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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A droga e a defensoria pública



Este material foi publicado em O Dia/Campus, nº189



Esta publicação corresponde ao material produzido durante a segunda roda de conversa que tivemos, coordenada pela Professora Karla Padilha. Funciona como introdução aos textos produzidos que serão referenciados como R2.

I - A DEFENSORIA PÚBLICA e seus desafios
Karla Padilha
Promotora de Justiça,  professora e doutoranda em direito


 E, dessa feita, os trabalhos foram capitaneados pelo Defensor Público Ryldson Martins. Seu foco prendeu-se a sua experiência na defesa de usuários e traficantes de drogas. Registrou Ryldson que, invariavelmente, os casos que lhe chegam trazem consigo registros de históricos familiares dos réus bastante complicados, incluindo, não raro, processos de verdadeira dessocialização de pessoas, excluídas do contexto social. Chama a atenção para o papel primordial da instituição a que pertence, que é proporcionar assistência jurídica gratuita e integral aos hipossuficientes. Ressente-se da falta de um número adequado de defensores públicos e de deficiências em sua estrutura de trabalho.
O comum é se ter pessoas que praticam atos relacionados ao consumo ou tráfico de entorpecentes desde a adolescência. Para melhor ilustrar o ciclo vicioso que envolve tais pessoas, expôs o debatedor, em tom de narrativa, sobre como se processa, nesse universo permeado pela exclusão, o primeiro contato de uma pessoa com a droga. Narrou a história de vida de alguém desde o primeiro momento em que tem acesso a substâncias entorpecentes. Referiu-se a dados estatísticos sobre o assunto, atinentes aos potenciais clientes da Defensoria. Lança o questionamento: seria a descriminalização a solução para se combater o tráfico de entorpecentes? Sobre essa questão, Alexandra Beurlen defende a manutenção da criminalização do tráfico de drogas, identificando-o como o pior dos crimes, destacando, inclusive, que hoje o tráfico financia campanhas políticas. Destaca a impropriedade de não se admitir, em relação aos adolescentes, a aplicação do instituto da internação em face da prática do tráfico.
Ryldson apontou para a importância de se indagar ao preso sobre o papel que enxerga do Estado e, ainda, sobre os modos em que percebe a sua ausência ou presença, dentro de sua realidade cotidiana. Deixou claro o flagrante descumprimento da Lei de Execuções Penais, apontando para a necessidade de que o Estado possa levar a cabo sua função, fora do Presídio, de prover a saúde e educação da população através de políticas públicas e, dentro dele, de viabilizar a ressocialização do condenado. Neste particular, reconhece a falência absoluta do sistema. Daí ter-se hoje elevados índices de reincidência (em torno de 70%). Nesse sentido, suscita Ryldson Martins a impropriedade de se falar em ressocializar em relação a quem nunca sequer foi socializado. Socorre-se do que afirma a jurista lusitana Anabela Rodrigues sobre o tema.

Registra o Defensor ainda que, não raro, a polícia estabelece o inadequado enquadramento de usuário como se traficante fosse, num processo de estigmatização de classes sociais. Alexandra Beurlen pondera tal argumento, afirmando que, para ela, na condição de Promotora que analisa hipóteses de atos infracionais supostamente praticados por adolescentes, não sofre influência sobre o tipo penal capitulado pela Polícia, já que lê toda a peça flagrancial, não se deixando levar pela tipificação que vem da polícia.
Anderson Passos, enquanto magistrado, reconhece as deficiências do Estado no desempenho de sua função ressocializadora. Aliás, questiona mesmo a real possibilidade de ressocialização, que é depositada no Estado, quando se trata de uma intervenção nitidamente tardia para enfrentamento do problema. Acrescenta Anderson Passos que a legislação pátria não apresenta soluções eficientes de prevenção às drogas, já que todos os esforços se centram na repressão. Cita o magistrado, a título exemplificativo, que o trabalho desenvolvido na prevenção ao consumo de tabaco tem mostrado resultados bastante satisfatórios.
Sobre o instituto da ressocialização, Alexandra Beurlen atenta para a necessidade de que se discuta, de forma mais cuidadosa, tal conceito. Para o adolescente, a situação, segundo ela, seria diferente. Entende, nesse sentido, que a pena muitas vezes chega a cumprir a sua função. Quem é preso sofre e, nesse sentido, pode se recusar a repetir o ato ilícito com o objetivo de não sofrer de novo. Ryldson reafirma que é preciso um estímulo real para que alguém não volte a delinquir. Para muitos, ser preso é uma coisa normal, que faz parte de um estágio da vida. 

