Translation

Mostrando postagens com marcador Teatro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Teatro. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Crônica diária. Arthur Azvedo, teatro e escravo




Um pouco em torno de Arthur de Azevedo (II):  os escravos e o teatro

Luiz Sávio de Almeida


Eu gosto do teatro do Arthur de Azevedo; ele sabe perfeitamente chegar a seu  cotidiano, mesclando um fino senso de humor aos tempores e mores. No entanto, uma das suas peças  chama a minha atenção e me prende a seu texto, como se houvesse um grude espiritual. É de 1882 e seu título: O Escravocrata, peça em três atos e com um grande número de personagens, como seria do tom da época e submetido ao  Conservatório Dramático Brasileiro, entidade criada em 1843 e que funcionava como censura aos textos teatrais. O título original era  A Família Salazar. Não recebeu placet.  Nem mesmo, no veredito, foi incluída qualquer nota de esclarecimento sobre a negativa e, então, Arthur de Azevedo chega à conclusão de que somente poderia ter sido um julgamento moral, conforme seria costume daquela instituição. À época desta encrenca de Arthur de Azevedo, houve reforma e, também, o,  Conservatório datava de 1871 e vai acabar em 1897. Apesar da mudança do caráter privado para o público, Arthur Azevedo o acusava de manter seus juízos moralistas.
Desafiando a autoridade, Arthur Azevedo o publica para que leitores formassem juízo e adianta quais seriam os pontos negativos a serem tocados, do pomto de vista do Conservatório: imoralidade e inverosimilhança. O tema central é o amor de um escravo por sua iaiá e ela termina por ficar grávida com o filho sendo criado a bem dizer como se fosse legítimo; algo inesperado, revela o segredo e a violência assume o curso do drama. Onde estaria o imoral, pergunta o autor? Diz que amor entre escravo e senhora era coisa banal, comum; aduz que todo mundo conhece um caso e, então, vem uma bela discussão sobre censura, teatro e vida. É aqui, que parece tudo se tornar a conversa do mesmo tronco, quando a censura aparece para regular o que seria legítimo para uma sociedade, empestando-a com seus valores excludentes.
E então se opõe o anseio de controle da censura e a oportunidade do texto teatral. Diz então o Arthur de Azevedo:
“’SERIA MUITO BOM QUE TODAS AS MULHERES CASADAS FOSSEM FIÉIS AOS SEUS MARIDOS, HONESTAS, AJUIZADAS, E QUE OS ADULTÉRIOS INFAMANTES NÃO PASSASSEM DE FANTASIAS PERVERSAS DE DRAMATURGOS ATRABILIÁRIOS; MAS INFELIZMENTE ASSIM NÃO SUCEDE, E O BÍPEDE IMPLUME COMETE TODOS OS DIAS MONSTRUOSIDADES QUE NÃO PODEM DEIXAR DE SER A NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – O TEATRO”.
É muito importante, onde ele coloca o tribunal de justiça: na arte. E ele atinge a questão no âmago: trata-se de esconder a questão escravocrata; era ela a incomodar ao Conservatório e se ela não estivesse na peça, ainda segundo o Arthur,  o texto perderia sentido e nem ele, o autor, não estaria colaborando com a derrocada do que chama de “a fortaleza negra da escravidão”.
Sem dúvida eu penso assim, quando escrevo minhas tolices para teatro: o mundo deve ser julgado aqui, com o rigor dos olhos e ouvidos deste imenso país que é chamado de plateia e tudo que faço, prestando ou não, procura ir contra “a fortaleza da negra escravidão”. Não fosse desta forma, para que falar em escravo? Para que a velocidade no texto, como se tudo estivesse urgente, demasiadamente urgente? Foi assim, desde o primeiro dia em que comecei e será assim no dia em que terminarei: um solene julgamento como se deu, por exemplo, em A Farinhada.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

História do Teatro Alagoano: A FIGURA DE Bráulio Leite Júnior







Uma homenagem a Bráulio Leite Júnior (I)

Quem é quem
Este  número de Campus é fruto do trabalho de Duce Pontes, filha do Bráulio e da Edna.
Dois dedos de prosa
Sem dúvida, Bráulio Leite Júnior foi um dos mais importantes alagoanos durante o correr de todo o século XX. Homem simples, honesto, inteligente teve uma vida digna ao lado de sua família.  Fomos íntimos amigos. Certo ou errado (também, como qualquer um, ele  errava) jamais deixou de ter coragem para defender suas posições e sempre na vida jogou limpo, jogou de frente.
Ele não precisa de homenagem, mas o reconhecimento permanente, sem dúvida, nós devemos dar.
Este suplemento foi realizado pela diligência de sua filha Duce Pontes e através dela quero abraçar a Edna.
As crônicas reproduzidas foram retiradas do seu livro Algumas crônicas escolhidas, publicado em Maceió no ano de 2005.
Vamos ler.
Sávio


