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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Élcio Verçosa: um grande mestre e educador





Dois dedos de prosa


               Esta é uma homenagem realizada por Campus, a um dos mais importantes intelectuais alagoanos: Professor Dr. Élcio Verçosa. Neste segundo volume dedicado ao Élcio, contamos com textos que abordam sua atuação na Universidade Federal de Alagoas, o sentido da sua produção intelectual e os laços de amizade.

               Este número de Campus/O Dia é composto tanto com artigos inéditos de Fátima Albuquerque, Izabel Brandão e Graça Marinho, quanto pela republicação do prefácio escrito por Cícero Péricles de Carvalho para a quarta edição do livro “Cultura e Educação nas Alagoas”, em 2006.

               Agradecemos a todos os colaboradores deste número, em especial aos autores dos textos.

Boa leitura!

Um abraço,

Sávio Almeida

 Um companheiro da esperança


Meu caro Élcio Verçosa


Como vai?

Vamos indo, né? Você merece um grande abraço de todos nós, os alagoanos. Sonhei que Alagoas começou a tremer e um povo se levantou em todos os lugares e veio caminhando em sua direção: eram os semtudo, aqueles que tinham fome e sede de justiça, no dizer evangélico.

Era uma marcha no tempo e, nela,  ancoraram em você que cimentou, com suas palavras e ações, um caminho para eles, batalhando e discutindo a educação, em busca, inclusive, de um sentido para as Alagoas. A palavra de ordem gritada era muito simples: “Obrigado Élcio Verçosa”. E num de repente, como se fosse milagre, das mãos pesadas nasceram bandeiras que se agitaram enquanto andavam. As palavras que gritavam misturaram-se com o tempo e jamais poderiam ser apagadas.

É que todos se renovaram no encontro que tiveram com você, a quem todos reconhecem como um grande companheiro de  esperança.

O recado que me deixaram para dar foi simples: Obrigado cara!

E eu o repito, dando-lhe um belo abraço. Você me faz renovar certezas e sonhos.

Sávio.

Educação e liberdade

Graça Marinho

“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História.”

Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia.



Este texto, diga-se inicialmente, não é somente meu. Ele é uma sinfonia polifônica de vozes que me vêm à memória, no momento de falar do nosso grande companheiro de trabalho Élcio Verçosa. Vozes que se juntaram para construir uma história, que já perdura por algumas décadas e que conheceram, sob sua liderança, momentos dos mais significativos.  

Nos meados dos anos 90 eu chegava à UFAL para ser professora do Centro de Educação, vinda de uma experiência vivida na rede estadual de educação e Élcio chegava de um período em que havia se dedicado ao doutorado na Universidade de São Paulo. Causou-me admiração, logo nas primeiras conversas, sua índole acolhedora, sua inteligência privilegiada, o brilho pessoal, a disposição para agregar. Chegou derrubando barreiras, mostrando a necessidade de abrirmos um grande diálogo para enfrentarmos as instigações que viriam, num contexto político que se mostrava particularmente desafiador, especialmente no Estado de Alagoas.

Nesse contexto, Élcio assume, pela segunda vez, por eleição direta, a direção do Centro de Educação, dando continuidade ao processo de consolidação da unidade acadêmica que despontava como uma das mais importantes da nossa universidade, pelo papel a ela destinado, qual seja, o de contribuir com a educação de nosso estado, especificamente no que concerne à formação de professores.

