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quinta-feira, 4 de maio de 2017

Anemia falciforme: história em Alagoas

O negro em Alagoas: história e doença falciforme

Rosana Brandão Vilela e Luiz Sávio de Almeida

Uma pequena introdução

            Desde 1995, o Programa Falciforme (UFAL) se desenvolve em Alagoas e vem exigindo uma avaliação de sua sistemática de trabalho e da produção científica que promove, operando, a avaliação, em pelo menos cinco eixos essenciais: o da excelência, o da implicação social dos resultados das pesquisas, o que diz respeito à vida acadêmica, o que se refere à implicação nas políticas públicas e, finalmente,  o do nível de organização da sociedade civil através da militância de familiares e de pessoas portadoras da doença.
            Essa avaliação está sendo programada e requer uma reflexão sobre a rede social da doença, as suas articulações com o conjunto da sociedade, economia e política. Estamos diante da  ligação entre o processo histórico falciforme  e o  contexto onde  a doença se localiza.  A introdução da expressão processo histórico falciforme implica considerar que não se fala da doença apenas como ente biológico, mas como elemento do próprio processo histórico.
Este nosso artigo é pensado no âmbito da avaliação que deve acontecer, mas seu objetivo essencial é destacar a relação entre o processo falciforme e o cotidiano, e nos louvaremos, sobretudo, no que foi produzido no âmbito do Programa Falciforme (UFAL). O nosso caminho será o de ressaltar os dados obtidos no contexto epidemiológico, tanto sobre o social como sobre o genético, devendo, contudo, ser considerado, com ênfase,  que entendemos o processo  como político, tanto por se tratar da baixa renda, como por se tratar do negro. O que é chamado de doença jamais poderia escapar do jogo do poder.

Da anemia à doença falciforme

Evidentemente, desde muito, a doença falciforme, por conta do escravismo, ampliou seu território, vindo da África para - no caso – o  Brasil em geral e Alagoas em particular.  Este é um movimento que seguramente vem do século XVI e se intensificou ao longo do tráfico de escravos. O processo histórico fez a nossa doença falciforme; ela, apesar de manter uma raiz africana no tempo, é detalhe de outro local e circunstância, nos quais existe e interage: o cotidiano de Alagoas. Desde logo fica claro que é uma imprudência pensar em falciforme abstraindo o contexto alagoano, significando dizer que se tem toda uma estrutura local inerente ao modo e forma do processo ou do andamento do falciforme no tempo das relações comunitárias.
Peter Fry (2005) quando escreve sobre as relações entre falciforme e corpo, apresenta, com base em Melburner Tapper, que se desenvolveram quatro discursos principais sobre a anemia falciforme: o da biologia molecular, o da medicina clínica, da antropologia biológica e, finalmente, o da genética, no qual, segundo enfatiza, prevalece a lógica mendeliana.
Na verdade, são vertentes que, cada uma a seu modo, falam obrigatoriamente da organização política inerente a este processo falciforme, mesmo que não fique evidente nos textos. É um processo em que se realça o poder, inclusive, pelo fato de ter impulso na consistência que assume o movimento negro e na paulatina inclusão da doença falciforme na luta pela afirmação negra.
A partir de 1990, a doença falciforme vai se tornando matéria de preocupação política negra, colocada gradativamente no centro das reivindicações dos setores engajados na questão e formados na sociedade civil, atingindo o Estado, inclusive,  no sentido da pressão por políticas públicas. A patologia passa a assumir, então, um papel essencial no corpo das reivindicações do movimento e perde a carga negativa de mera doença, apontando para os ganhos necessários em saúde, transformando-se, portanto, em matéria de reivindição. Desse modo, o falciforme, bem mais do que uma doença, transforma-se em enunciado nas reivindicações que circulam em torno do vasto espectro do que pode ser chamado de elementos da luta pela reconstrução do papel do negro na sociedade brasileira. A afirmação política do falciforme abrange em torno de 20 anos de política brasileira.  E, no caso, estamos a um século da descrição da doença nos Estados Unidos em 1910.
Há, portanto, uma marcha nacional brasileira da incorporação da doença falciforme como doença nossa e ela acontece na medida em que se coloca o negro como evidência; ele na correlação nacional de forças.  Não fosse assim, ficaria tão excluída quanto se procurava fazer crer que o próprio negro estava. Note-se que o aconselhamento genético no Brasil vem da década de 50, conforme se pode ler em Diniz e Guedes (2003).  Ocorre uma ligação intrínseca entre movimento negro e geração de uma perspectiva pública para a doença falciforme, como se pode ver discutido em diversos textos e com diversos enfoques,  como o repasse realizado  por  Macedo:

Ao longo da dissertação busquei demonstrar que a década de 1990 inaugura uma série de políticas como resposta a demandas do movimento negro no que tange à denominada saúde da população negra. O caso da doença falciforme foi destacado enquanto política específica dentre as inúmeras propostas de políticas de recorte racial. De acordo com Fry (2005, p.276), a emergência da doença falciforme no contexto da “saúde da população negra” representa que a doença, mais do que uma condição biológica do indivíduo portador, atua como um elemento importante na formação de uma identidade racial. (2006, p.71)
            Há necessidade de se estabelecer uma distinção. Ao longo do tempo, houve forma diferenciada de trato político e clínico do que seria entendido como falciforme.  Falava-se enfaticamente de anemia e com isto restringia-se o universo do que poderia ser diagnosticado e reivindicado. Foi então dada a amplitude que se estabelece na expressão doença falciforme, basicamente no final da década de 90. O termo doença falciforme, hoje, se restringe ao gen βs em homozigoze (SS), enquanto que doença falciforme abrange a anemia e também a associação do gen βs com outras hemoglobinopatias.
 Nota-se que os discursos genéticos não isolam, mas embasam condições políticas, da mesma forma, por exemplo, que trazem os haplótipos quando se trata da biologia molecular. Estamos diante também de interferências na medicina clínica, na dita antropologia biológica e na integração da lógica mendeliana, dando-nos a entender que um elemento do universo político consolida o processo falciforme: a noção de poder perpassada pela de movimento em reivindicação e que, como hipótese, poderia ser explorada dentro da questão étnica e não categoricamente racial.
            Os ganhos em reivindicação política foram paulatinamente reforçados pelos ganhos no conhecimento científico, de tal forma que no processo histórico falciforme foi sendo dada maior abrangência de pressão sobre as linhas públicas de saúde, a partir de posições da sociedade civil organizada em movimento. Desse modo, pode ser observado que ganhos na ciência tiveram condições de ser ganhos políticos, o que não aconteceria sem a vigilância do movimento, mesmo que não tenha sido formal e, sem dúvida, ela pressionou pela resposta do Estado.
 Este pode ser considerado como um raro momento, em que o movimento popular apropria-se do conhecimento científico e o toma para as pautas imediatas de reivindicações. Por outro lado, deve ser considerado que não é matéria, grosso modo, de prioridade para o que poderíamos chamar de elite, ao contrário de outras patologias menos frequentes e que detêm verbas orçamentárias bem superiores às destinadas à doença falciforme. O jornalista Biancarelli (2003) escreve na Folha de S. Paulo, em seu artigo Pacientes organizados têm mais benefícios:
Viver ou morrer depende não só da doença que se tem, mas também do lobby que se organiza em torno dela. O nível de gravidade e letalidade das patologias costuma depender igualmente do grau de organização de seus pacientes e familiares... Às vezes este critério chega a ser mais cruel e discriminatório do que a própria doença.
Em grande parte, da pressão do movimento popular resultaram três importantes portarias ministeriais. A primeira instituiu, em 1996, o Programa de Anemia Falciforme (PAF); a segunda (2001) determinou a realização da triagem neonatal e a terceira (2005), o atendimento integral ao paciente falciforme. Nota-se, sem dúvida, um avanço em direção ao trato do falciforme e ele ocorre em torno de dez anos mínimos de pressão, embora o primeiro momento organizado de reivindicação do movimento negro sobre a doença falciforme leve-nos à década de setenta do século passado, conforme Jesus et al. (2008)  No marco inicial existe uma tomada de consciência da questão da associação genética e da afinidade política entre negro e falciforme, fundada na anemia que se transforma em símbolo de uma condição de saúde tipicamente negra e que pode ser estendida para a discussão de etnia.
            Há um avanço no diagnóstico da presença falciforme na população, com a triagem neonatal que, imediatamente, aponta para demanda por serviços de saúde especializados. Amplia-se qualitativa e quantitativamente o trato do falciforme pela abrangência sobre as hemoglobinopatias e criação de um mecanismo de informe público e de identificação de portadores do gen βs ao nascer. Devemos considerar que essa é uma inovação fundamental, pois o sistema, responsabilizando-se pela identificação em massa neonatal, seria obrigado a aceitar o conjunto falciforme como responsabilidade pública.