I - Bráulio, uma grande figura e um grande amigo
Luiz Sávio de Almeida

         Bráulio Leite Júnior foi um dos meus grandes amigos; não éramos de viver encangados, mas era daquela amizade em  que o espaço e o tempo não incomodavam e quando nos víamos, tudo fluía como se nada tivesse mudado. Sabíamos do outro o que bem desejássemos e nos abríamos sem qualquer escondido, quando desejávamos desabafar a vida. Não foram poucas as vezes em que ficamos os dois, três, quatro horas falando.
         Tivemos algumas aventuras juntos e lembraria de muitas, mas no momento, bateu uma na cabeça.  O Teatro Deodoro tinha uma divisão diferente: o gabinete dele, ficava do lado esquerdo, onde hoje fica a bilheteria, Ele mandou me chamar e pediu para não sair do lado dele no gabinete.  Iria passar no palco, a famosa Liberdade, Liberdade dirigida pelo Flávio Rangel. O presidente do DCE da UFAL era Radjalma Cavalcante e o DCE havia intermediado a vinda do espetáculo.  E eles tiveram papel essencial; eu somente estou falando da parte do Bráulio, com a qual convivi dentro daquele gabinete simples mas limpo e preservado..
         Pauta reservada, anunciado e de repente chega a ordem: o espetáculo não poderia ser apresentado.  É quando Bráulio manda me chamar e nos trancamos e vi a firmeza como, depois de telefonemas sucessivos, aquela figura humana imensa, dizia que jamais faria isto, que a pauta havia sido dada e era sagrada. Foram cinco a dez telefonemas e a expectativa era grande. No silêncio que ficamos depois de um período mais conturbado, talvez pelo nervoso do quadro, começamos a rir e a hora do espetáculo chegando. O que poderia acontecer? Jamais a ordem para cancelar o espetáculo partiria do Teatro Deodoro.
       
  A quebra de braço continuava; em nenhum momento Bráulio abriu  mão. E foi e foi e o Deodoro ficou aberto. Tudo resolvido. Ele me pergunta para onde eu iria. Disse que ver o espetáculo. E  ele me pediu: quando terminar passe aqui. Pois bem, vi o espetáculo e passei no Gabinete. Saímos para jantar: o Flávio, o Bráulio e eu. Acho que ainda era o tempo da Churrascaria Galo de Campina. O papo não parava e lá pelas três da manhã o garçom dormiu. Flávio Rangel foi lá e deixou um bilhete: “Jacaré que dorme no ponto, quando acorda é carteirinha!”.
O do Bráulio dizia para não se preocupar: iríamos pagar no outro dia e de safadeza deixou meu telefone. Fomos pagar e com isto, demos por fim o dossiê Liberdade, Liberdade no Teatro Deodoro.  Um homem profundamente emocional teve uma paciência imensa e não arredou o pé do lugar.
Esta é uma das que vivi com Bráulio Leite Júnior, vi e partilhei inúmeros sonhos do Bráulio. Ele queria sempre uma Alagoas boa,  e, embora pareça exagerado, não fosse ele, o Teatro Deodoro talvez não existisse.  Foi ele quem construiu o Teatro de Arena, quem estruturou a Fundação Teatro Deodoro, quem inventou de  fazer e fez o Museu da Imagem e do Som. Foi ele quem deu vida a Os Dyionisios. Criou muita coisa.
Pois este homem, aos 81 anos de idade, sem pedir permissão à cidade e aos amigos, faleceu e com toda a certeza, deixou-me com uma permanente saudade. Sei que levou muitas aventuras e muitos passos de vida comigo. Era turrão e não escolhia palavra. Nunca brigamos, nunca discutimos, nunca aconteceu a mínima farpa.
Tem dia Bráulio  que lembro de você e começo a sorrir. Lembra de quando a gernte vendia máquina de lavar roupa, que se telefonava para hotéis e restaurantes oferecendo uma máquina já esqueci a marca inventada?  Era Brascheta... E se explicava as maravilhas que ela fazia? Tou morrendo de rir agora. Pois é: os grandes heróis como você foi, não esquecem do menino que foram. Muitos hotéis ficaram sem a miraculosa Beascheta.
Eu escrevi estas linhas com o coração. Poderia ter escrito de outra maneira, algo formal e intelectualizado. No entanto, jamais conseguiria, pois o grande apelo do Bráulio para mim, é a recordação da amizade que sustentamos e ela foi isso: alegria, cumplicidade e extrema confiança pessoal. E isto para mim é um orgulho, pois considero Bráulio a grande figura do teatro de Alagoas no século passado. É mentira que Bráulio esteja esquecido; isto jamais acontecerá, o tempo e as evidências sempre estarão lembrando o seu nome.
Prefeitura de Maceió! Que tal um bronze do Bráulio, olhando para o porto como gostava de ficar ou da Praça Deodoro olhando os dois teatros: um que ele construiu e outro que perseverou em manter e conservar? Claro que outros fizeram isto: conservar. Mas Bráulio foi uma vida inteira. Marechal Deodoro precisa de companhia naquela praça, que é uma das  desditas urbanas de Maceió.
Que tal uma placa na entrada da rua onde ele morou, Prefeitura? Coisa assim:
Como esta rua é minha
Mandei ladrilhar
Com pedrinha de brilhantes
Para o Bráulio Leite Júnior passar!
Cidade de Maceió.