O Censo do Professor publicado pelo MEC em 1997 confirmava a ainda insuficiente qualificação do professor do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Alagoas, tendo em vista que dos 9.773professores em exercício apenas 303 possuíam formação em nível superior. Esse e outros dados da nossa realidade educacional impulsionaram aos que faziam o CEDU, sob a batuta do nosso diretor e líder Élcio Verçosa a buscar formas de atuação no sentido de contribuir para minorar a gravidade desse quadro. Destaco aqui duas ações que considero fundantes de um movimento que ali nasceu e que ainda reverbera, não somente nos dados estatísticos, mas também na memória de quem viveu essas experiências: a oferta de curso de Pedagogia para professores das redes municipais de Alagoas. O primeiro curso foi planejado e executado, na modalidade presencial, para professores da rede municipal de nossa capital (1996-1999). Para a sua implantação foi celebrado um convênio entre a UFAL e o Município de Maceió, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e resultou na formação de aproximadamente, uma centena de graduados em Pedagogia. Novas demandas, entretanto, chegavam ao CEDU por meio do Programa de Assessoramento Técnico-Pedagógico aos Municípios Alagoanos (PROMUAL) que se desenvolvia, com sucesso, graças ao esforço de uma equipe de professores do CEDU. Para além de todas as demandas, a que mais tocava de perto nosso inquieto diretor era a necessidade de continuar investindo na qualificação dos professores da rede pública municipal. Assim, o CEDU decidiu pela implantação do Curso de Pedagogia na modalidade de educação a distância. O Curso teve início em setembro de 1998, após um período destinado a sua concepção, elaboração do projeto e aprovação nas instâncias da instituição. Esse curso representou, de fato, a primeira tentativa da utilização das metodologias de educação a distância para a formação em nível superior, onde o CEDU foi integralmente responsável tanto pelo planejamento, quanto pela execução das atividades didático-pedagógicas e administrativas, contando com o apoio do Núcleo de Educação a Distância - NEAD. Vale ressaltar o papel relevante de Élcio, nosso diretor, como líder de um grupo fundador, ao defender e buscar aprovação, nas instâncias de decisões administrativas e acadêmicas da UFAL e do próprio CEDU, de um curso de numa modalidade que carecia de legitimidade e apoio institucional.  A implantação do curso nos inseriu no grupo pioneiro de universidades públicas federais que, na década de 1990, investiu na formação de professores utilizando metodologias de educação a distância. Com a responsabilidade advinda do fato de ser, à época, a única universidade pública de Alagoas, o CEDU, no cumprimento da importante função social de construir e socializar conhecimentos teve, e ainda tem, na educação a distância uma forma legítima de prover a sociedade alagoana desses conhecimentos, especificamente os professores da rede pública, a quem, historicamente, haviam sido negados.

Por volta dos anos 2000, outros desafios nos são postos frente à reformulação do Curso de Pedagogia, em atendimento às novas diretrizes que se anunciavam. Lá vamos nós, novamente liderados por Élcio, mais uma vez na lide de gestor sempre aberto ao diálogo, reescrever um projeto construído coletivamente, em intermináveis reuniões em que os confrontos de ideias foram pacientemente mediados.

O CEDU havia crescido e agora novas ideias, novos grupos, novos núcleos de pesquisa e extensão exigiam um esforço para que fossem contemplados e consonantes na sua estrutura organizacional e, consequentemente, no novo curso a ser construído que, mais uma vez, olhou de frente para os problemas educacionais e sociais do Estado de Alagoas. Consta registrado no texto do projeto que “Sabemos que, por si só, a Educação não pode resolver os crônicos problemas sociais alagoanos que decorrem, antes de mais nada, da forma como vem se dando a posse da terra, com a predominância da monocultura e a pouca eficiência da produção agrícola e industrial. Mas, temos certeza de que a educação escolar pode congregar esforços com os demais setores sociais que buscam dar conta das variáveis socioeconômicas e políticas, no intuito de contribuir significativamente para melhorar o padrão de vida dos cidadãos e das cidadãs alagoanos”.

Todo esse tempo de convivência com Élcio traz a marca indelével de uma grande admiração e amizade, fonte de inspiração para a minha vida acadêmica e para a de muitas e muitas pessoas que têm o privilégio de sua convivência. Desejamos continuar aprendendo, por muito tempo, a lição de saber ouvir o outro, de altruísmo, de generosidade e espírito público.

 Entrelaces afetivos e acadêmicos com Élcio Verçosa                                                    

Fátima Albuquerque e Izabel Brandão
Fátima
Izabel

Quando Ivanilda Verçosa nos convidou para escrever um texto conjunto sobre nossas experiências com Élcio na Ufal, ficamos tanto surpresas quanto apreensivas. Afinal, apesar de uma amizade de longos anos, vivemos experiências aparentemente distintas, no âmbito acadêmico, por pertencermos a áreas de conhecimentos tão diversas quanto Educação, Letras e Saúde.

Como encadear essas histórias, de maneira a não perder a riqueza dos detalhes, que, exatamente, por existirem, deram forma, conteúdo e fluidez às nossas (con)vivências com Élcio? Como criar uma textura ímpar com as diferentes tonalidades das nossas experiências e não perder a amplitude dos sentidos experimentados por cada um/a de nós nesse caminhar atento, criativo, prudente, mas ousado, da vida acadêmica, que se confunde tantas vezes com a vida pessoal, simplesmente, porque somos muitos ao mesmo tempo?

Conversamos muito entre um pão de queijo e um café, buscando no diálogo encontrar um fio condutor adequado que nos ajudasse a tecer essa história que une amizade e academia. Encontramos esse fio na construção de uma linha do tempo, que intenta plasmar um corpus extenso, constituído de eventos da vida de Élcio, que funcionasse como elos, em que nossas experiências distintas, de alguma forma, se cruzassem e se conectassem. Assim poderíamos retecer um caminho longo, de boas memórias, recortadas pelas nossas diferenças, mas entrelaçadas pelas boas expectativas que sempre tivemos na nossa caminhada como docentes na Ufal e nas relações afetivas que sempre nos uniram.

