a todos os que lidam com a questão política.
         O livro pode ser adquirido na Editora Graciliano Ramos. Independendo do que você pensa, o livro deve ser lido.
          Um abraço

          Sávio de Almeida

Marcos Antônio Damasceno, nascido em  Santana do Ipanema, graduado e pós-graduado em geografia pela UFAL. 



A RAZÃO PORQUE ESCREVI O LIVRO
Marcos Antônio Damasceno


Essa obra nasceu da determinação de mostrar uma outra visão, de dar um outro olhar para a questão cubana. Surgiu como um contraponto necessário à imagem hegemônica criada a partir dos interesses do estado estadunidense, e repetido sistematicamente ao longo das décadas pela mídia empresarial aqui no Brasil, bem como em boa parte do mundo. O livro tem por objetivo apresentar uma Cuba que é completamente ignorada ou distorcida pela dita ‘grande’ mídia, e que ao exercer praticamente o monopólio da informação, contribui para criar uma imagem arquetípica da sociedade cubana, do seu processo revolucionário, do seu regime político e do seu sistema econômico e social.

Não se trata de cair no esquerdismo infantil de afirmar que se trata de um ‘paraíso na Terra’, tampouco se trata de atacar a única revolução social de fato vitoriosa nesse hemisfério. Se trata, de transmitir as experiências que vivi na ilha durante as minhas estadias nos diversos períodos cobertos entre os anos de 2006, 2010 e 2013. A obra também está fundamentada em uma vasta bibliografia que faz parte das minhas pesquisas a respeito de Cuba, no livro cito algumas obras, bem como documentários de vários países. O livro é o resultado do edital da imprensa oficial para produção literária de 2016, foi selecionado entre as quinze obras que participaram da seleção que contou com quase cem obras.

Na Praça com Fidel
Marco Antônio Damasceno

         
Para mim, o primeiro de maio de 2006 foi um momento inesquecível, pois não é todo dia que a gente encontra numa praça uma das maiores figuras históricas do século XX, alguém que esteve no ‘olho do furacão’ dos principais acontecimentos geopolíticos.
          A uma distância de 50 metros, na tribuna discursava o velho amigo de Ernesto Guevara, mais conhecido como ‘Che’, o líder da guerrilha de Sierra Maestra, o homem que conduziu seu povo a escrever uma nova página na história, o fiel seguidor dos ideais de José Martí.
          Foi impressionante estar no meio de uma multidão estimada em meio milhão de pessoas, e de vez em quando vinha um som que ia num crescendo, que ia ficando mais forte até se transformar em um ‘Fidel! Fidel! Fidel!’. Eram os jovens a cantar em uníssono uma melodia para um senhor octagenário, que apesar de incontáveis tentativas da CIA e dos grupos terrorista ligados ao ditador Fulgencio Batista, sobrevivera e estava ali diante do seu povo e dos amigos de Cuba. Segundo O documentarista Dolla Cannell no célebre 638 ways to kill Castro, de 2006, foram exatamente 638 tentativas de magnicídios,

Fidel falou de muitos temas durante as duas horas que permaneci na ‘Plaza de La Revolucion’, desde, a necessidade de uma maior eficiência do estado cubano na prestação dos serviços essenciais ao povo, até uma avaliação da conjuntura internacional. Era o ano 47 do triunfo revolucionário. Na tribuna não havia cobertura para nenhuma das personalidades presentes, não havia proteção alguma contra os raios solares, todos, sem exceção estavam expostos ao sol. O Estado maior das Forças Armadas Revolucionárias, ministros e ele também! [...]


Naquele instante não me dei conta que estava presenciando um dos legados da revolução, que é o de, ou se tem para todos ou não se tem pra ninguém.
Havia muitas e muitas bandeiras de praticamente todos os países latino-americanos, vi uma imensa bandeira com o mapa da América do Sul e no seu centro a foto do Che eternizada pela lente de Alberto Koda. Havia praticamente bandeiras de toda a América. México, Argentina, Brasil, Nicarágua, Canadá, Venezuela entre outras nações, estavam ali representadas, era uma grande confraternização internacional.

