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sábado, 4 de junho de 2016

História do hip hop em Alagoas. Depoimento do DJ Carlota: Marcos Antônio Carlota da Silva





Esta matéria foi publicada em Campus/O Dia. 
 Entrevista realizada por Viviane Rodrigues. Coordenação da pesquisa: Luiz Sávio de Almeida

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Marcos Antônio Carlota da Silva. 

P’ra toda a galera que curtiu e ainda curte o hip hop comecei em 1983. Conheci um pessoal que dançava break e fui me interessando. Depois surgiu a ideia de também discotecar. Em 1983 morava no Rio de Janeiro, sou alagoano mas fui criado lá. Não imaginava que em Maceió existia esse lance de rap e de break. Quando cheguei aqui em Maceió ia fazer 15 anos, foi uma surpresa ver que a galera curtia aqui também. Não sou carioca, mas por ter sido criado lá, eu era um “carioca”, tratava o pessoal aqui como Paraíba: “Esses paraíbas aqui não dançam”.
Passei em frente a uma discoteca, entrei e vi a galera dançando, entrei na roda, mas não tinha muita noção. Foi em um discoteca perto da Praça Moleque Namorador, não era a Discol, nesse tempo não a conhecia.  Comecei a conhecer o pessoal daqui, vi que dançava e muito, aprendi aqui; no Rio de Janeiro só sabia uns pantins.
Conhecendo a galera, disseram que havia uma discoteca chamada Discol;  fomos lá e foi ai que conheci a galera pesada do break dance: Edmilson (Foffy), Borracha, Geraldo (Amarelo), Nego do Bolo, Thor e muitos outros. Esses caras começaram a ensinar, depois comecei a ganhar concurso dos caras que estavam me ensinando.
Não havia esse lance de ideologia, de espelho de vida, de construção de alguma coisa;  eu só queria curtir, dançar. Depois foi que vim saber do break dance, grafite, dj, mc. Em 1998,  todos nós que fazíamos parte da cultura, mas não sabíamos do que se tratava, viemos saber que existia lá fora porque... O hip hop daqui é um espelho de São Paulo, Taíde e outros que começamos a curtir aqui... Ficamos sabendo que existia um movimento forte e organizado que se chamava Cultura Hip Hop e dentro havia os elementos. Nós não sabíamos. Percebemos que o movimento era mais que curtição, era esse lance de ideologia, tirar as pessoas das drogas.
O primeiro concurso que participei foi na Discol. Foi um lance legal pra caramba. Ganhei vários concursos e comecei a ficar conhecido no meio da galera. Eu dançava muito em cima, quebrava, nem sabia os nomes oficiais daquilo que a gente fazia. Nós éramos muito ignorantes. È o break de chão, o break de cima, para a gente era quebrada, o que hoje é o loop. Depois da Discol íamos muito para o Centro da cidade, dançávamos em frente ao antigo Cinema São Luiz. Nós íamos com o tapete e o gravador, na sexta, fazia uma roda e o break rolava solto.
Mesmo naquela época fervorosa do hip hop já existia o preconceito, já veio para o Brasil como se fosse cultura de maloqueiro, bandido. Quando você adere uma cultura extremamente para pobre, você se torna um dos excluídos. O hip hop é a cultura dos excluídos porque é vivida e produzida para pessoas de baixa renda, mas os ricos hoje estão curtindo, tentando se inserir nessa cultura porque é modinha, é para estarem legal na fita.
Nós vivíamos esse preconceito, quando passava na rua o povo dizia “lá vai os maloqueiros”. Eu sou super displicente, nunca liguei para nada, opinião dos outros para mim não importa. O que importa para mim é o que faço e me sinto bem. O preconceito para mim servia de combustível para continuar naquilo ali. A minha família sempre foi contra, mas era jovem e queria curtir minha vida.