Doença, cultura e cotidiano

Basicamente, a fisiopatologia da doença falciforme consiste na substituição de uma base no códon 6 do gene da globina beta, com a substituição de uma adenina por timina (GAG → GTG). Esta mutação resulta na permuta do resíduo glutamil pelo valil (β6Glu → Val), provocando a polimerização das moléculas dessa hemoglobina anormal (HbS) quando desoxigenadas (COSTA, 2001).
As moléculas de HbS, quando desoxigenadas, se organizam em longos feixes rodeados de seis filamentos duplos de polímeros. Esses feixes de "cristais" dentro das hemácias determinam as deformações das células, dando à hemácia uma forma alongada conhecida por "hemácia em foice" (COSTA, 2001; ZAGO; PINTO, 2007).
            Os eventos citados caracterizam a doença falciforme por episódios vaso-oclusivos, hemólise, ativação de mediadores inflamatórios e disfunção das células epiteliais. Isso ocasiona uma diminuição do fluxo sanguineo e obstrução da microcirculação acarretando anemia, crises álgicas e insuficiência de múltiplos órgãos (COSTA, 2001; COSTA; ZAGO, 2001; ZAGO; PINTO, 2007).
É sabido que o processo saúde-doença não pode representar um campo separado da dinâmica social. Pelo contrário, tem um caráter peculiar que inclui a multidimensionalidade e, portanto, a multidisciplinaridade. O processo não pode ser considerado como algo em si, mas em uma relação em que se tem desde o biológico até o cultural.  Minayo afirma:
Saúde e doença constituem metáforas privilegiadas para explicação da sociedade: engendram atitudes, comportamentos e revelam concepções de mundo. (2008, p.258)
            Trata-se, portanto, de um fenômeno clínico e social vivido culturalmente e, assim, importa tanto por seus efeitos no corpo, como por suas repercussões no imaginário. Para o estudioso da psicologia social Moscovici (1978), as representações sociais circulam, cruzam e cristalizam-se através da comunicação em nosso universo cotidiano.
A investigação das representações sociais sobre saúde e doença em uma determinada patologia, remete-nos, necessariamente, ao campo de uma “teoria popular”, a um conhecimento particular acerca do fenômeno saúde/doença entre o grupo, elaborado a partir de experiências de vida num contexto sociocultural determinado.
Embora frequente na população, a doença falciforme  ainda não faz parte do dia a dia do diagnóstico médico e de profissionais em saúde e nem da sociedade em geral. Isso se deve, possivelmente, à associação dos sinais e sintomas a outras doenças mais frequentes como a anemia ferropriva, hepatite e doenças reumáticas, algumas relatadas entre os afro-descendentes desde muito tempo (FREITAS, 1935). Esse desconhecimento também na classe médica é uma realidade nossa que tende a ser minimizada com a triagem neonatal.
            Capra (1995) comenta que o modelo biomédico que orienta o pensamento dos profissionais da saúde está influenciado pelo paradigma cartesiano, no qual o corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisado por peças. Essa visão, em nossa opinião, reduz a possibilidade de compreender o processo saúde-doença como fenômeno multidimensional, pois revela que a concepção da racionalidade científica privilegia apenas as variáveis biológicas desse processo.
Como uma doença crônica ainda pouco conhecida e, portanto, negligenciada, o diagnóstico é tardio, e muitas vezes são comuns no cotidiano destas pessoas inúmeros atendimentos em serviços de emergência e frequentes internações que se constituem em momentos de desequilíbrio e de dificuldades para o paciente. Além disso, conforme Cordeiro e Ferreira:
[...] o contexto dos serviços de saúde como espaço de manutenção e legitimação das desigualdades sociais e raciais permite que sejam criados mecanismos para práticas de discriminação racial e de gênero por meio de atitudes negativas (2009, p. 354).

