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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

“RE”-Educação e “RE”-Socialização


R2 - “RE”-Educação e “RE”-Socialização



Cléssio Moura de Souza


Advogado, mestre em Direito pela Universidade de Freiburg na Alemanha e doutorando da Escola Internacional do Max-Planck Instituto para Mediação, Retaliação e Punição

Esta matéria foi publicada em O Dia/Campus, nº 189

         





Reeducar, ressocializar, trazer de volta à sociedade, reintegrar à sociedade... Esses são alguns dos termos repetidos diversas vezes quando se discute a finalidade das medidas sócio-educativas, aquelas adotadas no caso do adolescente que pratica ato-infracional e do aprisionamento no caso dos adultos condenados por algum crime.

Tanto no caso da prisão do adulto quanto no caso da internação do adolescente, o indivíduo é retirado do seu contexto familiar e social compulsoriamente, por representar um perigo para os demais indivíduos. Perigo esse configurado pela não obediência às normas legalmente impostas. Portanto, esse indivíduo torna-se uma responsabilidade do Estado, o qual deve reeducá-lo e ressocializá-lo. Pelo menos esse foi o desejo do legislador ao criar a norma e torná-la lei.
Possivelmente, esse mesmo legislador tinha um ideal que se sustentava na existência de uma sociedade com valores e situações sociais iguais ou ao menos semelhantes. Uma sociedade na qual os indivíduos teriam acesso aos serviços básicos e que dividissem padrões de valores ao menos semelhantes. É essa a sociedade que temos?
Essa discussão sem dúvida nos levaria a diversas outras discussões, as quais desaguariam, em algum momento, na própria definição de sociedade, ou melhor, de uma sociedade brasileira. Retornando a reflexão anterior sobre a reeducação e ressocialização, é possível perceber que existe um grande problema para além da incompetência do que chamamos de Estado – e aqui diria que nos referimos ao Poder Executivo e ao Judiciário – em reeducar e ressocializar esses indivíduos. O que entendemos por reeducar o adolescente e ressocializar um adulto especificamente?
Se pensarmos que esse “re” significa que aquilo que foi feito e que, de alguma forma, não funcionou deve ser “re”- feito. Daí teríamos que considerar que a criança foi educada na escola e no convívio social, mas por algum motivo não obedeceu às regras sociais de convívio e por isso deve ser re-educada através de medidas socioeducativas. No caso do adulto, há o descumprimento racional de regras sociais que deveriam estar claras e presentes no seu cotidiano. Portanto, esse indivíduo deve pagar por sua transgressão com a privação de sua liberdade e deixar que o Estado lhe proporcione uma segunda chance de voltar ao convívio social, pautado no respeitar às regras. No primeiro caso, a medida seria pedagógica e, no segundo, seria punitiva.
O que se pressupõe, na verdade, é que esse indivíduo teve acesso à educação desde a sua infância e que também se socializou através dos contatos interpessoais que teve desde sempre. No entanto, entre essas duas situações somente a segunda pode ser afirmada em plenitude. Se deixarmos de lado questões ligadas ao acesso e à qualidade da educação no nosso país – o que nos renderia muito “pano pra manga” – e nos focarmos na socialização e “re”socialização, sem dúvida teremos que considerar situações e lugares que possivelmente o legislador não pensou ao elaborar a lei.
Todos nós somos socializados e estamos em constante socialização. Seja em casa, na escola, na rua, no trabalho ou em outros ambientes. Todos nós temos convívio social. Uns mais, outros menos, mas todos temos. Portanto, não precisamos ser “re” socializados, pois o processo não parou. É contínuo.
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O que acontece é que a nossa socialização pode ser diferente de acordo com os ambientes e as pessoas ao nosso redor. O jovem que mora no Vergel do Lago tem vida social e está em constante socialização. O jovem da Jatiúca também. Portanto, o tipo de socialização encontrada em um ambiente pode levar os indivíduos a relativizar a ideia do que é considerado uma conduta criminosa, ou seja, aquele que cresce em uma parte da cidade onde há a venda e o consumo de drogas, furtos, dirigir sem habilitação, tendem a considerar essas práticas como parte da sociedade em que vive.
O problema é que, por força da lei, temos um modelo de socialização pré-determinado que não foi construído uniformemente e que desconhece a existência de outros valores e de outros padrões de convivência social. Portanto, se o Estado não foi capaz de estabelecer uma sociedade com direitos, deveres e condições iguais ou ao menos similares com aquelas idealizadas pelo legislador, não há necessidade de se falar em “re” isso ou “re” aquilo. Primeiro se deve criar um ambiente propício para a educação e a socialização... depois se deve pensar nas falhas e na “re”.

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