          Vi o velho líder ser ovacionado inúmeras vezes, vi e também bati palmas junto com aquela massa. Famoso pelos longos discursos, Fidel tem a facilidade de falar em público, fato reconhecido até pelos seus detratores. Sua voz não é uma voz forte, grave. Na verdade sua voz é um pouco aguda. Por duas horas de uma manhã ensolarada e com um céu de brigadeiro, Fidel tinha o domínio completo sobre os temas que expunha. Dono de uma memória privilegiada, o que provocara uma espécie de “hipnose coletiva”, todos, de crianças a idosos, dos jovens às pessoas de ‘meia idade’, prestavam atenção a cada índice, a cada estatística, a cada informação comentada. De vez em quando ele se virava para algum ministro e pedia explicações sobre o porquê de certas deficiências ou por que determinado planejamento estatal não fora cumprido.

          Fiquei pensando numa passagem do livro do mexicano Paco Ignácio Taibo II a respeito da noite em que Che o conheceu na casa de Maria Antonia, exilada cubana que vivia no México, no já distante julho de 1955, que o Che escreveu em seu diário: ‘Fiquei fascinado, de imediato me tornei um expedicionário, Fidel não mandava que invadissem Cuba, ele próprio estava è frente. Foi o primeiro líder que estava disposto a pegar em armas para lutar pelo seu povo. Valeria à pena lutar ao seu lado’. Foi esse jovem de 80 anos que vi na praça da Revolução discursando para uma plateia atenta. Porque isso é uma outra característica do comandante chefe da Revolução Cubana, os anos passam, os cabelos ficam brancos, a pele enruga, mas o espírito de Fidel permanece firme.

          Muitas coisas são escritas e ditas a respeito do comandante da Revolução cubana, raramente o que se publica na dita grande mídia dos países capitalistas, se aproxima do que a maioria do povo cubano sente pelo seu líder. O sociólogo Thetônio dos Santos conta um caso que presenciou em uma de suas visitas a Cuba:
Recordo-me de um carregador de malas no aeroporto de Havana que, nos anos oitenta, insistia em provar-me que Fidel era o maior líder de toda a história. Citava Lênin, Stálin, Roosevelt, Mitterrand, vários outros que conhecia e havia estudado. Fidel ganhava de todos, por seu profundo contato com o povo, pela dimensão do que representava uma pequena ilha como Cuba, ao desafiar o maior poder no mundo [...] No entanto, em grande parte do mundo ocidental, vê-se na mídia uma imagem totalmente distinta de Fidel. Sempre ameaçador, sempre delirante [...] sempre disposto a manter-se no poder sem limites. Quantas coisas terríveis lhe são atribuídas!

Pátria é humanidade!

Uma das principais características do socialismo cubano, é a solidariedade que a maior ilha do caribe pratica em países devastados por guerras civis, abalados por catástrofes naturais como terremotos e tsunamis ou em consequência da pobreza extrema existentes em países da África subsaariana, da Ásia ou da América Central.

Desde os primeiros anos da revolução, Cuba tem mostrado uma solidariedade e um compromisso com os povos humildes da Terra. Assim foi em 1963, quando a Argélia precisou de sua ajuda para consolidar o seu processo de descolonização da França. O próprio Che Guevara foi dar apoio e treinar o congo belga em 1965 contra os mercenários que tinham assassinado o presidente Patrice Lumumba e colocado um déspota no poder, o qual instalou uma das mais cruéis ditaduras pró-ocidente, se mantendo no poder através de um regime extremamente corrupto. Quando finalmente Mobuto foi destituído do poder, levou consigo milhões de dólares roubados da pobre nação africana.

Na época se divulgava na mídia ocidental, que Cuba era um satélite de Moscou, e que de tal forma, teria perdido a sua autonomia e renunciado à sua soberania. A ajuda ao país africano, demonstrou o quanto o ocidente estava equivocado, visto que O Estado-maior cubano não consultou Moscou para poder atender ao pedido do amigo, poeta/presidente angolano sobre a decisão de ajudar os angolanos. De acordo com os princípios revolucionário forjados no calor dos combates em Sierra Maestra, Fidel, Raúl e Che, não aceitariam que a U.R.S.S. interferisse na soberania do país.

Fidel em discurso na assembleia geral da O.N.U. enfatizou o fato de que Cuba era parceira da União Soviética, mas isso não significava transformá-la em um satélite no jogo da Guerra Fria, como muitos gostavam de afirmar naquele período.

Isso ficou muito bem claro quando em meados dos anos 70, a ex-colônia portuguesa de Angola, sob a presidência do poeta Agostinho Neto solicitou ajuda a Fidel e sua revolução. O antigo império português ruía, perdia suas últimas colônias africanas, Angola e Moçambique conseguiam através de seus movimentos de libertação depois de muitos anos de luta, a tão desejada independência. Portugal vivia o período conhecido como a Revolução dos Cravos, quando em 1974 militares com experiência nas colônias africanas se rebelaram contra a ditadura de Marcelo Caetano, pondo fim ao regime Salazarista, regime de cunho fascista aliado de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial.

