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terça-feira, 20 de setembro de 2016

Ministério Público, prevenção, atos ilícitos

Este material foi publicado em Campus/O Dia

O papel extrajudicial e preventivo do Ministério Público diante da prática de atos ilícitos


Alexandra Beurlen

Titular da 11a Promotoria de Justiça da Capital e Mestre em Direito


Eduardo Bastos
Para além da propositura da ação penal, o Ministério Público brasileiro, desde a Constituição Federal de 1988, ganhou um papel especial no quadro de garantias de direitos dos cidadãos. Passou a ser “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”  (art. 127, caput, da CF).
Passaria então a haver uma contradição entre o conhecido papel de autor da ação penal, perseguidor de criminosos, e de defesa desses direitos? Claro que não! Na ação penal, o Ministério Público defende o interesse da sociedade em punir e recuperar aquele cidadão que apresentou uma conduta desviante, mas isso não o impede de cumprir seu dever de garantir, a esse mesmo indivíduo, que lhe sejam assegurados os direitos que não perdeu com a prática delitiva.
Uma forma de atuação consensual entre os papeis institucionais do Ministério Público ganha relevo com a consciência que toma o Promotor dos fatores que influenciam na formação do criminoso. Passa o Ministério Público a ter a necessidade de identificação (gerada com tal consciência) dos mecanismos existentes (ou não), necessários e suficientes, à ressocialização e à prevenção da “formação” de novos criminosos da mesma natureza.
Percebendo-se causas socioeconômicas e culturais que levam o indivíduo a delinquir, é indispensável ao Ministério Público, para o fiel desempenho de sua missão, que provoque as autoridades responsáveis a prover a população com políticas públicas aptas a impedir tais circunstâncias.
Observou-se, por exemplo, que cerca de 70% dos autores de atos infracionais, em Maceió, encontram-se fora da escola, por diversas e distintas causas de evasão. Estendendo essa constatação local para a América Latina, estudo da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais, apresentado em julho/2016, mostra que o jovem com baixa escolaridade tem 6.500% mais chances de ser vítima de homicídio que outro na mesma faixa etária, com boa escolaridade, comprovando que estar fora da escola é um dado presente na violência cotidiana.
Pode-se dizer que tal constatação impõe ao Ministério Público uma atuação (judicial ou extrajudicial) que provoque os aparelhos estatais à adoção de medidas necessárias e suficientes à prevenção/redução da violência, através do combate à evasão escolar.
Como exemplo dessa “preocupação” constitucional do Ministério Público, ainda não tão conhecida da sociedade, gerando atuação extrajudicial relevante, tem-se o Fórum de prevenção e combate ao uso de álcool, tabaco e outras drogas por crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes, formado em abril de 2016 em Maceió. É que, dentre as causas de evasão escolar que se destacaram na vida dos autores de atos infracionais na cidade, estão o uso de entorpecentes e a insegurança gerada nos arredores das escolas pela presença do traficante de drogas.[1]
Movido por esses dados concretos, o Ministério Público, no exercício de suas atribuições constitucionais, provocou a formação de Fóruns de Prevenção e Combate ao uso de substâncias psicoativas por crianças e adolescentes (entre outros), através de Promotorias distintas, que permitisse observar o problema sob a perspectiva multidisciplinar[2].
Trazer o uso e o comércio de álcool, tabaco e outras drogas para a mesa de discussão entre sociedade civil e os poderes e instituições do estado, identificando-se fatores que impulsionam crianças e adolescentes, cada dia mais cedo, ao consumo de tais substâncias, é papel primordial do Fórum, para que se possa propor ao Poder Público, através das esferas correspondentes de atribuição, a elaboração de políticas públicas adequadas a evitar tal doença e a prática delitiva.
Em Maceió, nas reuniões do Fórum, já se percebeu que a carência de vagas na educação e em creches, em horário integral, próximas às residências dos adolescentes, é um fator que impulsiona os jovens, cada dia mais cedo, para as ruas e o convívio com todas as formas de violações e violência, vez que seus familiares se ausentam de casa para prover o sustento de sua família e deixam crianças e adolescentes sós. A carência de vagas nas escolas levando para o tráfico e uso de psicoativos, que, por sua vez, fomenta a evasão escolar e a prática do ilícito.
Pensar em possibilidades de enfrentamento dos graves problemas sociais, gerando demandas para os órgãos competentes, é a atribuição do Ministério Público que se pretendeu evidenciar. Tão fora da esfera repressiva e reconhecida pela população, mas dentro do grandioso universo que seu papel constitucional de defesa dos direitos fundamentais oferece.


[1] Esta também é uma percepção de Promotores de Justiça da Infância em muitos estados da Federação.
[2]Iniciativa já adotada em vários estados da federação, como SP e RS, por exemplo

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