Um pouco sobre o processo falciforme em Alagoas

Início e Programa Falciforme

É interessante notar que um dos artigos pioneiros sobre a doença falciforme no Brasil data de 1947 e foi escrito em área de grande densidade negra: a Bahia. Trata-se do texto de J. Acioly, intitulado Anemia falciforme: apresentação de um caso de infantilismo ([1947]1973). O primeiro diagnóstico em Alagoas – de que temos conhecimento - foi realizado no Laboratório de Análise Clínica do Hospital José Carneiro – confirmado por laboratório americano – por Alzeni Câmara Carvalho de Almeida.  No entanto, a pesquisa sobre a doença no estado só vem ter expressão na década de noventa, cerca de trinta anos após. Observe-se que o inusitado do diagnóstico levou a uma consulta em centro avançado de pesquisa. É necessário o movimento negro forçar, como representante de segmento da sociedade civil, as armações dos serviços classistas do estado, que jamais iriam priorizar a baixa renda, as populações marginais ao sistema e, especialmente, negro, elemento marginalizado tanto no escravismo quanto no capitalismo.
Como passo inicial do que acontecerá em nosso estado, deve ser visto que na década de 70 surgiu o Hemocentro de Alagoas (HEMOAL), que diagnosticava e acompanhava clinicamente casos de doença falciforme, sem, no entanto, ter condições laboratoriais, na época, para exames mais refinados, capazes, por exemplo, de identificação de associação entre as hemoglobinopatias. Não se pode deixar de reconhecer que a criação do HEMOAL foi de alta importância para o trato da hematologia e hemoterapia no estado, e, no caso da doença falciforme, teve um papel central tanto de conhecimento como de prestação de serviços. E este panorama passa a mudar, na medida direta em que, na década de 1990, teve-se a estruturação do Programa Falciforme no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA) da Universidade Federal de Alagoas.
Na realidade, contudo, o HEMOAL ainda não tinha a função de pesquisa, embora ligado à Escola de Ciências Médicas, atual Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL) e que se encontrava em consolidação, sem maiores atividades de pesquisa e extensão. A consolidação da pesquisa sobre a doença falciforme foi possível na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), pela integração, basicamente, de genética médica e hematologia. Disso resultam projetos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso e pós-graduações, repercutindo tanto no HUPAA quanto no HEMOAL. Como se nota, gradualmente foi sendo formado um corpo de pesquisadores e interessados no estudo da doença falciforme, inclusive ampliando para outras áreas científicas, como ciências sociais e psicologia.
Posteriormente, o HEMOAL atualiza-se técnica e cientificamente, ao ponto de podermos falar na existência no estado, atualmente, de dois núcleos de referência em doença falciforme: ele e o HUPAA. Na época em que se institucionaliza o Programa, ele era ligado aos serviços de Hematologia do HUPAA, onde permanece, com integração acadêmica com as áreas de Genética Médica, Clínica Médica, Pediatria, Ciências Sociais e Psicologia.
Na realidade, quando surge o Programa Falciforme, em 1995, sua preocupação básica era referente ao trabalho social junto a pessoas portadoras de doença falciforme e seus familiares. Frisamos o fato de ser um trabalho social para demonstrar que estava além da linha laboratorial ou simplesmente clínica.  O fundo de suas preocupações era o repasse de informações com o objetivo de possibilitar o autocuidado, facilitando o trato da pessoa e da sua família com a doença, numa perspectiva de educação não formal associada a grupos específicos; no caso seria educação para a saúde, privilegiando o falciforme.
Um dos caminhos seguidos foi a promoção de encontros de pessoas portadoras de doença falciforme e seus familiares. A constância e o nível da discussão estabelecida levaram a que os participantes fundassem a Associação de Falcêmicos de Alagoas (AFAL) e, posteriormente, a Associação de Pessoas com Hemoglobinopatias de Alagoas (APHAL), para maior representatividade social e política das pessoas portadoras da doença. Isso, sem dúvida, fortalecia a possibilidade de uma atuação em defesa dos interesses do grupo, pela organização daquela parcela da sociedade civil. Hoje a APHAL, junto ao HEMOAL, assumem o programa educativo para as pessoas portadoras de doença falciforme e seus familiares.
No entanto, o Programa gerava outros ganhos. Um deles foi a estruturação do Ambulatório do HUPAA para o paciente falciforme, com a organização dos protocolos e sistemática de atendimento. Isso inaugurou uma continuidade de trato ao paciente e, então, ao acompanhamento, o que representava, também, ganhos de conhecimento sobre a doença falciforme e seu modo de apresentar-se social e clinicamente.
Ao mesmo tempo, deslanchou uma programação de pesquisa somando alunos e professores que começaram a estudar com maior ênfase o falciforme, gerando trabalhos de conclusão de curso, projetos de iniciação científica, textos para cursos de especialização e mestrado, além de material para encontros, congressos e similares, abrindo para áreas não médicas, como ciências sociais e psicologia.
Neste contexto o laboratório do HUPAA foi fundamental para subsidiar as investigações e tratamentos clínicos, mesmo não dispondo de métodos sofisticados para o diagnóstico da doença. Atualmente, o diagnóstico da doença falciforme pode ser realizado no HEMOAL e no Laboratório de Triagem Neonatal do Estado, havendo possibilidade de investigação no nível molecular.

Um informe sobre as pesquisas realizadas em Alagoas

           
Ao lado das conquistas sociais e políticas que comentamos brevemente no item anterior, uma série de estudos e pesquisas foram realizados em Alagoas no campo da doença falciforme. Vamos nos deter nos trabalhos que lidaram com os aspectos genéticos e de epidemiologia e listar, em anexo, a bibliografia alagoana. Para melhor documentar este campo de estudos e pesquisas, colocamos em anexo um levantamento preliminar do que foi produzido por nossos pesquisadores, não incorporando Naoum (2000) por se tratar de trabalho sobre Alagoas e não produzido aqui no Estado.          
O campo de pesquisa percorreu uma trajetória. Iniciou com trabalhos de natureza genética/epidemiológica;  depois surgiram textos clínicos e, posteriormente, apareceram escritos na  área de biologia molecular e, finalmente, as investigações  incorporaram as linhas de ciências sociais e psicologia. É claro que a temática vai se somando ao longo da construção do campo, mas a nossa tendência se encontra na área clínica, especialmente pela deficiência no Estado, quanto à infraestrutura de investigação laboratorial. Uma grande parte desta produção vem da iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso, mormente na Clínica Médica.
            Mencionaremos, em primeiro lugar, os trabalhos que falam sobre genética e epidemiologia da doença falciforme. O  primeiro trabalho foi publicado em 1995. Essa pesquisa mostrou uma prevalência de 4% do gen βs – traço falcêmico – entre as gestantes do HUPAA e serviu de incentivo para outras pesquisas sobre o assunto. O quadro 1 apresenta o apanhado dos trabalhos publicados, realizados em Alagoas em populações distintas. Os resultados mostram que as pesquisas realizadas com os recursos existentes naquela época são coerentes com os resultados que aparecem nos dados oficiais da triagem neonatal do Estado de Alagoas (2010): 3,00%, relatados durante o Fórum Alagoano sobre Doença Falciforme (ESTELITA, 2010).