A ilha assumiu todos os custos políticos, militares e econômicos na ajuda africana, o internacionalismo falava mais alto e a ilha se sentia no dever de ajudar onde quer que fosse preciso. Argélia, Etiópia, Vietnã, Moçambique, Nicarágua se precisassem dos cubanos, ali eles estariam seguindo o legado de Martí e do Che.

Ainda durante esta segunda viagem à Cuba, conheci Luiz Caballero. Major reformado das forças armadas revolucionárias cubanas, lutou durante vinte e dois meses no sudoeste africano, fez parte da operação militar que enfrentou e impôs pesadas baixas ao odioso exército sul-africano. Luiz é o que na ilha se chama de internacionalista.


Ele me contou que o estado maior cubano elaborou a operação militar para proteger Angola, tendo Raúl Castro como comandante das forças armadas naquele período, os cubanos batizaram a missão militar de: Operação Carlota. A finalidade foi a de rechaçar as agressões da força invasoras, e assim libertar Angola e Namíbia. O nome da operação era uma homenagem a uma ex-escrava cubana que ajudou muitos escravos conseguirem fugir do cativeiro.
O ano 1998 foi trágico para os países da América central em virtude dos furacões George e Mitch que ocasionaram mais de 10 mil mortos e desaparecidos além de estragos provocados na infraestrutura dos países resultando em milhares de desabrigados.

O governo cubano enviou uma equipe de médicos e demais profissionais de saúde para prestar os primeiros atendimentos às vítimas, a situação da Nicarágua era particularmente trágica, pois o país tinha vivido décadas de luta contra a ditadura dos Somozas, e quando a revolução sandinista triunfa e tenta criar um novo país, passa a enfrentar uma duríssima guerra civil patrocinada pela Casa Branca, ocupada na época por Ronald Reagan. 
Reagan cria uma rede clandestina para abastecer os chamados ‘Contras’, enviando armas, dinheiro e treinando-os em Honduras.

Da dolorosa experiência nicaraguense, Fidel teve a ideia que iria reforçar o sentido da colaboração cubana com o mundo subdesenvolvido: criar uma universidade que iria formar médicos e demais profissionais da educação voltada para a população dessa parte do mundo, ao invés de enviar somente os seus próprios médicos. No dia 15 de novembro de 1999 foi criada a ELAM –Escola Latino América de Medicina.

A ELAM matricula 1500 estudantes de mais de 55 nacionalidades, incluindo a estadunidense. A maioria dos estudantes são filhos de camponeses e operários, são filhos do povo humilde que em seus países enfrentam muitos obstáculos para entrar na universidade. Recebem aulas de espanhol, livros, uma remuneração em forma de bolsa de estudos, alimentação e acomodação durante o tempo de sua formação acadêmica na ilha.

O sucesso científico de Cuba incomoda os grandes laboratórios químicos do mundo, localizados principalmente nos Estados Unidos e na Europa .  É um fato notável que um país pobre, sem acesso ao sistema financeiro internacional, possa apresentar ao mundo resultados espetaculares no desenvolvimento de fármacos, além de demonstrar a existência de outros paradigmas na área de saúde. A medicina preventiva ameaça os lucros exorbitantes dessa indústria que não está necessariamente preocupada em encontrar a cura para tantos males que afligem as pessoas. Manter os doentes na dependência de sua química tem se mostrado um excelente negócio para as grandes corporações do setor.

Em 1986 o mundo ficou chocado com o acidente nuclear de Chernobyl nas proximidades de Kiev, capital da Ucrânia, então uma república da União Soviética. Foi o pior acidente nuclear até então, sendo talvez superado pelo de Fukushima no Japão em virtude da onda gigantesca de atingiu a usina em 2011. Segundo cálculos oficiais, na Ucrânia, a radioatividade afetou, de uma ou de outra maneira, 2,6 milhões de habitantes, incluindo 600.000 mil crianças.

Em 1990, Cuba pôs em marcha um projeto de assistência médica que beneficiou, até agora, vinte mil crianças afetadas pelo desastre, originárias da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia, as zonas mais afetadas.
Eduardo Galeano costumava dizer que há um silêncio profundo a respeito dos acertos e das vitórias cubanas, já quanto aos erros e equívocos, costuma-se usar uma lupa para ampliar a dimensão do que ocorre na ilha.
O Brasil também recebe a solidariedade cubana. No ano de 1987 em Goiânia aconteceu o pior acidente envolvendo energia nuclear em nosso país. Como em diversos setores da vida brasileira, nós só nos damos conta da falta de planejamento ou ineficiência das coisas quando o estrago já está feito.

