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sábado, 15 de dezembro de 2018

Regência e os instrumentos da política local


Uma nota introdutória

Regência e os instrumentos da política local (I)

 Este material saiu publicado pela Editora da Universidade Federal de Alagoas e pela Fundação Casa do Penedo, datando de 1997. O texto é, praticamente, subproduto de nosso trabalho de doutoramento que discutiu o que aconteceu, primeira metade do século XIX, nas matas norte de Alagoas e do sul de Pernambuco, dando ênfase à Cabanada e à Praieira. Na verdade é um  escrito estimulado por Gildo Marçal Brandão e apresentado em reunião anual  da Anpocs.
Faz tempo que o pequeno livro, comportando dois trabalhos,  se encontra esgotado e decidimos republicar – no que estaremos contando com o apoio cultural do Sebrae/Al,  apesar de que Federalismo e região: dois breves estudos tenha sido elaborado com as preocupações e as tintas de 20 anos atrás. No fundo, contudo, as ideias básicas continuam oportunas. Um dos textos – este –trabalha a relação entre a Regência e a construção do poder local e o segundo discute o Padre Carapuceiro, com sua visão sarcástica sobre os costumes e política de um Pernambuco que, em tudo, assemelhava-se ao que se vivia em Alagoas.
Não realizamos alterações, salvo raras e pequenas intervenções, que não estariam incidindo sobre os argumentos. Então, o texto deve ser lido com este alerta: é passado um quarto de século, mas pode aflorar algumas questões sem dúvida excitantes. Os aspectos fundamentais abordados são os mecanismos desenhados e operados em torno do poder local e do agrarismo que se plasmou na vida da Província. Esperamos que com a nova edição, ele continue a ser útil para o estudo desta nossa Alagoas. Nesta pequena introdução, queremos agradecer a Francisco Salles, Gildo Marçal Brandão, István Yancson e a Dênis Bernardes que foram os inspiradores da primeira edição. 


Regência e os instrumentos da política local (I)
Luiz Sávio de Almeida

 I - A importância da Regência

A importância do período regencial na história política brasileira é matéria pacífica, não cabendo maior discussão sobre a afirmativa. Independendo do enfoque teórico com que se trabalhe o Império, ele tem que ser posto em destaque em face das definições que empreende e encaminha. Nesta comunicação, vamos entendê-lo como fase de transição entre as amarras portuguesas simbolizadas por Pedro I e novas circunstâncias para o encaminhamento do Estado Nacional.   
Esta fase de transição pode ser considerada como de longa duração, fértil em debates e propostas sobre a circunstância do Império, no que se pronuncia a luta entre facções, gerando maior nitidez sobre o que poderia ser considerado como grupo conservador e liberal.  Por outro lado trata-se de período em que se da forte expressão de setores dominados, no entanto, os grupos dominantes criam e consolidam instrumentos efetivos para a continuidade do controle. Portanto, é fase de intensa vida política, saindo dos embates da Abdicação para dar viabilidade a consolidação do II Império. Formalmente, as forças políticas senhoriais anteriores, realocam-se na Regência e constroem a Maioridade, no que se tem, dentre outros fatores, maior nível de consolidação do poder senhorial sobre a sociedade. Há de se ver, portanto, que a transição dava continuidade à postura básica do poder, cuja matriz ainda perseguia o rumo montado na colonização, onde poder e terra, poder e estrutura agrária estavam direta e visceralmente implicados.

II— A síndrome do medo

Por outro lado, neste mesmo período, setores populares acentuam a presença na vida política, ocorrendo ganhos de identidade no esquema corrente de correlação de forças, chegando alguns analistas a considerarem a existência de movimentos populares[i]. Apesar da dificuldade, que se tem para definir o que seria um movimento popular àquela época, a expressão é instigante pela sinalização de aberturas dentro do sistema de dominação, encontradas pelos segmentos populares que afluem nas lutas do período.
José Murilo de Carvalho identifica a existência de um ciclo de rebeliões e coloca em relevo a intensidade dos confrontos. As rebeliões são por ele enquadradas em dois grupos, com um situado entre a Abdicação e 1835, tendo comprometimentos urbanos. O mapeamento que realiza de tais rebeliões é discutível, como, por exemplo, o que estabelece para Pinto Madeira - dando a tropa como principal participante - no que passa por cima da complexidade da sociedade do Cariri; é também exemplo, o que é posto para a Cabanada como espécie de ressonância urbana, passando por cima da especificidade da luta dos setores dominados da mata norte das Alagoas e mata sul de Pernambuco.[ii]
Neste ponto, a grande importância do texto de Carvalho encontra-se no fato de que, ao comentar os malês, evidencia seguindo a pista aberta por João Jose Reis[iii] o medo que se tinha do dominado. No fundo da questão, Carvalho destaca um dos elementos essenciais da sociedade senhorial: o medo, um dos grandes conformadores da estratégia de dominação.
É deste modo, que a transição transporta em si mesma e conduz a base colonial da síndrome do medo e dos temores pânicos[iv]  para o II Império. Isto nos indica que nas mãos senhoriais, o imaginário dos temores pânicos transformava-se em condição básica da estratégia de dominação, sendo importante destacar que o termo cunhado pela governadoria de Pernambuco - em face de possível rebelião de escravos nas Alagoas de 1815 – estaria adequado aos cabanos de 1832.

