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sábado, 12 de março de 2016

Eliana Cavalcanti: vida e ballet

ART. BALLET. ELIANA  CAVALCANTI. MACEIÓ. ALAGOAS



Jubileu de Ouro

   Os pés ligeiramente voltados para fora, passadas muito firmes, peito alto, costas largas, pescoço alongado e um olhar fixo num caminho já escolhido desde os cinco anos de idade. Assim caminhava uma adolescente determinada pelas ruas do Recife. Pelo meu porte, as pessoas costumavam me perguntar: “Você é bailarina?”. E eu respondia de pronto, orgulhosa do meu status: “Sou sim”. Por essa época, mais exatamente no dia 1º de março de 1966, faltando um mês e alguns dias para que eu completasse 16 anos, fui convidada para ensinar no Curso de Danças Clássicas Flavia Barros, escola na qual eu estudava desde os meus oito anos de idade. Meu pai escreveu em seu Diário: “Eli foi contratada como assistente de Flavia Barros”.




A minha história de vida tem vários momentos que me fazem crer que nasci para isso, e nem posso contestar, pois os indícios são muito fortes. Vejamos:



1º – Morávamos em Maceió, e papai recebeu uma carta de Aldemar Paiva (um alagoano que fez história na imprensa pernambucana e na vida cultural daquela cidade), dizendo que a PRA8 Rádio Clube de Pernambuco precisava de um produtor do quilate do meu pai para trabalhar naquela empresa. Papai aceitou o convite, solicitou transferência ao IAPI, órgão federal ao qual ele pertencia, e fomos morar em Olinda. Fomos no escuro, pois quem alugou a casa foi Aldemar Paiva. Nessa época, eu tinha apenas dois aninhos. Maceió não tinha escolas de balé àquela época. Como eu poderia estudar essa arte?


2º – Aos poucos, meu pai foi se notabilizando na imprensa pernambucana. Passou então a trabalhar na empresa Jornal do Commercio (rádio, jornal e televisão). Na imprensa escrita foi, durante muitos anos, crítico de teatro. Por esse motivo, desde muito cedo eu e minha irmã frequentávamos os teatros do Recife com muita assiduidade. Foi então que, aos cinco anos, assisti a um espetáculo de balé da professora Bilinha Dávila. Ao chegar em casa, ditei uma cartinha para o meu pai, endereçada à minha avó Elisa, em Maceió, dizendo que queria ser bailarina. 


3º – No colégio em que estudava, em Olinda (Imaculado Coração de Maria), com o suicídio da professora da 4ª série primária, a diretora Madre Edmunda Montenegro OSB me colocou, durante uns dias, enquanto não arranjava uma substituta, à frente da turma. Vale ressaltar que eu tinha apenas dez anos de idade e fazia o 5º ano primário. Creio que a madre enxergou a minha vocação para professora. Sete anos mais tarde, eu já estudava na Academia Santa Gertrudes, matriz do colégio anterior, e fazia o Curso Pedagógico. Eu estava como professoranda, prestes a terminar o 3º ano, quando fui convidada a ensinar no próprio colégio. A diretora insistiu, mas eu lhe fiz uma contraproposta: ela colocaria uma barra, um piano e uma pianista para me acompanhar nas aulas, pois eu não queria ser professora primária; queria mesmo era ensinar balé, o que já fazia no Recife. E o colégio cedeu. Ensinei balé na Academia Santa Gertrudes em 1969 e 1970. Parei porque, além das aulas que eu dava no C.D.C. Flavia Barros, eu era primeira bailarina do Grupo de Recife, e estava exausta de tanto trabalho.


4º – Flavia Barros e sua sócia Ruth Rozembaum viajaram durante o mês de janeiro de 1966, e me deixaram dando aulas em várias turmas. Eu fiquei sozinha com uma responsabilidade enorme: dava aulas e recebia o pagamento das mensalidades. E ia para casa, pegando dois ônibus, quando meu pai não podia me apanhar, com a bolsa cheia de dinheiro. Quando elas voltaram de viagem, alunos e mães estavam satisfeitos com o meu desempenho. Resultado: fui contratada como professora da escola. Agora, no dia 1º de março, oficialmente, completei 50 anos dedicados ao ensino do balé, assim discriminados: sete anos em Recife e 43 em Maceió.

Sou bailarina (dancei até os meus 51 anos), coreógrafa e professora de balé. Gosto dos três ofícios, mas, sem dúvida, ensinar, passar adiante os meus conhecimentos, acompanhar o desenvolvimento técnico e artístico de um aluno, tem um sabor especial. Adoro uma sala de aula, principalmente se os alunos são atentos e receptivos. Não faço questão de dar aulas a talentos, pois eles são, geralmente, preguiçosos e confiantes demais no dom que Deus lhes deu. É preferível dar aula àqueles que têm mais dificuldades, mas que trabalham com afinco, com garra. O aluno ideal é o vocacionado. E, se eu tenho um vocacionado talentoso, estou no paraíso.




Concluindo: acredito piamente que sou uma vocacionada e que o Criador me facilitou o caminho. Muitas portas e brechas foram abertas para que eu enxergasse o ensino do balé como uma bela missão. Continuo estudando e pesquisando bastante; sempre atenta ao que se passa no mundo em relação ao balé, pois o meu crescimento como mestra se reflete, sem dúvida, na nossa escola, nos nossos alunos, nos nossos espetáculos.

                                                   Eliana Cavalcanti

                                                7 de março de 2016

Obvs. As duas primeiras ilustrações foram com base em fotos de  Jean Charles Waletet



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