Muitas das vítimas do acidente com o Césio 137 também foram levadas para serem tratadas na ilha. A Doutora Maria Paula Curado, é natural de Goiânia e formou-se em Medicina na Universidade Federal de Goiás (UFG). Fez residência em Oncologia no estado de São Paulo e estagiou nos Estados Unidos e na Europa, ela ajudou na triagem das vítimas que foram levadas para Cuba, testemunha a solidariedade cubana com o drama de Goiânia: ‘Vieram médicos de Cuba e nós, em conjunto com a associação das vítimas, selecionamos um grupo, era uma tentativa de validar ou não o trabalho que estávamos fazendo aqui. Foi uma tentativa boa no sentido de ter uma avaliação externa, porque era importante naquele momento.’

No ano de 2012, governo brasileiro assinou um acordo com o estado cubano para a contratação de 4.000 médicos para auxiliar os colegas brasileiros no SUS. Os profissionais cubanos prestam atendimento inicial, diagnosticando os casos, e encaminhando para que haja o tratamento da enfermidade. Eles vêm em missão internacionalista, atuam onde antes não havia médicos brasileiros. segundo o Mistério da Saúde, existia no Brasil mais de 1.500 municípios sem um único médico para prestar os serviços mais básicos e elementares à população. Em certas localidades da região Norte, o único médico é um veterinário. As entidades classistas como os Conselhos Regionais de Medicina e a Federação Nacional de Medicina tem se posicionado claramente contrárias ao programa federal chamado de ‘Mais Médicos’. O que não deixa de ser contraditório, uma vez que o programa foi criado inicialmente para os médicos nativos, mas dada a pouca procura ou desinteresse, o governo federal convidou médicos de outras nacionalidades.  Ocorre que queiram ou não os detratores do regime cubano, a realidade comprovada pela própria Organização Mundial de Saúde, ou mesmo de políticos insuspeitos, como o prefeito de Nova Iorque, é que Cuba é uma referência internacional quando se trata de medicina preventiva. O número de médicos cubanos contratados pelo programa, atingiu a casa dos sete mil em 2014, e a população antes esquecida, agradece saudavelmente.

Os médicos, os professores e preparadores de educação física da ilha rebelde estão presentes em mais de 70 nações, a maioria delas na África, Ásia Central e América Latina. Como acontece atualmente com as missões voltadas para erradicar o analfabetismo, as cirurgias de catarata na Venezuela, Bolívia ou Equador.

A Unesco declarou em 2005 a Venezuela livre do analfabetismo por causa do método SI YO PUEDO! Milhares de venezuelanos voltaram a enxergar graças ao programa MILAGRO, esse mesmo programa foi levado à Bolívia de Evo Morales, e foi o responsável por devolver a visão de milhares de pessoas, incluindo a do próprio assassino do Che.

Os olhos do homem que disparou a bala que matou Che Guevara foram, quarenta anos depois, curados por médicos cubanos. Recorrer à "Operação Milagre", programa dirigido por Cuba e que presta serviços oftalmológicos por toda a América Latina, foi a solução encontrada por Mario Terán, ex. sargento do Exército boliviano, para resolver os problemas de cataratas que lhe toldavam a vista.

A moral revolucionária defendida por José Martí e pelos barbudos de Sierra Maestra entende que ‘Pátria é humanidade!’



sábado, 28 de outubro de 2017

O Polo industrial

32: Pesquisa: Imagem e cotidiano: Polo Industrial: Alagoas:Brasil

Este é mais um componente do  Banco de Imagem mantido pelo blog. A razão é subsidiar  pesquisas que venham a ser desenvolvidas, fornecendo uma visão atual para comparação. Trata-se de registro realizado  em 27 de outubro de 2017. Faça um bom proveito. O que deve ter acontecido com este polo? Somente vc saberá. Suponho que va está perto do fim do século.










quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Élcio Verçosa: um grande mestre e educador





Dois dedos de prosa


               Esta é uma homenagem realizada por Campus, a um dos mais importantes intelectuais alagoanos: Professor Dr. Élcio Verçosa. Neste segundo volume dedicado ao Élcio, contamos com textos que abordam sua atuação na Universidade Federal de Alagoas, o sentido da sua produção intelectual e os laços de amizade.