Vou dizer uma coisa a você, hoje tenho quarenta e dois anos, casado, tenho filhos, mas não me arrependo nem um pouco daquela época. Se pudesse voltar no tempo faria tudo de novo e pior, para chocar mesmo, tá ligada? Se tivesse a consciência que tenho hoje faria de tudo para levar o hip hop para o conhecimento público em geral para tentar quebrar esse preconceito. Não havia esse apoio para divulgação.
Eu sempre fui o cara que andava fora do comum do que era o movimento, todo bonitinho, arrumadinho, sempre dancei com roupas emprestadas, tá ligada? Nunca comprei um esquente, um boné para dançar. Eu sempre fui de carona. Eu fui a primeira roda e deu a peste em mim, dancei e passei a ir a todas. No movimento sempre participei como Dj tanto no Eustáquio Gomes como no Santo Eduardo. O Ary para mim foi o cabeça do movimento em Maceió, era quem organizava tudo e os donos dos equipamentos também.
Eu sempre fui um DJ Dançarino, porque ia discotecar, mas ficava a ânsia de dançar. Parava de discotecar e ia fazer parte da roda. Tinha um programa chamado Club Mix, rolava funk, dance, sempre fui um cara que curtia o funk. Eu tinha uma facilidade de mexer nos discos, fazer a mixagem, comecei a participar desse programa e ficar conhecido como DJ. O radialista era o Oscar Neto e o DJ Tony Régis, depois entrei (DJ Carlota), o DJ Fernando, depois apareceram outros DJs. Comecei a discotecar no programa Club Mix, depois fui trabalhar em boate, trabalhei na Zoomp (era GLS), depois trabalhei em outras boates.
 Foi o movimento que abriu as portas para o meu trabalho. Eu sempre fui displicente, fiz tudo por curtição, nunca tive vaidade, nunca levei como algo profissional porque não precisava daquilo. Quando comecei a discotecar nas boates, tinha na cabeça que não era um DJ para mim ou meu movimento por isso nunca toquei o rap, nos lugares onde trabalhei por mais moderno que fosse havia o preconceito. Só tocava dance, hall e MPB.
Eu tocava nas rodas o rap e o funk. Eu tentava inserir o funk internacional, mas não é essa nojeira que tem hoje no Rio de Janeiro. Os lp’s a gente conseguia com uma certa dificuldade, alguém que trazia de fora, depois de um tempo foi que chegou nas lojas daqui, não sei como, mas as lojas começaram a investir nesse tipo de material. Na minha época era mais coisa importada, que um pegava de um, do outro.
Sempre fui displicente, nunca tive porra nenhuma, sempre toquei com o equipamento dos outros, a única coisa que fiz foi montar um case, com dois toca-disco, um mix e uma caixinha de som vagabunda para ficar treinando em casa. Os donos dos equipamentos tinha um prazer em ceder os equipamentos pra galera tocar, uma forma de incentivar a cultura. Os donos eram o DJ Jorge Pessoa, Deijar (Javali – apelido) e o Jorginho. No Eustáquio Gomes era o DJ Wilson que ficava nos bastidores e a gente fazia a festa.
Para ser DJ não é só colocar a música para dançar, tem que ter uma noção de produção, de público. Hoje em dia tem DJ que só tem o nome, só tem o som, tem nome porque tem capital e pode pagar por esse nome. Na minha época a maior autoridade de uma boate era o DJ, hoje é o segurança que fica na porta, há uma inversão de valores. Por que isso? Pela prostituição da profissão, cobra qualquer porcaria para tocar, não concordo e ai sai fora. Hoje sou radialista, trabalhei em todas as rádios de Maceió.
Sempre existiu um preconceito em associar o meu nome aquele tempo, mas faço questão: Marcos Carlota. Quando estava na Rádio Difusora trabalhando como repórter o âncora do programa chegou para mim “o que acha de usar Marcos Antônio?”, por que? “Carlota é muito pesado, vamos tirar um pouco daquela marcação do passado”, respondi que ou vou ser Carlota pra você ou arranje outra cara.