III - Regência e poder local

É deste modo ou por tal motivo, que a Regência monta ou atualiza diversos instrumentos que operam no sentido de consolidar o poder local, ele mesmo, o grande instrumental de mando e controle na prática senhorial. Para efeito desta comunicação, estamos considerando o poder local como implicado no conjunto das relações políticas praticadas nas diversas comunidades do Império e firmadas sobre a base da estrutura agrária prevalecente.
Para trabalharmos a questão da montagem ou atualização, iremos lidar com dados relativos à Província das Alagoas; é claro que a Província resguarda elementos específicos, mas a análise, sem dúvida, poderá aportar subsídios para a discussão do caso nacional, tendo particular interesse para o universo do nordeste açucareiro, no que se consideram as matas seca e úmida de Pernambuco, bem como a faixa do norte alagoano. À época regência, este conjunto estava começando a sofrer o impacto do deslocamento da primazia econômica para o sul.
Ao frisarmos a existência das áreas geográficas, estamos pondo em evidência o fato de que, em Pernambuco e nas Alagoas, existe uma relação nítida entre elas e posições políticas no contexto provincial, o que decorre, fundamentalmente, do modo como foi consolidada a matriz de produção. Nichos ecológicos diferentes, mesmo implicados com o açúcar, sublinham posições diferenciadas; no caso das Alagoas há um peso conservador na faixa norte, dando-se peso liberal na porção açucareira confrontante aos tabuleiros[v].
Neste contexto, vamos considerar que as relações políticas locais apresentam-se no dia a dia do controle estabelecido sobre setores dominados, enquanto manipulam dentro do conjunto de correlação de forças, a formação de grupos entendidos na linguagem da época como partidistas. Tais grupos disputam o mando e são responsáveis pela filtragem de elementos novos, com vistas à adaptação ao modo tradicional da operação do controle. Por consequência, antes das formalizações partidárias, já existiam grupos montados em interesses e propostas comuns; pelo que nos parece, Alagoas verá a saída do partidismo para a expressão das diversas sociedades fundadas e, finalmente, tem-se a montagem de partidos.
As sociedades mencionadas foram criadas como elementos formalizadores de propostas relativas ao encaminhamento da construção do Império; mantiveram-se em operação na fase da Abdicação e penetraram pela Regência. Decorriam de novas necessidades, em tempo caracterizado por intensa discussão de ideias, com o extremo mais avançado definindo-se como federalista, enquanto o conservador configurava-se como coluna. Os partidos estão caracterizados nitidamente, no caso alagoano, pelas decorrências de lutas arraigadas no seio senhorial e nos embates da transferência da Capital, quando se tem, na realidade, a interferência de novas condições logísticas para os negócios.
Voltando a uma referência específica ao período, os partidismos estarão sincronizados na manutenção do essencial: a continuidade do mando senhorial. Na interligação com a economia, o açúcar - mercadoria basicamente das matas e do litoral - aponta diretamente para as relações qualificadas pelo poder central da moenda. O poder local apropria-se de mecanismos  gerados e reformados na Regência, especialmente no que diz respeito ao judiciário, polícia e organização militar. O objetivo consistia em alicerçar as funções de mando e romper com a resistência, que pode ser vista desde a Revolução de 1817, seguindo até a Praieira, com manifestações esporádicas posteriormente, em episódios como o Registro e o Quebra-Quilos.
As sedições, motins, rebeliões e acontecimentos assemelhados que ocorrem no período terminam pelo absoluto controle das manifestações de setores dominados e este será um dos fatores mais evidentes, na continuidade do mando local. Infelizmente, a abordagem historiográfica que vem sendo realizada sobre o período - a começar pela Revolução de 1817 - segmenta-o, tendo a tendência de acentuar episódios e não de verificar o processo, como se pode ver no que concerne à Confederação do Equador, Abrilada, Setembrizada, Cabanada, Praieira. Possivelmente, esta visão segmentada não vem dando a ênfase necessária quando ao modo de atuação do poder local, na medida em que ele opera a filtragem para que a Corte se interiorize e se incorpore no cotidiano da dominação A sagacidade da adaptação conjuntural para manter o mesmo perfil estrutural e o elemento caracterizador da continuidade.

