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segunda-feira, 4 de julho de 2016

História da produção cultural em Maceió. a CASA RAMALHO.



publicado em Ca

Maceió vista através do mirante da Casa Ramalho  (I)
Luiz Sávio de Almeida


mpusO Dia

 

 I – História de nossa produção cultural

                Muitas coisas boas foram escritas e ficaram enganchadas no tempo, em qualquer lugar da prateleira dos anos. Por isso, vez em quando, fico lendo textos antigos,  como se voltasse ao tempo onde não estive. A leitura é uma espécie de túnel e gosto de rumar para coisas e situações,  a ver o que encontro,   em busca daquilo que nunca deixei e nem tive a sensação de perder. Foi assim, num  de tais momentos, que encontrei uma revista publicada pela Casa Ramalho.  Era mensal, intitulada Alagoas e da qual conheço apenas três números. Sempre guardei com a Casa Ramalho uma relação de admiração e de respeito e sempre vi os homens  que estavam no trabalho de fazê-la e mantê-la, como espécies de heróis cívicos pouco louvados. De repente, veio a ideia de que não se faz estátua de livreiro como se fosse mais um qualquer a passar sem notícias de sua vida nos caminhos das ruas, praças e avenidas da cidade. É um fato e uma pena: não se faz estátua de livreiro e decidi colocar esta na Rua do Comércio em homenagem à Casa Ramalho.

                No meu rol de alagoanos ilustres, está o Professor Joaquim Ramalho e mais do que ele se encontra a Casa Ramalho, cujas origens batem os costados pelo século XIX. Nada sei sobre ela e sou, por isto,  uma espécie de cidadão ingrato; apenas acho que por ela se pode homenagear que teve a coragem de semear livros à mancheia.

                Sobre esta Casa Ramalho nada teria sido escrito e que marcasse a importância que teve na vida intelectual de Alagoas. Por conta disto, vamos deixar uma sugestão para alunos tanto de pós como de graduação: tomar a Casa Ramalho como detalhe a ser trabalhado na construção de teses, dissertações ou trabalhos de conclusão de curso que versem sobre a história cultural de Alagoas, ela, também, frágil, pouca coisa devotada ao tema.

                Fica aqui, uma deixa para os estudantes de graduação e pós: investir na história cutural  e tomar a Casa Ramalho como motivo. Ela será chave para belos textos sobre a história da cultura alagoana onde o Professor Ramalho (ainda o conheci) teve um papel de excepcional importância.  A partir de sua vida, tal o enraizamento que tem em nossa história, é possível discutir quase um século de nossa produção cultural,  pela posição da Casa como editora e fomentadora de atividades culturais, em um tempo sacralizado e onde se mantinha, impoluta, a figura conhecida socialmente pela elite, como  “assumidade”. Carimbar alguém como “assumidade” era dar-lhe um atributo de genialidade, o mais das vezes sem cabimento e derivado do jogo de posições no contexto do poder. Ao lado desta sumidade provinciana estava uma juventude afirmando-se como moderna e presente, também, nos passos da Casa Ramalho.



II - Uma homenagem aos editores

                O Professor Joaquim Ramalho – pertenceu ao corpo docente do Instituto de Educação, área de Geografia – é um dos meus heróis alagoanos,  sensação que tenho ao pensá-lo dentro do acanhamento de Alagoas,  ao vê-lo em voo demorado como livreiro e editor ativo por anos. Lamento não ter privado de sua companhia, mas tenho a da história e é,  por ela, que devo  prestar-lhe uma grande homenagem, tomando-o para representar a todos os editores que se aventuraram a viver do consumo e da produção de cultura nesta espécie de Jerusalém que é a nossa Maceió.

                Fechando os olhos, acho que um dos últimos livros que vi por ele editado, foi a tese do Carlos Ramires Bastos para professor da Faculdade de Direito, sobre qualquer coisa referente à Sociedade Anônima. Ás vezes, eu fico pensando em quantas dificuldades aquele cidadão Ramalho  enfrentou na sua vida de editor. Na verdade, é preciso saber sonhar, mas não sonho de quimeras e, sim, o que é descanso de guerreiro, de onde ele tira, às vezes sem saber, a coragem de continuar a pisar o eterno chão dos seus objetivos.