               Este número de Campus/O Dia é composto tanto com artigos inéditos de Fátima Albuquerque, Izabel Brandão e Graça Marinho, quanto pela republicação do prefácio escrito por Cícero Péricles de Carvalho para a quarta edição do livro “Cultura e Educação nas Alagoas”, em 2006.

               Agradecemos a todos os colaboradores deste número, em especial aos autores dos textos.

Boa leitura!

Um abraço,

Sávio Almeida

 Um companheiro da esperança


Meu caro Élcio Verçosa


Como vai?

Vamos indo, né? Você merece um grande abraço de todos nós, os alagoanos. Sonhei que Alagoas começou a tremer e um povo se levantou em todos os lugares e veio caminhando em sua direção: eram os semtudo, aqueles que tinham fome e sede de justiça, no dizer evangélico.

Era uma marcha no tempo e, nela,  ancoraram em você que cimentou, com suas palavras e ações, um caminho para eles, batalhando e discutindo a educação, em busca, inclusive, de um sentido para as Alagoas. A palavra de ordem gritada era muito simples: “Obrigado Élcio Verçosa”. E num de repente, como se fosse milagre, das mãos pesadas nasceram bandeiras que se agitaram enquanto andavam. As palavras que gritavam misturaram-se com o tempo e jamais poderiam ser apagadas.

É que todos se renovaram no encontro que tiveram com você, a quem todos reconhecem como um grande companheiro de  esperança.

O recado que me deixaram para dar foi simples: Obrigado cara!

E eu o repito, dando-lhe um belo abraço. Você me faz renovar certezas e sonhos.

Sávio.

Educação e liberdade

Graça Marinho

“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História.”

Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia.



Este texto, diga-se inicialmente, não é somente meu. Ele é uma sinfonia polifônica de vozes que me vêm à memória, no momento de falar do nosso grande companheiro de trabalho Élcio Verçosa. Vozes que se juntaram para construir uma história, que já perdura por algumas décadas e que conheceram, sob sua liderança, momentos dos mais significativos.  

Nos meados dos anos 90 eu chegava à UFAL para ser professora do Centro de Educação, vinda de uma experiência vivida na rede estadual de educação e Élcio chegava de um período em que havia se dedicado ao doutorado na Universidade de São Paulo. Causou-me admiração, logo nas primeiras conversas, sua índole acolhedora, sua inteligência privilegiada, o brilho pessoal, a disposição para agregar. Chegou derrubando barreiras, mostrando a necessidade de abrirmos um grande diálogo para enfrentarmos as instigações que viriam, num contexto político que se mostrava particularmente desafiador, especialmente no Estado de Alagoas.

Nesse contexto, Élcio assume, pela segunda vez, por eleição direta, a direção do Centro de Educação, dando continuidade ao processo de consolidação da unidade acadêmica que despontava como uma das mais importantes da nossa universidade, pelo papel a ela destinado, qual seja, o de contribuir com a educação de nosso estado, especificamente no que concerne à formação de professores.

O Censo do Professor publicado pelo MEC em 1997 confirmava a ainda insuficiente qualificação do professor do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Alagoas, tendo em vista que dos 9.773professores em exercício apenas 303 possuíam formação em nível superior. Esse e outros dados da nossa realidade educacional impulsionaram aos que faziam o CEDU, sob a batuta do nosso diretor e líder Élcio Verçosa a buscar formas de atuação no sentido de contribuir para minorar a gravidade desse quadro. Destaco aqui duas ações que considero fundantes de um movimento que ali nasceu e que ainda reverbera, não somente nos dados estatísticos, mas também na memória de quem viveu essas experiências: a oferta de curso de Pedagogia para professores das redes municipais de Alagoas. O primeiro curso foi planejado e executado, na modalidade presencial, para professores da rede municipal de nossa capital (1996-1999). Para a sua implantação foi celebrado um convênio entre a UFAL e o Município de Maceió, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e resultou na formação de aproximadamente, uma centena de graduados em Pedagogia. Novas demandas, entretanto, chegavam ao CEDU por meio do Programa de Assessoramento Técnico-Pedagógico aos Municípios Alagoanos (PROMUAL) que se desenvolvia, com sucesso, graças ao esforço de uma equipe de professores do CEDU. Para além de todas as demandas, a que mais tocava de perto nosso inquieto diretor era a necessidade de continuar investindo na qualificação dos professores da rede pública municipal. Assim, o CEDU decidiu pela implantação do Curso de Pedagogia na modalidade de educação a distância. O Curso teve início em setembro de 1998, após um período destinado a sua concepção, elaboração do projeto e aprovação nas instâncias da instituição. Esse curso representou, de fato, a primeira tentativa da utilização das metodologias de educação a distância para a formação em nível superior, onde o CEDU foi integralmente responsável tanto pelo planejamento, quanto pela execução das atividades didático-pedagógicas e administrativas, contando com o apoio do Núcleo de Educação a Distância - NEAD. Vale ressaltar o papel relevante de Élcio, nosso diretor, como líder de um grupo fundador, ao defender e buscar aprovação, nas instâncias de decisões administrativas e acadêmicas da UFAL e do próprio CEDU, de um curso de numa modalidade que carecia de legitimidade e apoio institucional.  A implantação do curso nos inseriu no grupo pioneiro de universidades públicas federais que, na década de 1990, investiu na formação de professores utilizando metodologias de educação a distância. Com a responsabilidade advinda do fato de ser, à época, a única universidade pública de Alagoas, o CEDU, no cumprimento da importante função social de construir e socializar conhecimentos teve, e ainda tem, na educação a distância uma forma legítima de prover a sociedade alagoana desses conhecimentos, especificamente os professores da rede pública, a quem, historicamente, haviam sido negados.

