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sábado, 8 de agosto de 2015

SILVA, Bruno Rodrigo Carvalho de Almeida da Silva. Maniqueísmo social: para o tradicional “homem de bem”, “bandido” será sempre o outro






                                                                          
 
Bruno Rodrigo




Dois dedos de prosa
Campus volta à questão da sociedade, violência e direito, quem sabe em virtude de ser um tema central em nossa vida, persistindo na linha de frente de nossos problemas. Violência é uma questão ligada diretamente à estrutura de sustentação de nossa sociedade e quebrá-la não é tarefa fácil pois somente a sociedade rfeita poderá minorar seus índices de geração.
Esta edição de Campus foi coordenada pelo Professor França Júnior e trouxe dois novos articulistas de nosso suplemento: o professor Thiago Mota de Moraes e o graduando em direito  Bruno Rodrigo Carvalho  de Almeida e Silva.
Agradecemos ao Professor França, ao Professor Thiago e ao graduando Bruno.
Vamos ler
Um abraço
Sávio



Pensando sociedade, direito e violência
França Júnior

Thiago Mota de Moares e Bruno Carvalho de Almeida aceitaram o desafio de, aqui neste espaço, continuar uma discussão permeada de variáveis complexas. Lidar com os problemas vivenciados na segurança pública, especialmente a brasileira, quer seja no campo prático ou teórico, exige coragem cívica e disposição para debate. Ambos mostraram-se vigorosamente aptos ao atendimento das finalidades propostas por Campus.
Thiago Mota, profissional já tarimbado nas ciências criminais, professor festejado nos quatro cantos do Estado, apresenta-nos a incoerência histórica recorrente de nossos legisladores, que teimam em acreditar que o inflacionamento do tecido penal haverá de amainar as taxas de criminalidade ou a sensação de insegurança. Além disso, argutamente contesta, apresentando dados interessantíssimos, a relação de causalidade atribuída à violência e as desigualdades sociais. Por fim, chama à responsabilidade o Estado brasileiro, geralmente omisso e não raras vezes ineficiente, diante dos graves problemas e principalmente das promessas de resolutividade encartadas na Constituição.
Bruno Carvalho, destacado graduando do curso de Direito do CESMAC, traz à baila o ambiente hipócrita com o qual temos convivido, especialmente nos últimos tempos. O uso dos excessivos redutores de complexidade são contestados por ele, notadamente os códigos binários, pois sempre são utilizados pelo senso comum em favor do “homem de bem”, o “cidadão modelo”, uma espécie de ser imaculado, praticamente “um enviado divino” que deverá servir de parâmetro ao restante do rebanho. Sua análise reflete a necessidade de adequação dos ditos valores “tradicionais” à nova sociedade, democrática, portanto, que, apesar das resistências, produz avanços que devem ser celebrados.
Na verdade, ambos trazem mais questionamentos que respostas, seus textos são verdadeiras inquietações sobre os rumos de um ambiente que se pretende verdadeiramente democrático. Enfim, a visão crítica de ambos os ensaístas, cada um ao seu estilo, e o cuidado em explorar os “furos lógicos” mantidos pela doutrina do senso comum, só enriquece o debate e nos faz ter a certeza de que espaços como estes devem ser preservados e, quiçá, ampliados, para o necessário amadurecimento de nossa democracia. Dessa forma, sintam-se sempre convidados ao debate! 


Maniqueísmo social: para o tradicional “homem de bem”, “bandido” será sempre o outro
           