Ryldson Martins suscita a questão de se avaliar se o instituto da internação compulsória, nos moldes em que hoje se aplica, mostrar-se-ia eficiente e adequado. Sobre o assunto, dispõe ainda de resultados pouco significativos. Outro ponto que aborda é, também, a mulher e o tráfico de drogas, destacando sua captura pelo sistema penal muitas vezes por influência de seu companheiro. Interveio o Professor Sávio Almeida para registrar a importância de que se possa elaborar uma verdadeira etnografia do tráfico.
Alexandra Beurlen, Promotora de Justiça, preocupa-se com a necessidade de que se proceda a uma maior aproximação entre as instituições Defensoria Pública e Ministério Público. Registrou ações civis públicas já ajuizadas pelo MP, a exemplo de uma que busca garantir, pelo Estado, o tratamento adequado de que o usuário de drogas necessita. Provoca Anderson Passos questionando se, de fato, faz sentido punir-se o tráfico de drogas ou se haveria outras saídas mais eficazes. Para justificar esse questionamento, aponta para o ambiente bélico e mortal em que atualmente se desenvolve o combate ao mundo do tráfico, com mortes tanto de civis quanto de policiais, em verdadeiro estado de guerra armada.
Mariana Góis, na condição de membro da Polícia Militar de Alagoas, questiona se todos não estariam, em alguma medida, a “brincar” de segurança pública, na medida em que, malgrado se tenha índices significativos de armas apreendidas no mundo do crime, por outro lado não se tem ideia do quantitativo bélico que entra ou retorna ao mercado. Seria, então, o modelo eficaz? Haveria outras soluções mais adequadas para o problema? Tende Mariana a não acreditar na eficácia do mecanismo da internação compulsória. Nesse sentido, o que defende é o empoderamento da população, para que possa precisar cada vez menos do Estado. Registra, finalmente, que a ausência de credibilidade no sistema jurídico acaba por atrapalhar o trabalho desenvolvido pela polícia, de forma diuturna.













Cléssio Moura, enquanto acadêmico, sugere que a abordagem do artigo do defensor púbico seja, tanto quanto possível, menos genérica, vale dizer, proponha-se a abordar menos questões de um mesmo problema. Acredita que um foco em Alagoas e em sua realidade de Estado pobre e população eminentemente pobre seria bastante interessante, para reforçar o importante papel a ser desempenhado pela Defensoria Pública. Cléssio identifica como pontos relevantes do trabalho de Ryldson Martins: a atuação da defensoria pública para garantir o acesso à justiça, o combate ao tráfico de drogas, diante da omissão do Estado e da ausência de políticas públicas e, finalmente, as consequências de tudo isso e seu impacto na segurança pública.
Acrescentando argumentos ao problema, o Professor Sávio Almeida observa em Alagoas uma verdadeira máquina de formação de pobreza. Tal situação deve despertar, no julgador, o conflito entre o julgamento que se quer fazer como cidadão e o julgamento que se tem de fazer, a partir do arcabouço legislativo vigente.  Afirma Sávio que, cada vez que o juiz prolata uma sentença, diz como a sociedade deve ser. Trata-se, assim, de verdadeira “incorporação do outro”.
Alexandra, olhando para a realidade atual, conclui que a presença do defensor público a fez modificar o seu trabalho, na medida em que permitiu novos olhares para uma outra visão ou uma nova perspectiva, em relação a um mesmo problema. Reafirma que, para enfrentamento do tema das drogas em seus processos diários, o importante é que se busque pensar em cada caso de forma individualizada, com análise do passado e do histórico do adolescente investigado. Finalmente, Alexandra Beurlen afirma que a lei de execuções penais e o estatuto da criança e do adolescente não são ruins, o problema é que nunca foram cumpridos. Nesse sentido, não se pode criticar o modelo, já que não se sabe ao certo se ele funciona ou não.   

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