Translation

sábado, 8 de agosto de 2015

Geração de energia: o combustível alagoano de Alfredo Brandão e os resultados para o mundo



Alfredo Brandão foi um intelectual de larga militância em Alagoas, tendo escrito sobre diversos temas e sendo autor de uma bela monografia sobre Viçosa. Pertence à safra dos intelectuais médicos que foram importantes em Alagoas, sobretudo na década de trinta do século XX. Faleceu em 1944.

Dois dedos de prosa

Campus irá paulatinamente divulgando algum material antigo, que julgue interessante,
Na edição de hoje, trazemos, novamente, Alfredo Brandão, desta feita tratando de um combustível por ele inventado e ao qual chamou de ESSGÊ.
Vale a pena ler e ver como se poderia sonhar o futuro do mundo, a partir da plataforma da  Viçosa e vislumbrar a face da terra transformada pelo nosso arsenal de pesquisa que era, apenas, o talento do inventor.
Vale a pena ter esta viagem movida por este combustível.
Boa leitura.
Luiz Sávio de Almeida



O combustível alagoano e os resultados para o mundo


Luiz Sávio de Almeida


Novamente, Campus reproduz textos de autoria de Alfredo Brandão, polígrafo e que teve militância na vida cultural de Alagoas durante  a primeira metade do século XX. Em nossa avaliação, seu principal trabalho foi uma monografia sobre Viçosa, do tipo que era praticada à época à guisa de contribuição historiográfica. Alagoas teve boas monografias sobre locais. Aliás, a nossa historiografia  inicial teve como uma de suas preocupações, esta consagração, na sua intenção de celebrar a organização social e de produção.

Nestes textos que republicamos, aparece  um Alfredo Brandão diferente: o homem do ESSEGÊ, um combustível alternativo, vegetal, que diz ter sido por ele inventado e testado.  O Jornal de Alagoas deu cobertura e um do Rio de Janeiro, A Noite, publicou extensa matéria sobre o assunto. Da mesma forma que veio à tona, o ESSEGÊ sumiu do mapa do noticiário. Corria o ano de 1933 e logo após à publicação da matéria, o mundo deixaria de ser  renovado em sua matriz energética pelo fato do combustível ter desaparecido.

               Qual a razão de ter sido um de repente? A razão de a flora alagoana conseguir, em grande escala, suplantar o petróleo? Lembro que uma vez, em conversa comigo, Theo Brandão – que chamava o inventor de Padrinho Alfredo –, falou no tal combustível. Perguntei se era verdade e sinceramente não me lembro da resposta. Seria boutade, palavra que Theo usava vez em quando?

O fato é que foi anunciado um novo combustível para as Alagoas e para o Brasil. Não importa se foi verdade. Importa que estivesse enunciada uma preocupação com a substituição do petróleo que andava sendo descoberto nas Alagoas e em torno da audácia empresarial que se faria nos lados de Riacho Doce.

Bem antes, Alagoas tinha visto um combustível que poderia ser dito caeté, com o USGA, produzido pela Usina Serra Grande e de consumo. Era a cana-de-açúcar  transformada em mobilidade da sociedade, o que seria, a bem dizer, uma antecipação dos tempos do Pró-Álcool, da glorificação que teve o  etanol dentro da política econômica nacional, quando as usinas poderiam ser transformadas em emirados não-árabes.

O  combustível vegetal não nos foi estranho quer como a realidade do USGA e do Etanol, quer sob a forma misteriosa do ESSEGÊ de Alfredo Brandão, talvez realidade, talvez mera invenção, talvez boutade como diria seu afilhado. O fato é que Alfredo Brandão andava preocupado com a  questão dos combustíveis, o que transparece em um seu artigo intitulado Os combustíveis e o progresso.

Ele – não importa como – antecipava a necessidade do renovável, argumentava com a possibilidade de carvão e petróleo esgotarem-se. Era necessário estabelecer novas fontes e, portanto, Alagoas com todos os privilégios de inovadora, presenteava o mundo com o ESSGÊ. Se ele não serviu além de ser notícia, na certa não foi culpa de Alfredo Brandão que viveu mais 11 anos após ter inventado o  seu combustível, na certa timbrado em cima de capim, capoeira e matas.