Sem rigidez cronológica, mas, ainda assim, considerando o tempo um indicador da dinâmica e solidez deste corpus, visualizamos quase quatro décadas de atividades que se cruzaram e constituíram-se em complexas e conjugadas ações sócio-político-educativas. Esse tempo remonta desde o início dos anos 1980 até a primeira década do novo século. Passa pelas nossas incursões acadêmicas entre mestrado e doutorado, nossas inserções em trabalhos sindicais, que renderam imensas e gratificantes histórias, começando pela nossa participação na construção de uma carreira acadêmica, fruto de greves longas e infinitas negociações, noites insones, viagens pelo país. Passam também pelas nossas preocupações internas dentro de uma Ufal imersa em imensas diferenças entre as áreas, que muitas vezes nos levava a longas conversas e trocas de ideias, sempre pensando numa universidade melhor e mais igualitária.

Nossas impressões sobre esses caminhos cruzados trouxeram de forma clara a identificação de um Élcio agregador, com apurado senso de justiça, com inabalável identificação com a perspectiva dos direitos humanos, além de uma incansável práxis democrática, marcada pela independência e pelo compromisso social. Concordamos que não somente sua práxis, mas também sua produção acadêmica mostram uma visão de universidade que rompe com a hegemonia das áreas de conhecimentos e questiona a retradução do sistema de poder da sociedade dentro da Ufal. Sua erudição nunca foi obstáculo para a acessibilidade de seu conhecimento e seu senso criador sempre foi norteado pela solidariedade, organização e planejamento estruturante.

Nessa base de atitudes, participou ativamente na quebra de paradigmas conceituais, como foi o caso de seu acolhimento da proposta de participação, inédita e ímpar, em uma banca de mestrado na área da Saúde, na década de 1990, no intuito de avaliar pela perspectiva qualitativa, a importância e validade da produção de conhecimentos por esse viés. Da mesma forma, sua atuação na área de Letras sempre foi pautada pela transição entre as áreas de Linguística, Linguística Aplicada, bem como a de Estudos Literários, sempre com o foco na integração dessas áreas com a formação pedagógica e educacional de profissionais, sejam eles professores ou pesquisadores.

Emblemática também foi sua participação em uma pesquisa cujo objetivo foi fornecer subsídios para a execução da sentença judicial resultante de uma AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Os resultados desse projeto representaram, na verdade, a primeira etapa de uma ação inédita no Brasil, de provimento de direitos humanos, que se desdobrou numa intervenção em três favelas da capital alagoana.

Esse tear também implicou construção de laços afetivos que migraram para além dos muros da Ufal. Amigo solidário, abriu as portas de sua casa, construindo pontes que nos permitiram saborear a possibilidade de novo território familiar, ainda que simbólico.

Cada uma de nós, no cerne da própria experiência, encontrou e constituiu uma relação de amizade, com cor própria e sentidos, muita vezes, indecifráveis.

Sabemos que a tarefa descritiva é falha, porque entender e falar sobre o outro nunca acontece de fato, uma vez que os cruzamentos das experiências apenas esboçam as impressões dos limites do possível. Nesse encontro de subjetividades, o laço afetivo sempre falou mais forte.

De qualquer forma, nossa gratidão a Élcio, como amigo e companheiro de jornada na academia e na vida, não se esgota na dimensão material, mas se inscreve para além disso, na dimensão espiritual, onde a plasticidade afetiva é elástica e eterna.
 

O LIVRO E O HOMEM  (prefácio da 4ª ed. do livro “Cultura e educação nas Alagoas”, 2006)


                                                                                                   Cícero Péricles de Carvalho


Cícero
Este é um livro que atingiu a marca de três edições esgotadas e vem circulando nas mãos de professores do ensino médio, nos gabinetes de planejadores da área educacional e, principalmente, nos cursos de graduação e pós-graduação do ensino superior. O caráter amplo, informativo e comprometido com a plena democratização do ensino coloca-o na lista das leituras imprescindíveis sobre a realidade alagoana. Amplo, descreve os passos da formação do sistema de ensino; informativo, nos traz dados que permitem fazer um balanço sobre a evolução da educação em Alagoas; e, comprometido, envolve-se com as mudanças e o futuro do segmento educacional.