II -  MISTICISMO DE BRÁULIO LEITE JÚNIOR
NOTA: Este material foi publicado em o Jornal de Hoje na coluna Opinião

Sempre tivemos, neste jornal, palavras de elogio e simpatia para as iniciativas do Teatrólogo Bráulio Leite Júnior, não só pelo seu espírito público, pelos sentimentos de alagoanidade sempre demonstrados na defesa e exaltação das boas coisas de sua terra, mas, sobretudo, pela sensibilidade com que dirige a Funted e zela pelo patrimônio maior da cultura de Alagoas, que é o Teatro Deodoro.
Se podermos perfilar, numa linha de frente, os homens que fazem a grandeza de nosso Estado, pelo trabalho honesto, criterioso e até desprendido no campo de suas atividades, naturalmente que Bráulio Leite Júnior formaria nos primeiros lugares, tal a operosidade de seus misteres, muitas vezes mais criativos do que técnicos, mas inteligentes do que esquematizadores. Homem de agilidade mental surpreendente, não dispensa o calor humano aos seus empreendimentos, empolgando, contagiando e cativando a todos nós pelo poder de convencimento, pela mobilização que faz em favor de suas iniciativas, pela persistência com que sabe lutar pelos seus ideais.
O Teatro Deodoro, nos dias de hoje, é uma casa de espetáculos que voltou aos seus esplendores de outrora, restaurando seu ambiente anterior, tão deturpado pelas reformas apressadas e infelizes de governos que se sucederam no alterar-lhe o acervo original. O Museu da Imagem e do Som já se pode distinguir como o maior centro de documentarista do Nordeste, tal os depoimentos que tem gravado e o relicário de peças raras que pode reunir, principalmente fotografias e flagrantes da vida alagoana do passado, na política, na administração pública, na sociedade, nas letras, na música e nas artes plásticas. O Centro de Belas Artes até na sua localização tem o toque especial da sensibilidade artística e cultural de Bráulio Leite, instalado no antigo Seminário de Maceió, e sua contribuição à cultura alagoana tem sido das mais efetivas.
Queremos, no entanto, dar destaque especial à Orquestra Filarmônica da Funted. Seus espetáculos têm ido deslumbrantes, levando cultura musical ao povo, na praça pública, nos birros, nos estabelecimentos  de ensino, nos festivais do caráter artístico e de evocação histórica. Sofreu abalo sísmico da inveja humana, mas renasceu do quase nada para transformar-se, novamente, na maior orquestra e instrumentos de sopro e cordas de Alagoas. Em tudo isto está presente o misticismo e a devoção de Bráulio Leite Júnior, que faz as coisas como  um sacerdote no ritual de suas divindades, que são as obras que tem legado à inteligência e à cultura de Alagoas. Este é um depoimento que fazemos de um homem do presente, mas já de lugar assegurado no julgamento dos pôsteres. Fora de Alagoas seria um gênio. Aqui, diante de nossas limitações, é um homem comum, mas útil e indispensável para as grandes inspirações de Alagoas.