Bruno Rodrigo Carvalho de Almeida da Silva

Há um clima estranho pairando no ar, você pode senti-lo onde quer que se encontre; pode senti-lo, por exemplo,  quando tenta fugir da realidade e dá uma olhada nas redes sociais; você o sente enquanto espera seu ônibus ou é obrigado a escutar as conversas das pessoas sentadas ao seu redor no transporte coletivo, e nota que o clima, que dizem ser de medo, vai muito além, é de ódio, naturalmente alimentado por medo.
Quando você para um segundo, fecha seus olhos e inspira fundo, todo o sentimento que paira ao seu redor parece que voltou no tempo, um tempo distante em que os primeiros homens viviam sob o estado de natureza, com medo, com receio, mas, talvez, ainda sem ódio, a questão da sobrevivência era mais importante que qualquer sentimento desconhecido, não se matava ainda porque o próximo era diferente, se matava porque se pensava que morreria, mas o medo rondava, a diferença é que não manipulava.
Mas, quando abrimos os olhos e percebemos que ainda estamos no presente, no nosso presente, vemos que o medo que está ao nosso redor não veio desacompanhado, mas com uma companhia tão forte que quase nos esquecemos que o estamos sentindo, um medo que nos é vendido como mercadoria e ele está ali na TV, está nos famosos dados que todos citam e ninguém informa a fonte, é um medo variado, o do “vagabundo que pode fazer o que quer e a justiça coloca de volta na rua”, “o medo do comunismo” (até parece a Guerra Fria de novo), “o medo da crise causada por toda essa corrupção”. Um medo difuso.
E quando tudo está envolto em medo, de repente, não mais que de repente, surgem heróis, e como são virtuosos, e como são carismáticos, e como são bons exemplos, o único problema é que eles não são tudo isso. O homem quando vive em momentos drásticos tenta dividir o mundo em uma lógica maniqueísta, a lógica do bem contra o mal. Tenta visualizar a perfeição para que possa apontá-la como o exemplo supremo do bom cidadão a ser seguido, o problema é que esse “bom cidadão” não existe, e o que fazem quando percebem isso? Buscam uma lógica relativista onde tudo o que antes repudiavam volta a ser aceitável, desde que seja o instrumento do herói da pátria para atingir os fins que os bons cidadãos desejam.
Não importa o quanto o herói é corrupto, não importa o quanto defenda a falta de liberdade, a violência indiscriminada contra os já fragilizados, desde que defenda a “família tradicional”, a “moral e os bons costumes”, aquele ente mítico que nunca ninguém viu realmente, mas o pior de tudo é que quando se olha com cuidado, esses heróis não defendem as tradições, eles não almejam defender ou agregar nada, eles apenas desejam impedir. Impedir o surgimento do novo, impedir o Direito à Felicidade, que já aparece em teorias jurídicas como um dos fins de nossa constituição.
O tal defensor da “família tradicional” é contra o aborto, é contra o casamento homoafetivo, é contra a adoção por estes mesmos, é a favor da pena de morte, da diminuição da maioridade penal, é contra buscar a solução para os problemas sociais que atingem o povo, mas são completamente a favor de projetos e leis que agravem os problemas (seria ingenuidade ou má-fé?), assim podem se perpetuar eternamente no poder, renovar o ciclo.
Com a atual problemática do aborto, tratada do jeito que está pelas autoridades, ou seja, com a polícia, mais e mais mulheres morrem todos os dias, mais crianças nascem e são abandonadas, sem que haja adoção dessas crianças, elas geralmente crescem nas ruas, abandonadas, crianças invisíveis, meninos e meninas que ninguém enxerga, e que logo depois de todo o abuso, a violência que sofrem e vivenciam, a falta da educação que lhes foi negada, quando logo depois incorrem no erro, para o cidadão de bem a culpa é exclusivamente delas.
E assim o relativismo lógico surge forte, o “cidadão de bem” que comete inúmeras corrupções no dia a dia, que comete inúmeros crimes, não considera seus atos como delituosos, aquele que sai bebendo e dirigindo, que abre a carteira e tira o dinheiro sem pensar duas vezes para entregar ao guarda naquela blitz, aquele que aceita trocar o voto por interesses pessoais, o que sonega impostos, o que usa o anonimato da internet pra ofender com misoginia, racismo, homofobia, que ofende quem segue uma religião diferente da sua, este “cidadão de bem” levanta a bandeira do “bandido bom é bandido morto”, só que nesse momento, bandidos são apenas os outros.
           


2 comentários:

  1. Que bacana de postagem!
    Conheci o Bruno há muuuuitos anos atrás e perdi contato com ele. Bom ver que ele se tornou alguém tão responsável! Se ele tiver alguma rede social, pede pra ele me adicionar: Juliana Motta (sou de Juiz de Fora, MG).
    Abraços!!!

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    1. Direi sim. Bruno é meu neto. Por coincidência, minha irmã estudou aí em Juiz de Fora e moramos em Bicas

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