Quadro 1
Trabalhos publicados sobre prevalência do traço falciforme em Alagoas
Publicação
Autor
População
Prevalência
em %
1995
Vilela; Silva; Bandeira (1995)
Gestantes do HUPAA
4,0
1997
Silva; Figueiredo (1997)
Serviço militar do 59º B!MTZ
2,72
1999
Brasil Jr (1999)
Alunos de escolas fundamentais por amostragem de todas as regiões do Estado


3,07
2001
Thomaz; Moreira; Souza (2001)
Gestantes do HUPAA
Recém nascidos (HUPAA)
3,16

2,26
2005
Gomes (2005)
Doadores do HEMOAL
2,06
2009
Lipinski-Figueiredo et al., 2009);
Amostra dos recém-nascidos do SRTN

2,35
    Fonte: os autores do artigo
Ainda sobre genética e epidemiologia, foram produzidas investigações sobre o genótipo das pessoas portadoras de doença falciforme. Como se pode ver, muda o escopo da investigação. No primeiro grupo de pesquisas, sabendo-se que a causa da doença falciforme é uma mutação pontual do gen β globina que codifica uma hemoglobina anormal – hemoglobina S –, a preocupação estava em encontrar pessoas portadoras do gen βs – traço falcêmico –, dentro da população em geral ou segmentos dela. Neste segundo caso que estamos comentando, a preocupação era com a tipagem do genótipo do paciente acompanhado nos centros de referência para a doença: HUPAA e HEMOAL.  
Como se pode verificar, houve demanda por maior complexidade na  pesquisa, o que implicava maior instrumental laboratorial, especialmente para a quantificação das hemoglobinas e identificação dos haplótipos.
A fisiopatologia multifacetada da doença apresenta  alterações que acarretam anemia, crises de dor e insuficiência de múltiplos órgãos. As manifestações clínicas complexas e diversificadas são influenciadas pela característica genética, que determina a concentração intracelular de hemoglobina S e pelos haplótipos, entre outros fatores.
A dupla herança é o genótipo mais frequente no nosso meio, tanto que em Souza (2004) aparece em 77,95% dos pacientes do HUPAA e em Lima (2009) o genótipo SS aparece em 62,2% dos pacientes do HEMOAL, como podemos observar no quadro 2.
Quadro 2
Trabalhos publicados sobre prevalência do genótipo em pessoas portadoras de doença falciforme em Alagoas
Ano
Autor
População
Genótipo (%)



SS
Sβ+
Sβ0
SC
2004
Souza, JS
Pessoas com DF acompanhadas pelo serviço de hematologia do HUPAA (N=59)
77,95

6,77
3,38
1,69
2009
Lima
Pessoas com hemoglobinopatias acompanhadas pelo HEMOAL (N=188)
62,2%

1,1 %
5,1%
Fonte: os autores do artigo

As diferenças observadas entre as duas pesquisas podem estar associadas a diversos fatores, como o tipo de registro, objetivo e método de investigação laboratorial diferentes; além disso, no HUPAA, os registros trabalhados foram especificamente de pacientes com a doença falciforme, enquanto que no HEMOAL trabalhou-se com o conjunto das hemoglobinoplatias.
No que diz respeito às pesquisas realizadas sobre a determinação dos haplótipos do gen βs das pessoas portadoras da doença falciforme no Estado de Alagoas, existe apenas a conduzida por Vilela, Almeida e Figueiredo, datada de 1998, que discute também os resultados, tendo em vista o processo de formação da sociedade brasileira, desalojando o haplótipo como apenas indicador no escravismo, para trabalhar a sua feição no capitalismo brasileiro e seus resultados regionais. Apesar de os dados estarem defasados no que diz respeito às informações sobre África e Brasil em geral, decidimos incorporar elementos do trabalho original com a finalidade de demonstrar o que vamos chamar de geografia do haplótipo brasileiro.
Tendo em vista a escassez de dados em relação aos haplótipos do gen bs, a frequência da doença falciforme em nosso Estado, e a acentuada heterogeneidade genética da população brasileira, o estudo realizado se propôs a analisar  a frequência dos diversos haplótipos do gen bs  entre os pacientes com anemia falciforme (SS) do Serviço de Hematologia do HUPAA/UFAL para confirmar a origem antropológica do gene, suas relações sociais e distribuição espacial.
Nos países Africanos, haplótipos específicos estão consistentemente associados a grupos étnicos da região. Desta forma, os haplótipos são nomeados pelo nome da região geográfica onde eles são mais frequentemente encontrados: Benin (BEN), República Centro Africana (CAR), Senegal (SEN), Arábia Saudita, Ásia ou Cameroon (CAM). Os três mais frequentes haplótipos encontrados nas Américas são BEN, CAR e SEN (POWARS, 1991).
            A frequência de haplótipos do gen βs no Brasil foi analisada por alguns estudos que sugerem predomínio do haplótipo CAR em S. Paulo e, na Bahia, as frequências dos cromossomos CAR e BEN são semelhantes (ZAGO; FIGUEREDO; OGO, 1992; COSTA et al, 1993; FIGUEIREDO,1993; QUEIROZ, 1996). Além do aspecto antropológico, a descoberta dos haplótipos do gene da HbS representou interesse particular na anemia falciforme, pois os diferentes haplótipos poderiam fornecer informações sobre as variações na gravidade clínica nesta doença (ZAGO; FIGUEREDO, OGO, 1992).
            Na tabela I estão resumidos os resultados da análise dos haplótipos. 54 (79,4%) de 68 cromossomos estudados foram do tipo CAR (Bantu), e 14 (20,6%) foram do tipo BEN (Benin). A combinação mais comum foi CAR/CAR (21 pacientes) seguida por CAR/BEN (12 pacientes). Apenas um paciente apresentou a combinação BEN/BEN (Tabela II).
 