III – Algumas crônicas do Bráulio
O Cenarte que idealizei

Adicionar legenda
Nota 1 (LSA) – Este texto demonstra bem, o nível de engajamento de Bráulio, na  vida cultural de Alagoas. Não consta do livro, quando e onde foi publicada. Demonstra, também, o nível de polêmica que Bráulio acentuava em sua vida.
            Recebi com grata surpresa o expediente enviado pelo professor Francisco Oiticica Filho, atual diretor do Cenarte – Funted, acompanhado de cartaz alusivo aos “Cursos Especializados e Regulares para este 2º Semestre”. Digo grata, por saber que o Cenarte não morreu de todo, e está, parece-me, em boas mãos; digo surpresa, porque não sei como conseguem, professores e alunos conviverem e trabalharem, todos esses cursos , em espaço tão exíguo, colocado à disposição do Centro.
            Quando falei na situação inaceitável deste Cenarte de agora – que o diretor chama de “novo Cenarte” – tive a preocupação de ajudar a continuidade e preservação do antigo Centro de Belas Artes de Alagoas, como opção de estudos e conhecimentos para a comunidade. Afinal de contas, quando o criamos em 1982, tivemos esta intenção. Mas sabemos que, desde há muito, o “novo Cenarte” não vem merecendo a devida consideração e justo atendimento das suas necessidades. Não há espaço, não existem condições técnicas, não há o exigido material para o desenvolvimento dos trabalhos, não se pode estabelecer horários conciliáveis à realização das aulas, não são observadas as regras de acompanhamento de cada curso, não acontecem as reuniões indispensáveis à devida aferição de aproveitamento dos alunos e necessária reciclagem dos professores, enfim, toda uma série de providências que são imprescindíveis, mas que “as dificuldades de uma conjuntura nem sempre favorável”, permitem organizar. Principalmente se não se tem área compatível para trabalhar.
            No tempo do velho Cenarte, ao lado do vetusto Seminário Arquidiocesano, mantínhamos duas orquestras ativamente funcionando – uma de Câmara, sob a regência do maestro mexicano Armando Quezada (além do Conjunto “Quinteto de Metais”, sob a regência do maestro sergipano Antonio Guimarães); dois maravilhosos Corais, o infantil “As Andorinhas”, sob regência do maestro Nicholas G. Valle; Curso de Musicalização Infantil (p/ crianças acima de 6 anos) , Curso Livre de Música, Curso Profissionalizante de Música (com professores para instrumentos de sopro, corda e percussão) reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação; Escolinha de Arte (para crianças de 3 aos 6 anos), Curso Livre de Artes Plásticas; Curso Livre de Dança, “Baby Class” (crianças de 3 a 6 anos), Ballet Clássico, Ballet Moderno, “jazz”, Afro e Ginástica (alongamento e aeróbica); Curso Livre de Teatro (formação de Atores, Direção e Técnicos em Montagens), com participação do Grupo Teatral “Alfredo de Oliveira”, nas encenações de peças infantis e adultas. Além disso, Cursos Intensivos de Serigrafia, Cerâmica, Vidro e Decoração, tendo adquirido um forno elétrico para moldagens diversas. Possuíamos um corpo discente com mais de mil e duzentos alunos ( entre os quais 80 bolsistas distribuídos, após testes vocacionais, no Lar São Domingos, Lar das Meninas, Cruz Vermelha, funcionários da Funted e crianças carentes de um modo geral). Isto sem falar nos concertos semanais, ao ar livre, da Orquestra Filarmônica, apresentações de Corais, Mímica, aulas públicas de Dança e Exposições mensais dos trabalhos, produzidos pelos alunos, dos diversos cursos. Todos com entrada franca e presença maciça de público.
            Tínhamos renda que supria a manutenção do Centro e os contratos, em todas as áreas, de professores itinerantes, trazidos trimestralmente de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife e até Buenos Aires. Era uma Instituição útil, arquitetonicamente linda, bem cuidada, bem servida de competentes e dedicados professores e funcionários, todos integrados no ideal de bem dotar a cidade do ensino regular das Artes, como aprimoramento cultural.
            Embrião, relevo agora, de um projeto acalentado durante anos, que objetivava a criação, a médio prazo, da Universidade de Artes do Nordeste, planejamento cultural, naquela época, já conhecido do Governo do Estado, da Arquidiocese Metropolitana (cujo novo Seminário seria construído , pelo Estado, no Tabuleiro do Martins), e algumas autoridades federais, vivamente interessadas na realização do que pretendíamos. Esta é a primeira vez que falo sobre o assunto, publicamente, tendo feito todos os contatos, sigilosamente, durante dois anos de entendimentos com os principais partícipes do projeto. E pensar que, depois que me aposentei a Funted perdeu a concessão contratual que tinha, para permanecer, com o Cenarte onde começamos, por falta de diálogo e posterior calote é simplesmente inacreditável e absurdo. Valendo acrescentar que o aluguel vigente, naquela época, era de apenas trezentos cruzeiros mensais!!!...
           
Mas não adianta, apenas, lamentar a falta de providências, para que, se não temos como remediar o irremediável? Agora, porém, que o Cenarte ocupa área diminuta, não podendo produzir como deveria, e seu diretor, que parece bem intencionado não vem, possivelmente, obtendo o essencial, é preciso que a sociedade e a imprensa ajudem a reabilitar o Cenarte, alertando as autoridades para o que está ocorrendo. É meu dever como pessoa ligada ao setor, e principalmente por ter sido o idealizador do órgão, fazer um apelo a Direção da Funted, a Secult e ao Governador do Estado, no sentido de que determine medidas e cuidados necessários ao normal funcionamento daquele Centro.
            Como desejo colaborar, e perguntar não ofende, que nos permitam a curiosa intromissão:
            - Por que não provocar, em conversa franca, uma análise do todos os problemas do corpo docente e discente, para assim formar uma corrente positiva em favor da Instituição?...
            -Por que não transferir a sede da Secretaria de Cultura para outro local ? Não seria uma solução?...
            Imagino que, talvez, seja mais fácil remover um “Comitê” ou um grupo de “ativistas culturais”, do que todo um exército de alunos, professores e funcionários do Cenarte...
            Ou não?
            E disponha professor.

Esses benfeitores anônimos

Nota 2  (LSA)  – É interessante ver os “escondidos” da história,  pessoas que passam e a gente nem sabe o que deram, o que fizeram e como foram importantes em determinado momento. Bráulio trouxe algumas.  Publicado originalmente em O Jornal, na edição de 05/09/1999

            Para se realizar um espetáculo teatral, todos sabem que é necessário antes de tudo que se tenha um texto, um intérprete e u espectador. Tudo seria fácil se somente assim fosse. Mas não é. A trilogia é a base, enquanto o que se esconde nos bastidores no fazer e refazer dos ensaios, na técnica da luz, som e cenários, na publicidade, no guarda-roupa e adereços, na direção artística e geral, é o roteiro do dia a dia da montagem do evento em suas múltiplas facetas. Mesmo assim não é tudo. Por trás de todo esse trabalho, que deve reunir “experts” em cada área, dando-lhes suporte e tranquilidade para executarem suas tarefas, estão os produtores, financiadores ou colaboradores indispensáveis na cobertura das despesas. Hospedagem e elencos, pagamento de direitos autorais, confecção de cartazes e ingressos, gravações, maquinistas, costureiras, folha de portaria, etc., etc. São  generosos personagens quase nunca nomeados, elogiados, ou anotados nos “releases” distribuídos com a imprensa ou sequer mencionados pelos críticos. Poucos e raros na verdade, mas são eles – caso de Maceió, que não alcançou o estagio profissional pleno – os “mecenas”, os incentivadores, os admiradores amigos do teatro que, espontaneamente ou quando solicitados, estão sempre prontos a ajudar comprando ingressos, assumindo despesas, determinando providencias financeiras.
           