É a primeira obra que aborda a educação de Alagoas numa perspectiva histórico-crítica. E contextualiza os aspectos sócio-econômicos e culturais, permitindo a compreensão do fenômeno da baixa escolaridade e do analfabetismo como problemas intrínsecos da própria formação social alagoana. Para muitos, esta pesquisa é uma importante referência sobre o ensino no Estado.

O professor Élcio é um intelectual com uma linha bem definida de atuação: pesquisa e milita na área educacional. Esse modo de atuar condiz com sua formação universitária, marcada pelos anos do movimento estudantil anti-ditatorial (1967-1970), quando socialistas e católicos combinavam a luta pela democracia com debates sobre as mudanças necessárias para o país. Toda a obra de Élcio deve ser compreendida a partir de sua vida acadêmica dessa militância pela educação, que foi combinada às suas atividades de professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A atividade universitária numa região periférica tornou-se um forte estímulo para que tratasse, na sua dissertação de mestrado, do tema Ideologia e prática pedagógica escolar, em que discute a questão da disputa pela hegemonia politica nos fundamentos da educação. A tese de doutorado Burocracia e Oligarquia: um estudo de caso sobre o poder universitário, defendida na Universidade de São Paulo, caminha na mesma direção, trazendo uma análise profunda sobre as relações sociais e políticas, tendo como foco a hegemonia na construção do poder universitário na UFAL.
Homem coerente com sua escritura, Élcio compreendeu que era necessário criar espaços para a intervenção renovadora. Por conta disso, vai participar da fundação do Centro de Educação (Cedu) que, a partir de sua estrutura de formação e pesquisa, incluindo a pós-graduação, passaria a exercer uma influencia decisiva em toda a área educacional do Estado. Coerente com sua militância disputou, em 1980, a presidência da APAL (Antiga Associação dos Professores de Alagoas, fundada em 1965), hoje Sindicato dos Trabalhadores na Educação - Sinteal. Posteriormente, em 1985, foi eleito presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal).
Para lançar suas ideias extra-muros do espaço acadêmico e sindical, procurou ampliar o diálogo com a sociedade, pondo em circulação, no ano de 1997, os livros Cultura e Educação nas Alagoas: história, historias e História do Ensino Superior em Alagoas: verso & reverso. Com o sentido de analisar o passado do sistema educacional no Estado, esses trabalhos reforçaram  a visão moderna para o presente e o futuro do ensino em Alagoas.
No passo a passo dessa militância intelectual, Élcio se tornou o mais qualificado analista do processo educacional de Alagoas, e, como conselheiro representante do Sinteal, foi eleito para o posto de presidente do Conselho Estadual de Educação. A marca de sua passagem no Conselho, onde lutou e ainda luta intensamente para encontrar novos caminhos que garantam uma educação de qualidade para todos, foi o trabalho de redemocratização e transparência do órgão.
A sua contribuição na área educacional pode ser medida pela participação como avaliador do Inep/Ministério da Educação de cursos e instituições de ensino superior; pelos convites que recebe para participar de bancas de pós-graduação e prestar assessoria técnica a projetos amplos, como o Plano Estadual de Educação e o Plano Municipal de Educação de Maceió, as duas linhas principais de atuação da educação pública local. Mas sua produção intelectual vai mais além. Em 1998, participou da organização do livro Educação Superior & políticas públicas: a implantação da nova LDB em debate. No ano seguinte, lançou A propósito dos textos didáticos na prática escolar: uma abordagem sociopolítica da ação docente. Em 2001, publicou A formação dos professores em Alagoas: um olhar retrospectivo sobre suas origens, capítulo incluído no livro do qual é organizador: Caminhos da Educação em Alagoas: da colônia aos dias atuais. E para enriquecer sua contribuição ao tema regional, colocou no papel reflexões sobre a formação cultural do Estado, publicando, em 2002, o ensaio Existe uma cultura alagoana?
Depois de três décadas ininterruptas trabalhando como docente da Ufal – atividade em que continua atuando, agora como professor voluntário no programa de pós-graduação em educação -, ele passou a dividir seu tempo com a Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), da qual é, hoje, professor visitante. A prática docente é compartilhada com as atividades na política educacional. O mais recente reconhecimento foi ser indicado, pelo Sindicato dos Trabalhadores na Educação de Alagoas – Sinteal, para o Conselho Estadual de Educação, no qual foi eleito presidente da Câmara de Ensino Superior.
Professor Emérito (título que recebeu da Ufal), autor lido e comentado, mestre de princípios firmes, Élcio é um exemplo de intelectual coerente com o tempo em que vive, por sua produção valiosa e seu engajamento.
 




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