Por volta dos anos 2000, outros desafios nos são postos frente à reformulação do Curso de Pedagogia, em atendimento às novas diretrizes que se anunciavam. Lá vamos nós, novamente liderados por Élcio, mais uma vez na lide de gestor sempre aberto ao diálogo, reescrever um projeto construído coletivamente, em intermináveis reuniões em que os confrontos de ideias foram pacientemente mediados.

O CEDU havia crescido e agora novas ideias, novos grupos, novos núcleos de pesquisa e extensão exigiam um esforço para que fossem contemplados e consonantes na sua estrutura organizacional e, consequentemente, no novo curso a ser construído que, mais uma vez, olhou de frente para os problemas educacionais e sociais do Estado de Alagoas. Consta registrado no texto do projeto que “Sabemos que, por si só, a Educação não pode resolver os crônicos problemas sociais alagoanos que decorrem, antes de mais nada, da forma como vem se dando a posse da terra, com a predominância da monocultura e a pouca eficiência da produção agrícola e industrial. Mas, temos certeza de que a educação escolar pode congregar esforços com os demais setores sociais que buscam dar conta das variáveis socioeconômicas e políticas, no intuito de contribuir significativamente para melhorar o padrão de vida dos cidadãos e das cidadãs alagoanos”.

Todo esse tempo de convivência com Élcio traz a marca indelével de uma grande admiração e amizade, fonte de inspiração para a minha vida acadêmica e para a de muitas e muitas pessoas que têm o privilégio de sua convivência. Desejamos continuar aprendendo, por muito tempo, a lição de saber ouvir o outro, de altruísmo, de generosidade e espírito público.

 Entrelaces afetivos e acadêmicos com Élcio Verçosa                                                    

Fátima Albuquerque e Izabel Brandão
Fátima
Izabel

Quando Ivanilda Verçosa nos convidou para escrever um texto conjunto sobre nossas experiências com Élcio na Ufal, ficamos tanto surpresas quanto apreensivas. Afinal, apesar de uma amizade de longos anos, vivemos experiências aparentemente distintas, no âmbito acadêmico, por pertencermos a áreas de conhecimentos tão diversas quanto Educação, Letras e Saúde.

Como encadear essas histórias, de maneira a não perder a riqueza dos detalhes, que, exatamente, por existirem, deram forma, conteúdo e fluidez às nossas (con)vivências com Élcio? Como criar uma textura ímpar com as diferentes tonalidades das nossas experiências e não perder a amplitude dos sentidos experimentados por cada um/a de nós nesse caminhar atento, criativo, prudente, mas ousado, da vida acadêmica, que se confunde tantas vezes com a vida pessoal, simplesmente, porque somos muitos ao mesmo tempo?

Conversamos muito entre um pão de queijo e um café, buscando no diálogo encontrar um fio condutor adequado que nos ajudasse a tecer essa história que une amizade e academia. Encontramos esse fio na construção de uma linha do tempo, que intenta plasmar um corpus extenso, constituído de eventos da vida de Élcio, que funcionasse como elos, em que nossas experiências distintas, de alguma forma, se cruzassem e se conectassem. Assim poderíamos retecer um caminho longo, de boas memórias, recortadas pelas nossas diferenças, mas entrelaçadas pelas boas expectativas que sempre tivemos na nossa caminhada como docentes na Ufal e nas relações afetivas que sempre nos uniram.