 São deles que eu quero falar, homenagear, lembrar seus nomes, anônimos e importantes benfeitores do teatro e das outras artes que o grande público e a história não consegue nem registrar.
            No passado, segundo consta do livro Autores Alagoanos & Peças Teatrais, de autoria do Prof. Abelardo Duarte e editado pela Funted em 1980, dois nomes não podem ser esquecidos; Américo Rego e Américo Maia, que, mesmo sem fortunas, conseguiram trazer para o Teatro Deodoro companhias e artistas importantes, líricas e de operetas, afora as dramáticas.
            Depois. Manoel Cupertino, proprietário do Antigo Ponto Central e da Pensão Cupertino que tantos artistas hospedou e de quantos dispensou as diárias e refeições para ajudar a facilitar  vinda de novas Companhias a Maceió.
            Já no meu tempo, como diretor do Teatro Deodoro, contei sempre com a boa vontade, a colaboração, a fidalguia, de amigos e pessoas que compreendiam e desejavam ajudar-me a vencer as dificuldades e carências surgidas. Vezes era a montagem de uma peça quando recebia metros e metros de tecidos da fábrica da Saúde, do amigo Alberto Nogueira, outras vezes o pagamento do diretor contratado, vezes outras eram as despesas de hospedagem de companhias que não obtinham boas bilheterias e ficavam “encalhadas”, precisando prosseguir viagem. Quantas vezes, meu Deus, fui buscar auxílio financeiro junto ao Moinho Nordeste, dos amigos Lula Calheiros e Rivadávia Carnaúba, ou tomar dinheiro emprestado no “banco do Geraldo Mota”, para conseguir montar as peças com o Teatro universitário de Alagoas ou com os Dionysios... E vezes sem conta, solicitei o apoio e a colaboração dos industriais, e de Antônio Moreira, da Usina João de Deus, m Capela, para socorrer artistas muitos deles de renome nacional, que não obtinham boas rendas nos espetáculos e entravam em desespero.
            E me comove pensar que nunca procurei essas pessoas para que me negassem o que pretendia. A eles o teatro alagoano deve muito, pelos muito que fizeram em favor da cultura artística em nossa terra.
            Daí esta minha crônica de hoje, de necessário registro e gratidão a essas personalidades, construtores e realizadores de bens e úteis estágios da vida alagoana, sem o que a história das Artes nas Alagoas seria devidamente explícita nem estaria completa.