IV- Uma visão do caso provincial das Alagoas

A Independência é um período que vai de 1822 até a Abdicação, embora venha sendo consagrada no Sete de Setembro. É claro que teve seus antecedentes e o mais próximo e mais importante seria a transferência da Corte. Contudo, para efeito do texto, preferimos caracterizá-la a partir do Sete de Setembro, pelo fato de que, nesta condição será significativa na política provincial. A amarração portuguesa mantém-se clara até a Abdicação e, por consequência, seria a partir da quebra das amarras que poderíamos encontrar as marcas de identidade de país. Este perfil histórico não pode ser considerado como algo homogêneo, desde existirem as peculiaridades dos diversos processos provinciais.
A peculiaridade das Alagoas está no tipo de correlação de forças à época da Independência e leva a que setores engajados na Revolução de 1817 desfechem golpe armado, destituindo a Junta ligada às Cortes. Portanto, antes do Sete de Setembro, setores que poderiam ser considerados - à falta de melhor designação - como liberais, realizam a Aclamação, no que se tem a invasão da capital e a deposição da Junta de evidente compromisso colonialista.
Neste golpe, opera um complexo de condições que vai da parentela à produção do algodão, juntando-se elementos de oposição dentro da área do açúcar norte das Alagoas. Os elementos de 1817 que participam do golpe estão associados à parentela de Manoel Vieira Dantas, gente da região de São Miguel dos Campos; o algodão encontra-se presente, justamente, pela vinculação da parentela mencionada ao mundo dos tabuleiros e dos agrestados. Este grupo vai unir-se à oposição liberal implantada como cunha dentro do bloco conservador do norte.
Pode-se perceber uma diferenciação de Alagoas: a Independência na Província é realizada a partir de resultantes de 1817 e, não propriamente, de 1822. É a partir de 1817 e especialmente do golpe desfechado em 1822, que se pode falar da existência de dois grupos partidistas nas Alagoas e é tão profunda a marca desta aglutinação em que parentelas como a Vieira Dantas e Mendonça representam uma função essencial, que permanecem como referência durante todo o decorrer do Império e parte da República.
Com o golpe, a Junta formada pelo grupo "liberal" assume e passa, paulatinamente, pelo desgaste provocado pelos conservadores que terminam por manipular militares, e, por fim, realizam o que é conhecido como Sedição de Porto Calvo, quando os conservadores assentam um novo golpe e assumem a composição da Junta de Governo. Ao golpe armado liberal, tem-se o golpe armado "conservador" como resposta.
Estes mesmos "liberais" e "conservadores" estarão envolvidos na Confederação do Equador, com os primeiros assumindo a revolta e ainda nitidamente marcados pela parentela de Manoel Vieira Dantas. Como se pode notar, quando se enunciam os partidismos, eles estão demarcados na parentela. Há um encaminhamento do processo, que vai definindo a condição "liberal". Inicialmente há o compromisso com 1817, posteriormente há a participação na Aclamação e, finalmente, a condição seria estar junto às propostas da Confederação do Equador. Com isto, os papeis estão mais claros e darão, posteriormente, no proselitismo que se desenvolve em torno da Abdicação, quando os liberais estarão divididos em grupos considerados radical e não radical, enquanto o bloco conservador apresenta-se - talvez pela carência de documentação que proporcione maior informação -, com um perfil aparentemente homogêneo.
As parentelas, os partidismos, os grupos, as frações e o que mais existia a subdividir este universo, tudo terminam por convergir, quando se tem em vista os fundamentos da organização social, dando margem a que haja diversidade, mas sem a quebra da identidade que se lastreia, basicamente, na estrutura da propriedade e na apropriação dos resultados da força de trabalho. E com isto que: - apesar de parecer frase de efeito - são diferentes, mas iguais. E de tal modo marcante a identidade, que elementos de parentela liberal envolvem-se na prática do tráfico de escravos, do mesmo modo que se fazem comerciantes de costados em Portugal, como se dá, por exemplo, com Manoel Duarte Ferreira Ferro, membro da parentela de Manoel Vieira Dantas[vi], a mesma que esteve na crista de 1817, Aclamação e Confederação.
Esta identidade é cristalina na política local, onde a prática é idêntica na busca do que chamaremos de controle do mesmo instrumental de mando e, com isto, demonstra-se o cotidiano como local privilegiado para ensejar a análise do comportamento político. Ao afirmarmos a centralidade do poder local, nós não estamos minimizando a importância, dos grandes fatores como Constituição, Códigos, Senado, Deputados... Simplesmente, queremos colocar em destaque que o processo no nível das comunidades, fundamenta-se em categorias aparentemente menores; Delegacias de Policia, Juizados de Paz, Escrivães, Vigários Colados e Encomendados, Meirinhos, Tenentes, Capitão e por aí segue.
É justamente no controle deste instrumental de mando que se fundem o local e o nacional, com a estratégia dos grupos consistindo no aparelhamento de postos e posições, no que seria fundamental a montagem de alianças com os Presidentes de Província. Desenvolve-se, por consequência, uma teia que articula o local ao que poderia ser considerado, ainda à falta de melhor termo, como nacional. A posição do local é de tal forma associada à identidade dos partidismos que, por exemplo, canais de expressão liberal, como Tavares Bastos montavam-se, na prática política, justamente nestes arranjos locais, nos conchavos realizados[vii].
A existência de uma teia como a esboçada, coloca em evidência que nunca poderia ocorrer um vazio do poder; acontece uma forma determinada de preenchimento dos espaços de mando e é desta forma, que o local atua e encontra espaço para construir-se, passando a ser uma determinante do processo político.
Por outro lado, deve ser visto que o político está articulado ao econômico, na medida em que o jogo político local ocorre, está integrado na produção e isto vai definindo os papeis regionais, tanto na ordem econômicas quanto na política. Então, sendo verdadeira a proposição da teia política, ela estará conjugada à econômica e a relação entre ambas é que da a noção do andamento e do ritmo político provincial.