Sem rigidez cronológica, mas, ainda assim, considerando o tempo um indicador da dinâmica e solidez deste corpus, visualizamos quase quatro décadas de atividades que se cruzaram e constituíram-se em complexas e conjugadas ações sócio-político-educativas. Esse tempo remonta desde o início dos anos 1980 até a primeira década do novo século. Passa pelas nossas incursões acadêmicas entre mestrado e doutorado, nossas inserções em trabalhos sindicais, que renderam imensas e gratificantes histórias, começando pela nossa participação na construção de uma carreira acadêmica, fruto de greves longas e infinitas negociações, noites insones, viagens pelo país. Passam também pelas nossas preocupações internas dentro de uma Ufal imersa em imensas diferenças entre as áreas, que muitas vezes nos levava a longas conversas e trocas de ideias, sempre pensando numa universidade melhor e mais igualitária.

Nossas impressões sobre esses caminhos cruzados trouxeram de forma clara a identificação de um Élcio agregador, com apurado senso de justiça, com inabalável identificação com a perspectiva dos direitos humanos, além de uma incansável práxis democrática, marcada pela independência e pelo compromisso social. Concordamos que não somente sua práxis, mas também sua produção acadêmica mostram uma visão de universidade que rompe com a hegemonia das áreas de conhecimentos e questiona a retradução do sistema de poder da sociedade dentro da Ufal. Sua erudição nunca foi obstáculo para a acessibilidade de seu conhecimento e seu senso criador sempre foi norteado pela solidariedade, organização e planejamento estruturante.

Nessa base de atitudes, participou ativamente na quebra de paradigmas conceituais, como foi o caso de seu acolhimento da proposta de participação, inédita e ímpar, em uma banca de mestrado na área da Saúde, na década de 1990, no intuito de avaliar pela perspectiva qualitativa, a importância e validade da produção de conhecimentos por esse viés. Da mesma forma, sua atuação na área de Letras sempre foi pautada pela transição entre as áreas de Linguística, Linguística Aplicada, bem como a de Estudos Literários, sempre com o foco na integração dessas áreas com a formação pedagógica e educacional de profissionais, sejam eles professores ou pesquisadores.

Emblemática também foi sua participação em uma pesquisa cujo objetivo foi fornecer subsídios para a execução da sentença judicial resultante de uma AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Os resultados desse projeto representaram, na verdade, a primeira etapa de uma ação inédita no Brasil, de provimento de direitos humanos, que se desdobrou numa intervenção em três favelas da capital alagoana.

Esse tear também implicou construção de laços afetivos que migraram para além dos muros da Ufal. Amigo solidário, abriu as portas de sua casa, construindo pontes que nos permitiram saborear a possibilidade de novo território familiar, ainda que simbólico.

Cada uma de nós, no cerne da própria experiência, encontrou e constituiu uma relação de amizade, com cor própria e sentidos, muita vezes, indecifráveis.

Sabemos que a tarefa descritiva é falha, porque entender e falar sobre o outro nunca acontece de fato, uma vez que os cruzamentos das experiências apenas esboçam as impressões dos limites do possível. Nesse encontro de subjetividades, o laço afetivo sempre falou mais forte.

De qualquer forma, nossa gratidão a Élcio, como amigo e companheiro de jornada na academia e na vida, não se esgota na dimensão material, mas se inscreve para além disso, na dimensão espiritual, onde a plasticidade afetiva é elástica e eterna.
 

O LIVRO E O HOMEM  (prefácio da 4ª ed. do livro “Cultura e educação nas Alagoas”, 2006)


                                                                                                   Cícero Péricles de Carvalho


Cícero
Este é um livro que atingiu a marca de três edições esgotadas e vem circulando nas mãos de professores do ensino médio, nos gabinetes de planejadores da área educacional e, principalmente, nos cursos de graduação e pós-graduação do ensino superior. O caráter amplo, informativo e comprometido com a plena democratização do ensino coloca-o na lista das leituras imprescindíveis sobre a realidade alagoana. Amplo, descreve os passos da formação do sistema de ensino; informativo, nos traz dados que permitem fazer um balanço sobre a evolução da educação em Alagoas; e, comprometido, envolve-se com as mudanças e o futuro do segmento educacional.