Tabela I - Distribuição do Haplótipo βs nos cromossomas de pacientes com anemia falciforme do HU/UFAL

 Haplótipo βs
Cromossomas
  n                            %  
Bantu
54
79,4
Benin
14
20,6
TOTAL
68
100,0




Tabela II - Combinação dos Haplótipos em Pacientes com  anemia falciforme do HUPAA/UFAL

Combinação dos Haplótipos
Pacientes
---------------------------
               n                            %  
CAR/CAR
21
61,8
CAR/BEN
12
35,3
BEN/BEN
01
2,9
TOTAL
34
100,0

Tabela III - Distribuição da Combinação dos Haplótipos em São Paulo, Salvador e Alagoas
Combinação dos Haplótipos
São Paulo
(%)
Salvador
(%)
Alagoas
(%)
CAR/CAR
38,16
20,00
61,80
CAR/BEN
44,74
52,70
35,30
BEN/BEN
10,53
17,40
2,90

               Na literatura sobre a escravidão, é pacífica a afirmativa quanto à existência de um lastro bantu na feitura da colonização açucareira nordestina, tão logo Portugal avançou sobre o que era chamado de Angola. Desse modo, não causa qualquer surpresa verificar os dados produzidos sobre os pacientes do HUPAA, informações que doravante serão citados como Alagoas. Também não causa qualquer surpresa estudar os resultados que foram produzidos para São Paulo e Salvador. A possibilidade de trabalhar comparativamente esses dados é animadora e significativa, pois nos dá margem a ir às raízes do processo histórico nacional. Nessa comparação está levantada uma tese: os haplótipos, para fazerem sentido em sua historicidade, devem ir, obrigatoriamente, para além do escravismo.
              Convém considerar que os haplótipos são atualidades, e que são elementos políticos. Desejamos deixar claro que, do ponto de vista histórico, não falam apenas sobre singularidades orgânicas, mas sobre coletividade. Tudo decorre do fato de que sangue é tempo e, nisso, não é um marcador cronológico, mas em andamento, algo contínuo. Somente partindo dessas proposições é que os resultados obtidos pelos autores começam a ter peso historiográfico, pelo fato de estarem sendo vistos como implicados em relações sociais, em rede. Então, a expressão estatística do haplótipo aparece associada ao tráfico intenso, externo e interno e ao processo de migração que se deu, especialmente, fora do escravismo. Sabemos o quanto de polêmico é abrigado pelo termo escravismo. É fundamental esclarecer que para efeito deste texto ele está sendo entendido como sistema de produção que tem como base a força de trabalho escrava. Essa proposição reduz a pompa teórica das discussões, mas é suficientemente operacional para o objetivo do texto.
               Ao que nos parece, a tendência da literatura que vem lidando com o haplótipo (observação realizada em 1998) é a de realçar o escravismo pelo previlegiamento dado à origem, como se, sub-repticiamente, se desejasse deslocar o Brasil para a época ou deslocar-se a África para o Brasil. Essa nossa afirmativa relativa ao deslocamento é necessariamente provocativa, pois implica, inclusive, o modo de lidar historicamente com o genético: não é o encadeamento orgânico que atribui um local ao fato; essa atribuição é dada pela natureza e forma das relações sociais.
               Possivelmente, vários fatores estão circunstanciando esse privilegiamento das origens, do qual decorre aquele pertinente ao escravismo. No momento, é possível destacar alguns fatores, mas desejamos referir apenas: (a) o genético sem o seu contexto, (b) o fascínio da garimpagem do tempo no DNA e (c), como decorrência, a velha sensação de encontrar marcos iniciais de algo.
               A origem  é essencial, mas levar à fixação em torno dela pode ser – e de fato é – um sério inconveniente para a análise histórica, pois ela será mais valorizada que o processo, forçando a abstração do que é essencial ao sangue que estamos comentando: o político, ele mesmo uma permanente mutação. Desse modo, o elemento fundamental do haplótipo é a sua mutação, é o fato de ser tempo. O escravismo se encontra implicado ao haplótipo, mas ele, o haplótipo vai bem mais além, pois, por ser o processo encontra-se na superação do escravismo. É necessário romper com o quase místico da origem para dar ao sangue a sua densidade de tempo.
               Nesse ponto, o que parece óbvio deve ser revisitado: São Paulo, Salvador e Alagoas não são locais do escravismo, mas do capitalismo. Sendo tempo, o sangue atualizou-se em sua coleta, e nisso o haplótipo trouxe o que poderia ser considerado como essencial: o trânsito, a mudança e com isso se refere, sem dúvida, ao quadro estrutural que é o modo como se procedeu a diferenciação regional brasileira; essa regionalização ainda tem suas melhores indicações em Francisco de Oliveira (1993), trabalho a merecer permanente releitura. Francisco de Oliveira é tão básico sobre o Nordeste quanto Manoel Correia de Andrade (1963), pesando uma diferença de enfoque entre ambos.