                Se não me falha a memória, ele terminou se especializando na venda de livros para direito. Acho que o vi, também se a memória não perturba a retomada do tempo, no  Edifício Breda e lembro de ter visto em  loja nas cercanias do Banco do Nordeste e, também, na sala de Sílvio de Macedo, Faculdade de Direito, indo entregar livros.  Não sei a razão, mas sempre associo sua imagem ao vestir branco quando, antigamente, ainda era possível engomar um terno de diagonal. Também não sei a razão: eu o recordo usando chapéu. Será que usava?

 

III - A justiça de um prêmio

                Deixando de lado o que ficou como lembrança, é hora de pedir que se institua um prêmio Casa Ramalho e que seja gerenciado com o grande respeito que o  patrono merece, lançando edital e recebendo originais para a publicação, versando sobre qualquer aspecto da vida alagoana, dando prioridade, contudo, à história do livro ou da imprensa em Alagoas. Sobre a história do livro, desconheço qualquer trabalho sistemático, que se concentre em retomar a vida alagoana pelas páginas impressas em diversas pequenas editoras, como a Casa Ramalho foi, considerando os dias de hoje, mas imensa, por exemplo, na década de trinta do século XX.

                Desde muito, tem-se a necessidade de uma história do livro em Alagoas. É hora de alguém partir para este campo. É oportuno e necessário estudar Alagoas e a produção de nossos livros e, neste sentido,  nada mais justo do que dar relevo à Casa Ramalho enquanto patrona. Afinal de contas, ela lutou para produzir durante anos e nos deixou uma fartura de realizações e parece estar dizendo que Alagoas é possível mediante incessante combate. O trabalho cultural em Alagoas, ainda hoje é arrancado com forceps. Planta-se em Alagoas com grandes suores e lágrimas; colhe-se em Maceió com os mesmos suares e lágrimas. É preciso louvar a quem abriu caminho, a quem demonstrou veredas e lutou onde muitos tombaram.

IV - Uma revista em foco

                Faz tempo que desejava uma homenagem à  Casa Ramalho, mas o assunto acendeu quando estava manuseando um exemplar do Mensário Ilustrado Alagoas; era o nº 1 de Agosto de 1938.  O editorial é finalizado com a seguinte observação que entende um contexto chamado Brasil, sem deixar de olha para o próprio umbigo, como anos após,  Jorge Dâmaso encontrará tal chamamento e que o leu a escrever Raízes do Malhada:

Surgimos para servir com o amor que nunca nos faltou os propósitos de valorização espiritual e cultural das Alagoas, sem regionalismo, conformados com o esquecimento em que vivemos, e que tem sido a maneira mais heroica de demonstrar nosso constante pensamento de sermos úteis ao Brasil.

                E neste número colaboram pessoas da fina inteligência da época como Waldemar  Cavalcanti, Aurélio Buarque de Holanda, Aloísio Branco, Jayme de Altavilla, Manuel Diégues Júnior, Theo Brandão e outros. Para o segundo, era anunciada a participação de Raul Lima, José Maria de Melo, Rui Palmeira, André Papini, José Aloísio Vilela,  José Auto, Edson Carneiro, Ledo Ivo...

                É interessante verificar, neste primeiro número, cerca de quatro contribuições, três delas com comentários que nos servem diretamente para estudar e analisar o desenvolvimento urbano de Maceió, dois deles com observações sobre a cidade e da lavra de Manoel Diégues Júnior e Valdemar Cavalcanti e um como ficção, trecho de romance de Carlos Paurílio. Havia também uma crônica, em que se narrava o que seriam as 11;30 horas na vida de Maceió;  este tipo de material é publicado, também, nos dois outros números e é a escrita de uma cidade que se nota pela classe média, que tem um cotidiano a narrar de movimentos e temas de vida.

                Deveríamos estar sofrendo alterações em nossos padrões de comportamento e, praticamente, a ênfase nas matérias de fundo era a cidade de Maceió que se transforma em personagem, com seu tempo sendo sondado e anotado.  Havia uma cidade a ser transformada em crônica, como era, também, trabalhada à guisa de artigo, por pequenos ensaios sugestivos sobre a vida que se desenrolava. Os textos pontuam a vida de Maceió, revelando hábitos, costumes, uma grade horária tudo sendo visto pela ótica da classe média, a leitora preferencial da revista, como se poderia imaginar. A cidade era um movimento de seus próprios viventes e tinha o que falar pela voz dos que a interpretavam e historiavam.