Eu ser radialista hoje começou com esse lance do Club Mix, fui lá e me interessei para ser DJ e a partir daí o público me aceitou. Eu era muito requisitado, falado, às vezes estava na boate e o dono da rádio ligava “Carlota, pô tem que está na rádio estão querendo lhe conhecer, bater um papo”, não posso, estou trabalhando. Foi ai que o dono do programa criou uma entrevista para que eu desse uma satisfação para o meu público. Comecei a fazer festa no antigo galpão da UESA, vinha a galera do interior para me conhecer, só tocava rap se abrisse a roda, mas meu estilo é mais funk miami, free style, melody.
Eu creio que Taíde veio em 84, primeiro o conhecemos e muito, muito depois foi que venho Os Racionais. O Taíde durante a década de 80 era referência nacional, mas havia outros. Foi a partir do Taíde que a galera começou a querer cantar, de ser MC o primeiro grupo era: Élder, Paulo, Ace Rick e eu. Quem fazia as letras do nosso grupo era o Élder, inclusive muito boas. Mas eram letras que tinham uma influência muito forte da realidade de São Paulo, não era uma coisa focada nos problemas locais. Muito diferente dos raps que existem hoje que falam de: desigualdade social, violência política e da polícia, problemas pessoas, a mudança que o hip hop causou em suas vidas. A princípio as letras de rap eram mais lúdicas, por exemplo: “Você pensa que é esperto lagartixa...” . Era mais um lance de brincadeira, mas Taíde chegou com essa concepção de crítica social, começou a cantar sobre a desigualdade, a violência da polícia, do Estado contra o cidadão.
Os pixadores que existiam na época, eram tratados como vagabundos, maus elementos, hoje são grafiteiros tratados como artistas. Naquela época não conhecia essa concepção de grafitte, existiam os pixadores. Mas no nosso grupo só havia os dançarinos, DJ e MC. Eu fazia parte do grupo do Vergel, o melhor do estado, éramos referência.
No cara que trabalha na lagoa não tem consciência da sua importância, porque não tem ninguém que fale pra ele: “bicho, você é importante para Alagoas, você é importante para os alagoanos”. Eu nunca olhei para o que existia ao redor, o meu bairro.
Na época existiam dois grupos fortes que dançava o break. Quando a gente se encontrava era o pega pra capar, mas de modo saudável. A gente chegava e atiçava com um passo novo, iam e respondiam. A galera do Vergel chegou na maior autoestima em uma roda na praia de Pajuçara: o grupo do Beto de um lado e o nosso no outro, uma disputa sensacional. Nós não tínhamos nome, o que era forte era o nome do bairro. Éramos conhecidos como o Grupo do Vergel.
Esse lance de organização, associação houve por parte do Ary, mas não vingou, porque não sei. Não adianta um ou dois querer fazer a coisa e a maioria não está nem aí. Não sei se foi pela dificuldade financeira, porque iríamos precisar de uma sede para a partir dali todo o movimento fosse organizado. Nunca houve, por parte da minha turma, procurar apoio para divulgação e a mídia oficial também não ajudava.
Na minha época só havia o refúgio do Club Mix, quem dançava, escutava. Houve outros programas com o mesmo estilo musical, sempre produzido pela mesma pessoa: Tony Régis. Antes do Club Mix teve o Mistura Fina na Gazeta, depois teve outro para puder vim o Club Mix.
O movimento acabou porque as pessoas foram casando, morrendo, migrei para as boates, não quis mais dançar. Eu não me lembro do movimento no Cleto Marques Luz. Quem é Paulo?
O que é forte hoje é a chegada de novos adeptos. Naquela época achávamos que éramos os bambambans, mas os dançarinos de hoje barbarizam, um moleque de dez anos faz coisa que nunca imaginei fazer e olhe que eu era um fodão. Aqui os caras cantam muito bem, autêntico, sem buscar a influência paulista. Houve movimentos recentes que recebeu patrocínio da prefeitura. O hip hop em Maceió hoje é muito forte, mas ainda há muito preconceito. Eles são superiores a nós na questão do social, fazem isso muito bem!

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