               Esta discussão que realizamos, ampliando o significado do sangue, assentando o orgânico na formação social, permite-nos afirmar que estamos diante de um sangue radicalmente diferente do sangue do escravismo, embora continue mantendo um registro: a origem.
               Vamos tomar as indicações de São Paulo quanto ao haplótipo (Tabela III). Pelo menos dois fatores de grande importância estão implicados: a expansão cafeeira e a substituição das importações. Essa é a condição histórica do haplótipo estudado naquele Estado. Ela está associada à construção social, da mesma forma que a doença esteve associada com a malária (Hill et al, 1991), numa implicação direta com a natureza africana. O haplótipo se faz dentro do conjunto chamado cultura, chegando a ocupar posição central e de relevo, como se pode ver no trabalho de Edelstein (1986), que pontua a caracterização de mitos.
               A expansão do café e a substituição das importações correspondem a passos de realinhamento regional brasileiro e,  grosso modo, estariam correspondendo também à montagem do eixo de concentração do capital, que privilegiará sul e sudeste, e não o norte e nordeste. É dessa montagem e é desse eixo que especialmente o haplótipo de São Paulo fala. Com o café, transfere-se parte dos escravos nordestinos e com a substituição das importações, tem-se a transferência da pobreza nordestina, dentre inúmeros outros fatores, valendo recordar que já havia ocorrido remanejamento do escravo no século XVIII.
               Empobrecidos e negros são elementos mutuamente implicados; foi isso que o senhorial levou séculos construindo. Desse modo, quando os empobrecidos nordestinos vão para SP, carregam os negros nordestinos. Tomando emprestada uma expressão de Octávio Ianni citada por Almeida (2003), do ponto de vista do haplótipo, na medida em que se dá a metamorfose do escravo, ele engata-se no que vai ser chamado braço livre. Desse modo, ao atualizar-se na massa empobrecida, o haplótipo é, ao mesmo tempo, prova, testemunho e participação no processo nacional.
                   A combinação dos haplótipos CAR/CAR – 38,16% em SP (Tabela III) – demonstra a expansão do capitalismo  quanto à base bantu e, ao mesmo tempo, como, na região, deu-se a combinação de tipos, correspondendo a uma junção do que  o escravismo teimou em fazer disjunto. Ele, que sempre tendeu a desunir o escravo, tendeu a unir a base empobrecida: CAR/CAR está em 38,16%, CAR/BEN, 44,74% e BEN/BEN, em 10,53%. Juntando os semelhantes, temos uma base de 48,70%. O que se sabe é que a junção de semelhanças estimulava os temores pânicos senhoriais, mas não parecia assustar uma São Paulo capitalista, onde Angola, Congo, Moçambique e outras partes do mundo negro se transformaram em periferia, em desemprego e lupem, para usar a antiga expressão marxista, não como saudosismo político, mas como identificação de um contingente urbano.  Como se nota, quando o sangue se transforma em tempo na escrita, ele passa a ser um dado essencialmente político; o DNA se expande pelo conjunto de indicações que o haplótipo fornece sobre o processo do qual se demonstra inerente. 
            A composição de Salvador responde, também, pela adequação entre o encontro do haplótipo e as matrizes da formação histórica. Sabe-se da sequência das importações dos escravos, da transferência de população e o haplótipo sugere que a predominância nagô tem a ver com o processo histórico. A base está refletida na combinação. Observe-se que há uma predominância de CAR/CAR sobre BEN/BEN, dando-nos um subconjunto de 37,40%, inferior ao de São Paulo, cuja diferenciação, possivelmente, se dá pela expressão CAR/CAR (Tabela III).
               Nessa matriz de dados gerada pela pesquisa e pela comparação com os estudos de Salvador e São Paulo, o caso de Alagoas sugere uma realidade diferenciada. Quando se trabalha com a combinação dos haplótipos (Tabela III), São Paulo e Salvador tendem a um cluster, enquanto Alagoas é diferenciada. Em que, portanto, Alagoas se distingue; e no que o haplótipo estaria apontando para sua história? Convém considerar, de imediato, a diferenciação existente no tocante aos percentuais da combinação CAR/CAR, apontando para um nível bantu que  foge do peculiar às outras duas cidades, possibilitando-nos supor que há uma origem enfaticamente bantu e uma permanência bantu também enfática. Aqui, novamente, o sangue-tempo abre diversas hipóteses e ter-se-ia  que conhecer em detalhes a formação histórica estadual, para que alguém tivesse condições de afirmativas cabais sobre esta relação populacional com a base bantu, diferente de Salvador e de São Paulo, implicando a hipótese de diferentes combinações de haplótipos por áreas de escravismo e de construção do capitalismo. Possivelmente o processo econômico, mormente do açúcar e do algodão, construiu uma condição idêntica para Alagoas e Pernambuco (BEZERRA et al, 2007), que mantém também expressiva quantificação bantu.