                O primeiro texto que destacamos, pontua o que seriam os grandes movimentos no centro da cidade, ao ir findando o primeiro expediente ou horário. Então, é a cidade que se agita pela Rua do Comércio e adjacências na hora de largar a escola, largar o trabalho, de se viver a azáfama do retorno nos bondes. Uma cidade que se recolhia para voltar e novamente iria recolher-se para viver a noite e amanhecer um dia, na infinidade do tempo que a compunha e definia. Não era uma cidade que vivia o apito de um bueiro, mas os diversos apitos do cotidiano a chamarem vidas distintas e que ocupavam o espaço e o faziam.

                Já o segundo, pega a Maceió do lazer, a cidade que vive o domingo;  um dia especial, um dia para as famílias jantarem juntas, fazerem o footing, sempre a classe média a passear, enquanto a pobreza procurava encontrar seus próprios números. Finalmente, o terceiro se consagra à praia e falar nela era ressaltar a Praia da Avenida em tempo que deveria estar superada a Praia das Acanhadas nos lados da Ponta Verde.

                É no sentido de apreender a cidade, que se tem Diégues,  Paulírio e Cavalcanti. O primeiro fala de transformações no comércio, em mudanças na rua do Açougue, a formação de espaço de bazares. Cavalcanti critica as mudanças arquitetônicas, as descaracterizações pautadas pelos bangalôs e, Paulírio, com sua ficção, fala sobre a continuidade da prostituição pelos rumos do Beco da Lama. Joaquim Ramalho nos deixa uma bela informação sobre como se poderia pensar uma cidade que vai sendo invadida pela energia elétrica, a chafurdar hábitos mundanos e domésticos. Tem-se a inovação das compras por telefone, como se poderia fazer em A Dispensa Popular.  Ao mesmo tempo, a propaganda demarca transformações na vida cotidiana das casas, com os eletrodomésticos surgindo em anúncios; a enceradeira, a geladeira, a máquina de costura com motor, o ferro de engomar. A Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil fazia campanha: A eletricidade é barata!

                Um dos marcos destas mudanças, das inovações que apareciam associadas à eletricidade estava na transformação do cinema mudo em cinema falado.  Maceió iria afinando-se para deixar o teatro. Este assunto que também incide no entendimento das mudanças da cidade, aparece em resenha publicada no segundo número da revista.  Ele volta-se mais propriamente para o mundo do que seria intensamente decantado como folclore. Este tema  assumirá o conjunto dos textos, mas a cidade e o urbano ainda terão projeções. O folclore revela o quanto era assumido pelo grupo de representação rural, que estava vivendo em Alagoas. Já o número três, também vai trazer material dos folcloristas e a cidade sendo tratada em dois escritos que desejamos destacar: a) Lagoas do Carlos Paurílio e b) um     de responsabilidade da redação da revista e intitulado O convite das praias. O Professor parece ter concebido que duas correntes estavam postas na vida intelectual de Alagoas e torna a revista suficientemente versátil para espelhar as duas formas que estavam postas.

V - Um pouco sobre a Casa Ramalho

        
       
             Todo este  conjunto de produção nos leva a pensar na necessidade de lermos mais e pensarmos mais sobre o que foi escrito pela geração de trinta, as buscas de interpretação da sociedade de Alagoas, extremamente fértil na literatura, vista por uma história canhestra e provincial, bem como por uma ciência social que ia sendo tomada pelo aporte do folclore. A literatura em Alagoas nesta época, é a grande expressão da crítica à sociedade.

                A Casa Ramalho estará presente neste mundo e terá excepcional importância no desenvolvimento, do que poderíamos chamar de sua segunda fase de contribuições  à atividade cultural de Alagoas, especialmente pelo Professor Joaquim, um geógrafo, ligado ao meio intelectual e membro do corpo docente do Instituto de Educação.  Ele não era de fora desta discussão e, como livreiro, foi um homem de grande coragem intelectual.

VI - Dedicando Campus a Joaquim Ramalho

              
  A Casa Ramalho Editora – houve mudança na razão social – com sua Coleção de Autores Alagoanos – iniciada com o volume de Humberto Bastos – é muito mais do que uma papelaria, livraria, editora; ela é testemunho da vida intelectual de Alagoas e da tenacidade de um homem em busca de seu destino. Neste caminho, ele foi deixando contribuições valiosas. É para homenagear o editor e à editora que dedicamos este Campus, revivendo o jovem professor.