Cidade sem memória

Nota 3  (LSA) – A ligação de Bráulio com a cidade e a memória esta neste texto e como o Museu da Imagem e do Som seria um ponto de guarda desta memória.
            As cidades vão morrendo juntamente com os seus habitantes. Não são apenas os edifícios ou logradouros que somem ou são ocupados para dar lugar a outros, resumidos, mais novos e, quase sempre, impiedosamente menos belos. Enchem-se os cemitérios de nome, cruzes, mausoléus, todos querendo e teimando ser lembrado em lápides e jazigos perpétuos, cobertos de mármore e ornados de bronze. Tais cidades, como seus habitantes, vão também perdendo seus hábitos, costumes, tradições, modismos. Se não houver organismos e estudiosos vigilantes, a recolher suas fotos do passado, a registrar depoimentos pessoais das velhas gerações, a fixar mudanças urbanísticas, a catalogar aspectos da vida comunitária, dentro em breve a cidade vai ficando sem história, sem passado, ao tempo que o seu presente se dilui, se esvai, se modifica sem um registro sequer. O mesmo acontece com as pessoas que olvidam o passado de suas vidas, como se fossem vítimas da perda de memória, dominadas pela amnésia.
            Já em 1959, o médico, professor, poeta e folclorista Théo Brandão escreveu na apresentação do livro, do também saudoso pesquisador e historiógrafo Félix Lima Júnior, “Maceió de Ontem” – 1º volume, um prefácio que as atuais e futuras gerações, deverão ler – se isso acontecer – com natural espanto.
            Théo Brandão fala daquela incrível e hoje desconhecida cidade, “que vem paulatinamente desaparecendo” como a Maceió do “Grande Ponto”, das Chapelarias de José Maria e dos Gerbase, da “Porta do Sol”, da “Porta da Chuva”, dos tamarindos da praça São Benedito, dos Pavilhões de madeira da praça da Catedral, dos trapiches de Jaraguá, da Ponte de Desembarque, dos botes e alvarengas do velho Porto, do telégrafo semafórico da encosta do morro do Farol, das saídas do Santíssimo, das ruas alcatifadas de folhas de pitangueiras e das janelas dos sobradões adornadas de colchas e tapetes nos dias de procissões, dos maracatus, dos bondes da Catu e depois da CFLNB, das cavalhadas em Bebedouro, do porto de lanchas, das festas de Natal do Major Bonifácio, do Tiro Alagoano, dos sorvetes da Santa Laura, das retretas da praça Deodoro, das manhãs domingueiras na avenida da Paz, das corridas de cavalo no Hipódromo, dos banhos no Catolé, das caçadas de nambus e pacas na lagoa da Anta, da praça de carroças e dos negros de ganho na “Quatro Cantos”, algumas dessas lembranças acrescentadas por nós.
            À medida que vamos recordando essa Maceió tão doce e tão humana, sentimos avivar dolorosa saudade de tudo que passou e foi transformada ou destruída pela insensatez, insensibilidade e burrice de alguns inconsequentes inovadores, despreparadas “autoridades” ou eventuais aventureiros que pensaram se perpetuar, na memória da cidade, Omo modernos “administradores”. Coitados!
            E nos perguntamos se daqui a cinquenta anos haverá um outro Théo Brandão, outro Félix Lima Júnior, outro Moacir Medeiros de Sant’Ana ou ainda outro Ednor Bittencourt..., para recordar a cidade, hoje. Com os seus jornais, suas estações de rádio e televisão, o seu trânsito já caótico, a pobreza do povo no vestir, no comer e no divertir, as transformações descaracterizadas e a expansão desordenada da cidade, o comércio deste tempo, os bancos, os nossos cemitérios, os nossos logradouros, atuais hábitos, costumes e modos, novas escolas, hospitais e esquemas financeiros, governos e desgovernos, imagem pública e opiniões sobre a falência dos políticos e da politicalha mesquinha, seus períodos desastrosos, raras atitudes dignas de exemplos, enfim toda uma paisagem que precisa e deve ser registrada para conhecimento futuro. Talvez assim, como painel de estudos e avaliações, possamos dizer aos jovens do porvir o que não fazer e o que não admitir aos outros fazerem.
            Quando em 1981, criamos o Museu da Imagem e do Som, da Funted, tivemos em mente colaborar com o trabalho já desenvolvido com tanto emprenho e imensas dificuldades, pelo Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e Arquivo Público Estadual. Pensamos que o novo organismo, Museu “vivo” das ocorrências de nossa cidade, no presente, pudesse despertar no seio da sociedade, mas também e necessariamente no cerne do governo, a responsabilidade com a manutenção dos materiais adquiridos e entregues ao Estado, além da coleta, triagem e catalogação de milhares de acontecimentos da nossa história e do nosso cotidiano, em todos seus aspectos e interesses comunitários. Infelizmente tal não ocorreu. O acervo de milhares de fotos, documentos, pesquisas, gravações, filmes, reproduções e objetos, segundo fomos informados, continuam sujeitos à ação do tempo, incorreção do manuseio e consulta, além da falta de condições na conservação do material. Não por culpa do pessoal, mas da entidade oficial que não tem como contornar o problema. Uma lástima. Junta-se assim, ao Arquivo, o Museu da Imagem e do Som na sua penúria e desespero.

                                                                                  

quarta-feira, 13 de julho de 2016

NOSSOS ARTISTAS. SITE DO DITEAL. RONALDO DE ANDRADE. TEATRO





O DITEAL tem divulgado flahs com depoimentos de artistas alagoanos. Nosso blog vai reproduzir este trabalho pela importância da iniciativa e, também,  colaborar com o objetivo da Diretoria do Teatro que valoriza nossos artistas, a quem devemos nossos aplausos.
É muito importante valorizá-los. São pessoas que nos dão vida, nos ensinam, fazem melhores dias para nosso povo.
um abraço ronaldo


 
 
 

sábado, 16 de abril de 2016

Memória e cotidiano. Eliana Cavalcanti. Entre o céu e a terra


Meu pai


Entre o céu e a terra
                                                                              

                                                                Eliana Cavalcanti

                                                       

      Entrei às pressas no Teatro de Santa Isabel. Logo no saguão, fui recebida por um dos organizadores do festival, que me anunciou que tinha convites para mim, na bilheteria. E me perguntou: “Onde estão os outros?”. Ao que lhe respondi: “Estão chegando. É que eles foram para um hotel, enquanto que eu estou hospedada na casa de meu irmão, que fica mais perto daqui”. Esclarecendo: eu estava no Recife, vinda de Fortaleza com alguns dos nossos alunos que tinham se apresentado no palco do Teatro José de Alencar, numa seletiva para o “Passo de Arte”, concurso de dança que acontece todos os anos em São Paulo, na cidade de Indaiatuba.
         Estávamos eufóricos, pois, dos cinco alunos do Ballet Eliana Cavalcanti que se submeteram ao concurso, quatro haviam sido selecionados para a final do “Passo de Arte”, o segundo maior festival de dança do país, só perdendo para o de Joinville. Na bilheteria, uma moça muito simpática sugeriu-me não esperar pelos meus bailarinos, pois já ia ser dado o terceiro sinal. Ao me dirigir para a escadaria que dá acesso à plateia, um dos lanterninhas me informou que meu assento era mais em cima. Subi as escadas quase correndo, e outro lanterninha me acompanhou até um camarote localizado frontalmente ao palco, abriu a porta e, para surpresa minha, já havia um senhor bem instalado. Cumprimentamo-nos com as luzes já se apagando. E o espetáculo começou. Após uns dez minutos de coreografia, o meu pessoal chegou e se instalou, silenciosamente, no camarote do lado esquerdo. Comentei baixinho: Ué, ficamos separados!
        