[i] Esta visão de movimento popular foi explorada de modo sistemático em encontro patrocinado pelo Centro de Documentação e Estudos da História Brasileira Rodrigo Mello Franco de Andrade do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco, sendo conduzido por Manoel Correia de Andrade. Alias na Introdução ao volume publicado e contendo os textos das contribuições, tem-se o seguinte enfoque: “Foram lutas que se prolongaram as vezes, por vários anos e onde apareceram líderes oriundos das classes populares disputando o controle e o poder aos velhos representantes da oligarquia embora quase sempre se apresentassem muito contraditórios em seus discursos. Também a massa popular não apresentava homogeneidade sendo constituída por índios e caboclos que viviam ainda em estágio quase selvagem, negros escravizados ou libertos brancos e mestiços pobres que não tinham acesso a posse da terra e muitas vezes ao mercado de trabalho. As  divisões na classe pobre, o jogo de interesses, dos vários grupos, as contradições culturais e a habilidade e força da classe dominante fizeram com que estas revoltas fossem reprimidas, sufocadas com a maior violência.". Ver ANDRADE, Manuel Correia de (Org.). Movimentos populares no Nordeste no período regencial. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1989, p. 9.

2 CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras: a política imperial. São Paulo: Vértice, 1988, p; 11-21.

[iii] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos malês. 1835. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

[iv] No que diz respeito aos temores pânicos, ver SANT'ANA, Moacir Medeiros de. Mitos da escravidão. Maceió: Secretaria de Comunicação Social, 1989.

[v]  No caso Pernambucano e interessante ver as colocações de CARVALHO, Marcus. Hegemony and Rebeilion in Pernambuco (Brazil), 1821-1835. Urbana-Illinois. 1986.

[vi] Ver DUARTE, Abelardo. Episódios do contrabando de africanos nas Alagoas. Maceió: 1988.

[vii] Ver REGO Walquiria G. Domingues Leão. Um liberalismo tardio (Tavares Bastos, Reforma e Federação). São Paulo, 1989. Tese de doutoramento.



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