                 Era um caminho que vinha de 1893 e naquele ano de 1938, trinta e cinco anos após fundada,  estava ali na Rua do Comércio;  Joaquim Ramalho, nascido em 1907, deveria estar com seus 31 anos de idade, plenamente produtivo e encontrando sua posição na vida cultural do Estado e da cidade. Era professor e vai dividir com Afrânio Melo, a direção de Alagoas que contava, em seu Conselho de Redação, com Theo Brandão, Lima Júnior e Ulisses Braga Júnior. Seria um Conselho conservador, mas a escolha de Afrânio Melo indicava a necessidade de uma abordagem atualizada da vida estadual.

                Desta informação, vale destacar o comportamento democrático de Joaquim Ramalho, pois estávamos em plena implantação do Estado Novo e ele abrigava a figura de Afrânio de Melo, articulado ao Partido Comunista; a Casa Ramalho editou, também, a Humberto Bastos que teve implicações em 1935 pela presença na Aliança Liberal.  Também aparece elogio a Graciliano Ramos, que viveu o cárcere, e matéria de Rui Facó que vai à Garcia Lorca e faz pesada critica ao fascismo e ao nazismo.

                No fundo, a revista era um encontro de tendências e mantida corajosamente pelo seu diretor. Na oportunidade do lançamento, a Casa Ramalho estava dividida em três secções: uma de papelaria, uma de livraria e uma gráfica que, inclusive, recebeu medalha de ouro, quando da Exposição Nacional de 1908. Eles contavam com um salão de leitura.  E ela operava com generosidade, como se pode ver nos elogios feitos à Livraria Santos; era outro dos marcos históricos no comércio de livros em Maceió, vinda do século XIX, 1893.

VII - O que vai ficando raro

               

Sem dúvida, o que a Casa Ramalho produziu terminou raro. Deviam ser tiragens pequenas, em torno de 300 a 500 exemplares e a cidade, neste sentido, não deve ter mudado muito de porte, pois as edições giram em torno dos mesmos números, apesar da população acadêmica ter crescido significativamente. Permanecermos nestes números é um verdadeiro absurdo e nos leva a dizer que, muito possivelmente, lia-se bem mais a produção local, quando Alagoas não tinha expressiva população universitária. E seria interessante termos uma relação do que se encontra em estoque dentro das duas editoras oficiais de Alagoas: EDUFAL e CEPAL.

                Claro que uma editora universitária não tem a função de publicar livros para sucesso de mercado, best seller. Sua obrigação é publicar material de excelência que deve ser divulgado e, então, sua exigência em títulos deve ser  muito forte.  Ela não deve e não pode se medir pelo quanto produz, mas pela excelência daquilo que lança. Independente disto, a quantidade de exemplares por edição é  baixíssima perante o número de matrículas universitárias. Se levarmos em conta que temos em torno de 100.000 matrículas universitárias, 300 exemplares são um nada e quando vende, uma boa parte é por via da internet.

                E a Casa Ramalho publicou bons textos e chegou a sistematizar, como focalizamos,  uma Coleção de Autores Alagoanos. É interessante perceber que naquela década de trinta e a partir do livro do Humberto Bastos, ela sublinhava que tínhamos autores, que eles respondiam por nós e que era possível, pela fertilidade, pensar em montar uma coleção. A Casa Ramalho indicava, portanto, que se poderia esperar de nossa produção intelectual.

VII - Maceió e o mirante da Casa Ramalho

                Vamos reproduzir alguns textos da Revista; será um presente pra os leitores de Campus e, na certa, Joaquim Ramalho, o Professor e editor estará bem satisfeito ao ver o seu trabalho adiantado no tempo. E vamos dividir esta contribuição em três blocos; o primeiro é composto pelo que saiu nos três números e que vamos chamar de Crônica do cotidiano; o segundo é a Literatura e cidade e, finalmente, o terceiro será sobre Mudanças urbanas


Um comentário:

  1. Muito legal, Savio Almeida, recuperar a memória desse livreiro e editor. Conheci a livraria já no 5º andar do Ed. Breda no início dos anos 70. Também tenho uns dois números da revista, que pertenceram ao meu pai. Que tinha o hábito de permutar com ele os livros que recebia em duplicata. Beleza de artigo. Carlos Alberto Moliterno

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