É a primeira obra que aborda a educação de Alagoas numa perspectiva histórico-crítica. E contextualiza os aspectos sócio-econômicos e culturais, permitindo a compreensão do fenômeno da baixa escolaridade e do analfabetismo como problemas intrínsecos da própria formação social alagoana. Para muitos, esta pesquisa é uma importante referência sobre o ensino no Estado.

O professor Élcio é um intelectual com uma linha bem definida de atuação: pesquisa e milita na área educacional. Esse modo de atuar condiz com sua formação universitária, marcada pelos anos do movimento estudantil anti-ditatorial (1967-1970), quando socialistas e católicos combinavam a luta pela democracia com debates sobre as mudanças necessárias para o país. Toda a obra de Élcio deve ser compreendida a partir de sua vida acadêmica dessa militância pela educação, que foi combinada às suas atividades de professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A atividade universitária numa região periférica tornou-se um forte estímulo para que tratasse, na sua dissertação de mestrado, do tema Ideologia e prática pedagógica escolar, em que discute a questão da disputa pela hegemonia politica nos fundamentos da educação. A tese de doutorado Burocracia e Oligarquia: um estudo de caso sobre o poder universitário, defendida na Universidade de São Paulo, caminha na mesma direção, trazendo uma análise profunda sobre as relações sociais e políticas, tendo como foco a hegemonia na construção do poder universitário na UFAL.
Homem coerente com sua escritura, Élcio compreendeu que era necessário criar espaços para a intervenção renovadora. Por conta disso, vai participar da fundação do Centro de Educação (Cedu) que, a partir de sua estrutura de formação e pesquisa, incluindo a pós-graduação, passaria a exercer uma influencia decisiva em toda a área educacional do Estado. Coerente com sua militância disputou, em 1980, a presidência da APAL (Antiga Associação dos Professores de Alagoas, fundada em 1965), hoje Sindicato dos Trabalhadores na Educação - Sinteal. Posteriormente, em 1985, foi eleito presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal).
Para lançar suas ideias extra-muros do espaço acadêmico e sindical, procurou ampliar o diálogo com a sociedade, pondo em circulação, no ano de 1997, os livros Cultura e Educação nas Alagoas: história, historias e História do Ensino Superior em Alagoas: verso & reverso. Com o sentido de analisar o passado do sistema educacional no Estado, esses trabalhos reforçaram  a visão moderna para o presente e o futuro do ensino em Alagoas.
No passo a passo dessa militância intelectual, Élcio se tornou o mais qualificado analista do processo educacional de Alagoas, e, como conselheiro representante do Sinteal, foi eleito para o posto de presidente do Conselho Estadual de Educação. A marca de sua passagem no Conselho, onde lutou e ainda luta intensamente para encontrar novos caminhos que garantam uma educação de qualidade para todos, foi o trabalho de redemocratização e transparência do órgão.
A sua contribuição na área educacional pode ser medida pela participação como avaliador do Inep/Ministério da Educação de cursos e instituições de ensino superior; pelos convites que recebe para participar de bancas de pós-graduação e prestar assessoria técnica a projetos amplos, como o Plano Estadual de Educação e o Plano Municipal de Educação de Maceió, as duas linhas principais de atuação da educação pública local. Mas sua produção intelectual vai mais além. Em 1998, participou da organização do livro Educação Superior & políticas públicas: a implantação da nova LDB em debate. No ano seguinte, lançou A propósito dos textos didáticos na prática escolar: uma abordagem sociopolítica da ação docente. Em 2001, publicou A formação dos professores em Alagoas: um olhar retrospectivo sobre suas origens, capítulo incluído no livro do qual é organizador: Caminhos da Educação em Alagoas: da colônia aos dias atuais. E para enriquecer sua contribuição ao tema regional, colocou no papel reflexões sobre a formação cultural do Estado, publicando, em 2002, o ensaio Existe uma cultura alagoana?
Depois de três décadas ininterruptas trabalhando como docente da Ufal – atividade em que continua atuando, agora como professor voluntário no programa de pós-graduação em educação -, ele passou a dividir seu tempo com a Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), da qual é, hoje, professor visitante. A prática docente é compartilhada com as atividades na política educacional. O mais recente reconhecimento foi ser indicado, pelo Sindicato dos Trabalhadores na Educação de Alagoas – Sinteal, para o Conselho Estadual de Educação, no qual foi eleito presidente da Câmara de Ensino Superior.
Professor Emérito (título que recebeu da Ufal), autor lido e comentado, mestre de princípios firmes, Élcio é um exemplo de intelectual coerente com o tempo em que vive, por sua produção valiosa e seu engajamento.