               Alagoas é um dos estados mais empobrecidos dentro do Nordeste brasileiro. O modo típico de organização de sua produção, sua taxa de geração de emprego, a pressão até mesmo vegetativa do crescimento de sua população economicamente ativa e outros tantos fatores funcionam como expulsores de população.
               Alagoas expulsa população e não recebe; desse modo, a reprodução tende a ser sempre com elementos também de Alagoas e, no máximo, quando se pensa em litoral e mata, de gente procedente da área açucareira de Pernambuco; assim, a origem bantu tende a permanecer ou, em outras palavras, é altamente provável que sejamos um estado bantu,  marcadamente na mata e litoral, regiões historicamente açucareiras, com a expressão CAR/BEN e BEN/BEN  tendo sido constadas pelas áreas do baixo São Francisco.
               O resultado do estudo aponta para a necessidade de fazer uma história oral e familiar das pessoas que tiveram o DNA pesquisado e cujas vidas foram sumariadas no haplótipo, esta espécie de datação histórica e , na verdade, bom indicador sobre o processo.
               Nesse caminho da história de vida e do cotidiano o sangue vulgariza-se, no sentido de que passa a ser algo do vulgo, do indistinto, e não da ciência, e o DNA remete não para uma simples origem, mas para uma situação social perversa que vive o possuidor da doença falciforme. Até mesmo o nome falciforme tem um quê simbólico; refere-se à imagem da foice, aquela mesma que a morte carrega. No caso, não é apenas uma morte física; é também uma morte anunciada pelas condições sociais, conforme já diagnosticado em outro trabalho (Vilela e Almeida, 1997), na medida em que foi estudada a situação socioeconômica dos pacientes do HUPAA, ligados ao Projeto Falciforme, integrando-os dentro das linhas de pobreza estaduais. Com efeito, estamos diante de famílias com média de 5 componentes, e o paciente tende, neste contexto, a ser um entre cinco ou um entre três filhos de casais portadores do traço falcêmico. Isso significa um acentuado peso financeiro da doença sobre o conjunto familiar.
               Os dados batem com o consignado para todo o Estado de Alagoas, e não vamos repetir o que é conhecido, mas desejamos destacar que, no conjunto, cada elemento que trabalha sustenta a si mesmo e a mais dois componentes da família, um dos quais, possivelmente, é o paciente. No entanto, em alguns casos, é ele que vai sustentar a família com o benefício que recebe.
               Em resumo, o perfil das famílias falciformes é de extremo empobrecimento e, sem dúvida, a doença falciforme agrava financeiramente o orçamento familiar.
               Outro estudo (ARAÚJO; SILVA; VILELA) em 2004, também realizou uma identificação das características socioeconômicas e, basicamente, repete em suas conclusões os  resultados de Vilela e Almeida em 1997. Não houve modificação no alinhamento das características socioeconômicas da população falciforme. O estudo repete o fato de as famílias serem desfavorecidas economicamente, e que a doença tem peso negativo sobre o orçamento familiar, tornando-os ainda mais susceptíveis às complicações da doença e requerendo maior número de internações para as crianças portadoras de doença falciforme cujas mães eram menos alfabetizadas (OLIVEIRA; SANTANA; VILELA, 2000). No entanto, ela avança ao indicar ser necessária que os falciformes atuem politicamente para uma reivindicação direta por benefícios de políticas públicas consequentes, nos diversos níveis de administração.
               É extremamente difícil realizar um repasse do que se construiu em Alagoas em torno da doença falciforme, mas julgamos que fizemos um apanhado breve, porém significativo sobre o que foi produzido e sobre problemas orgânicos e sociais derivados dessa doença. Esperamos que haja uma contínua pressão sobre o poder público partindo da sociedade civil, e que o meio acadêmico, ampliado que está em Alagoas, integre-se ao que chamamos de família falciforme, um grupo social e político que representa sentido de alta importância histórica no conjunto da formação social brasileira. Conforme se pode derivar de Octavio Ianni, em escritos de Almeida (2003), a anemia, as doenças, o falciforme estão no que chamamos de processo e no deslocamento dentro da construção capitalista, numa sociedade que vive com inumeráveis inacabados.

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