Teatro Santa Isabel, Recife
Finda a primeira coreografia, eu ainda estava extasiada, quando o senhor me perguntou: “Você quer ler o programa?”. Agradeci e expliquei que já o tinha, pois havia assistido ao mesmo espetáculo, no dia anterior, em Fortaleza.  Do camarote da direita, um rapaz perguntou em tom de brincadeira: “Você está nos perseguindo?”. Em seguida, apresentou-se como cinegrafista responsável pelo material documental da Companhia. Começamos a conversar e lhe disse estar muito feliz com o nível da Companhia do Estado de São Paulo e que havia, em Fortaleza, trocado umas ideias com Iracity Cardoso, sua diretora, que eu já conhecia desde 1973, quando fizemos aulas juntas no Ballet Stagium. E o senhor, que até então se mantinha calado, interferiu na conversa, dizendo: “Interessante, pois em 1973 hospedei na minha casa, em São Paulo, a filha de um grande amigo meu daqui do Recife, e outra moça, também bailarina, que foram fazer um curso de férias no Stagium. Você conhece Helena Assunção Cavalcanti?”. E eu: “Conheço muito. O senhor sabe que a outra moça era eu?”. O homem ficou perplexo. “Você? Eu mal posso acreditar!”. Nisso, apagaram-se as luzes e nos endireitamos nas cadeiras para assistir a mais um trabalho.
          Quando eu ia saindo da casa do meu irmão, antes de fechar a porta do quarto, olhei pra trás para ver se havia deixado alguma coisa fora do lugar. Foi quando avistei um exemplar do meu livro 50 anos de plié – memórias de uma alabucana, na mala entreaberta, deixada em cima da cama. Fiquei na dúvida se o levava comigo ou não. Depois, pensei: “Vou levar, sim. Vai que encontro um amigo que ainda não tem o meu livro...”. Naquele momento, ali no teatro, lembrei que no capítulo desse meu livro em que falo no Stagium, faço uma menção àquele gentil anfitrião que tão bem nos recebeu no seu elegante e confortável apartamento, no bairro de Higienópolis, em 1973. Fiquei esperando que o espetáculo terminasse. Ao lhe mostrar e ler para ele a página do livro, este homem ficou estupefato. Disse-me que não tinha o que fazer naquela noite, e que não sabia por que tinha resolvido assistir a um espetáculo de balé. Aquilo não lhe era comum. Dei-lhe o livro de presente, dedicado, naturalmente. E ele, gentilmente, me disse: “Fique à vontade, pois sei que você deve ter muitos colegas e amigos para cumprimentar, mas ligue para o seu irmão dizendo que não precisa vir lhe buscar, pois faço questão de lhe levar em casa”.
         
Santa Isabel
Lá fora, no saguão, revi, realmente, amigos de longas datas. Depois de alguns minutos, aproximei-me do senhor Alexandre, e um amigo seu, já sabendo da história (ele já havia contado sobre esse encontro “casual”, numa roda de amigos recifenses), comentou: “Alguém que muito frequentou este teatro fez com que vocês hoje se encontrassem”. E eu respondi para aquele estranho: “Se existe essa possibilidade, certamente deve-se a meu pai, que, como crítico de teatro, vivia aqui quase que diariamente (Recife, por vários anos, foi considerada a terceira cidade do país e, por isso mesmo, tinha uma efervescência cultural muito grande) e amava estar nesta casa de espetáculos.
         Meu pai, à época, ficou muito agradecido com a hospitalidade do senhor Alexandre. Fez uma visita ao seu irmão, Fernando Leal, na sua loja em Recife, pedindo- lhe que fizesse chegar às mãos do irmão uma lembrança da nossa gratidão. Ambos eram proprietários da Casa Viana Leal (uma das melhores lojas do Recife, se não a melhor). Um irmão gerenciava a loja de Recife e o outro, a de São Paulo.
          Fico com a frase do personagem Hamlet, obra do dramaturgo inglês William Shakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.

                                                                          


domingo, 3 de abril de 2016

Otávio Cabral. PELOS BECOS DA MISÉRIA E DA FOME: A DRAMATURGIA DE LUIZ SÁVIO DE ALMEIDA





les ruelles de la misère et de la faim
the alleys of misery and hunger
i vicoli di miseria e di fame
los callejones de la miseria y el hambre 
  
PELOS BECOS DA MISÉRIA E DA FOME: A DRAMATURGIA DE LUIZ SÁVIO DE ALMEIDA

                                                                                          Otávio Cabral

                        Quando me decidi a estudar a dramaturgia alagoana e promovi pela primeira vez uma reflexão crítica sobre essa dramaturgia, direcionei meu olhar para uma peça de Luiz Sávio de Almeida, Comeram Dom Pero Fernão de Sardinha. Essa escolha se deu, primeiro, por considerá-la, além de um texto formalmente bem construído, uma peça que se insere na discussão mais aflorada da modernidade no que diz respeito à construção trágica proveniente da desigualdade social; e segundo, por ter se constituído, quando da sua encenação, num momento de alta relevância para o teatro alagoano e, ademais, era a primeira vez que um texto de sua autoria era encenado.
                        Em nossa análise enveredamos pelos meandros da miséria, rastejando com as personagens, identificando ali as marcas do trágico no torvelinho em que se envolvem, procurando demonstrar que, na modernidade, esta manifestação só se faz possível mediante a relação sempre conflituosa entre os seres humanos e o capital, na construção cotidiana da história.
                        A primeira montagem dessa peça foi feita nos anos 80 do século passado, pela Associação Teatral das Alagoas – ATA e, recentemente, no começo dos anos 2000, com os alunos do CESMAC, que a encenaram e representaram no Teatro de Arena Sergio Cardoso, em Maceió. Estivemos presentes na estreia – eu, o autor e alguns dos atores da primeira montagem– e saímos do espetáculo felizes com a montagem, mas infelizes com a atualidade de um texto escrito trinta anos atrás. É muito triste constatarmos que a sociedade não conseguiu superar praticamente nada daquilo que foi discutido nos anos 80, ou seja: a fome, a desigualdade e a miséria continuam presentes no cotidiano dos seres humanos, fazendo com que a peça permaneça tão atual quanto antes.
                        Essa, sem dúvida, tem sido a marca da dramaturgia de Luiz Sávio de Almeida, inscrita em todas as peças de seu repertório, pelo menos naquelas que foram encenadas: Igreja Verde, que foi detentora do premio FIAT e cumpriu uma excelente temporada nas duas oportunidades em que foi montada. Essa peça é baseada em uma pesquisa antropológica feita pelo folclorista José Maria Tenório Rocha, ex professor da UFAL e atualmente residindo em Sergipe, em uma determinada comunidade do interior de Alagoas, através da qual ele resgatou uma bíblia que teria sido escrita por um beato, líder da comunidade, indivíduo um tanto quanto confuso na organização das ideias, o qual cria algumas palavras inteiramente desconexas, mas que no conjunto nos levam a deduzir o real sentido pretendido. Esse beato, que se diz possuído pelo Espírito Santo, além do ritual religioso propriamente dito, cuja bíblia que escreveu é a base, ainda se relaciona com as mulheres da comunidade, segundo ele para deixá-las igualmente possuídas pelo espírito. É um texto de forte impacto dramático que, embora tenha várias personagens, foi escrito para um só ator, aquele que interpreta o beato, já que tudo o mais gira em torno dessa personagem, constituindo-se assim no centro de toda a ação dramática. A peça revela o poder aliciador da fé, capaz de seduzir, aglutinar e alienar as pessoas desavisadas, e que se encontram à margem da sociedade,em busca de um refúgio.
                        A segunda peça encenada foi Festa das Alagoas, cuja montagem se deu pelos alunos do antigo Curso de Formação do Ator da UFAL, hoje Escola Técnica de Artes – ETA. Nessa época, a UFAL tinha um Circo Cultural, que se encontrava armado na praça Sinimbu, e ali, naquele ambiente circense, foi realizada a temporada, com uma afluência de público bem significativa.
                        A terceira peça foi A Farinhada, cuja montagem foi feita pelo Grupo Teatral Joana Gajurú um grupo especializado em teatro de rua e que, contrariando sua tradição, a levou para o Teatro de Arena, tendo passado bastante tempo em cartaz, viajado por várias partes deste país e obtido grande sucesso de público e crítica durante a temporada e por todos os lugares onde se apresentou.
                        Da quarta peça encenada nada podemos falar a respeito, porque nos encontrávamos residindo fora do estado. Uma noite em Tabaris, escrita em parceria com Macleim Damasceno, gira em torno das prostitutas que povoavam o antigo bairro de Jaraguá.
                        Luiz Sávio de Almeida possui várias outras peças que não mereceram ainda, lamentavelmente, uma montagem. Há algumas de grande valor, escritas durante a ditadura, mas que precisariam de uma releitura para verificar se não ficaram perdidas no túnel do tempo, coladas demais à realidade: Libertad e Angola Janga. Outras, de igual nível artístico, estão aguardando uma montagem para que o público continue a desfrutar do prazer do texto saviano, sempre instigante e com sabor de denúncia social. Cito como exemplo algumas que me vêm à memória: El Tum Tum Tum del Corazón, uma comédia, na verdade uma fina ironia que ele faz consigo próprio, a partir de um episódio hipocondríaco que o levou ao hospital; a outra peça, também uma comédia, é um monólogo e se chama Zé Lodaro como pano pinico veio americano, que é um texto igualmente irônico, com um teor surrealista e que remete a suas origens, na cidade de Capela, em Alagoas e por fim Berratório a São Francisco em Fá de Fava.
                        Na verdade, falar da dramaturgia de Luiz Sávio de Almeida é falar de sua principal característica, seja na vida ou na arte, que é a ironia. Seus textos, de uma forma geral, possuem esse teor, e justamente por isso inserem-se no rol da literatura mais arguta, porque questionadora, que revolve os alicerces da sociedade, demole a hipocrisia da classe dominante e rasteja junto com os miseráveis de seu tempo.
                        Trata-se, portanto, de um dramaturgo da melhor qualidade, cuja produção literária em muito contribui não apenas para o aprimoramento do nível artístico de quem o encena, mas sobretudo para proporcionar ao espectador a possibilidade de deleite com uma obra inteligente, instigante, alegre e emocionante.