Matéria dos jornais 

 
Jornal de Alagoas, Maceió, 1933 


0 dr. Alfredo Brandao, ilustre alagoano, residente nesta capital,  acaba de pedir ao governo federal privilégio de invenção para uma sua descoberta química, o "Essigé” - um combustível liquido, sucedâneo de gasolina, próprio para mover auromoveis e outros motores de explosão.
O “Essigé”, que é extraído de diversas matérias orgânicas e mui especialmente de vegetais da flora brasileira, oferece os seguintes caracteres: é um líquido oleoso, cor de ouro, transparente, insolúvel na água, pouco solúvel no álcool, solúvel   no éter sulfúrico. A reação ao papel de Tournessol é neutra. Marca ao aerômetro   45 a 55 graus, conforme a concentração.
A explosividade é um pouco menor do que a da gasolina, porém parece possuir um número de calorias mais ou menos igual ao deste ultimo combustível.  Inflama-se instantaneamente ao contato de um fósforo aceso, queimando com chama avermelhada e fuliginosa.
As experiências de movimentação de automóvel deram excelente resultado. Sob o ponto de vista econômico, a descoberta química do nosso conterrâneo vai abrir novos horizontes a agricultura e a indústria de Alagoas e alias de todo o Brasil.

Um Novo CARBURANTE _ o “ESSIGQ” *
(S. G. - Sucedaneo da gasolina)
Conforme a noticia que o JGRNAL DE ALAGOAS teve a gentileza de publicar em sua edição de 25 de marco ultimo, “O Essigé” é um combustível líquido, sucedâneo da gasolina,  próprio para mover automóveis e outros motores de explosão. É um liquido oleoso, cor de ouro, transparente, insolúvel n’água, pouco solúvel no álcool, solúvel no éter sulfúrico. A reação ao papel de Tournessol é neutra. Marca ao aerômetro Baumé   45 a 55 graus, conforme a concentração.
A explosividade é menor que a da gasolina, porém parece possuir um número de calorias igual ao desse ultimo combustível. Inflama-se instantaneamente ao contato de um fósforo, queimando com chama avermelhada e fuliginosa.
Depois desta primeira noticia, fiz mais diversas experiências de mobilização de automóvel, em excursão pelo Tabuleiro, tendo obtido excelente resultado, não só quando á velocidade, mais ainda quanto á força.
Dando agora mais detalhes sobre o novo carburante, tenho a acrescentar o seguinte: o “Essigé”, sob o ponto de vista químico, é uma mistura complexa de diversos elementos: - hidrocarburetos formênicos, hidrocarburetos etilênicos, hidrocarburetos benzênicos. Contém ainda outros corpos tais como fenóis, cresóis, cetonas, éteres superiores, etc.
Como se vê, apresenta não somente os elementos do petróleo, mas também elementos aromáticos, idênticos aos extraídos da hulha Esses corpos variam um pouco, de acordo com a matéria prima empregada.
Alguns “Essigés” são mais ricos em elementos formênicos, outros em benzênicos e todos possuem uma certa quantidade de olefinas e portanto de carburetos não saturados. '
Os processos empregados foram descobertos por mim, em mais de cinco anos de trabalho e em perto de trezentas experiências de laboratório, baseando-me, é verdade, em princípios químicos conhecidos, dos quais tirei deduções e conclusões.
De um modo geral, esses processos consistem em desidratação, desoxidação ou redução, hidrogenação e polimerização, tudo por meio de catalisadores apropriados, tudo tendendo para a estabilização das combinações entre os átomos de carbono e hidrogênio.
Consegui, assim, até o presente, extrair o “Essigé” de 16 substâncias orgânicas, dando, respectivamente a cada uma, a designação de “Essigé A", “Essigé B”, e assim por diante, conforme a ordem cronológica da descoberta.
Muitos deles são tirados de vegetais da flora brasileira, vegetais pertencentes a diversas espécies e diferentes famílias botânicas - alguns são plantas anuais, outros arbustos e subarbustos e ainda outras árvores de grande talhe.
Conheço uns trinta vegetais, que, apesar de não ter feito experiências, julgo poder-se extrair “Essigé”. Ainda conforme a matéria prima empregada, a proporção de “Essigé” bruto varia de IO a 80 por cento.
A retificação faz baixar um pouco essa porcentagem. Portanto, pelo que acabo de expor, compreende-se que se acha descoberto um novo combustível líquido, uma gasolina artificial, em condições de mover automóveis, caminhões, barcos e outros motores a explosão.
Cabe-me, porém, o dever de prevenir que este novo carburante ainda não é um produto tão perfeito como a gasolina do petróleo.
O fato de Minerva sair da cabeça de Júpiter, com todos os atributos de mulher e de deusa, pertence aos domínios da mitologia.
O “Essigé” possui ainda alguns senões, algumas falhas que se relacionam a menor explosividade, a cor, a um pequeno deposito de fuligem pela combustão e a um maior desprendimento de fumaça quando queima nos automóveis; mas essas falhas serão pouco a pouco sanadas com um melhoramento da técnica e com o emprego de aparelhos aperfeiçoados.
Quero crer, que se poderá, assim, obter o “Essigé`” incolor como a gasolina e ao mesmo tempo conseguir um maior rendimento do produto e por conseguinte um maior barateamento no preço.
Agora vou fazer algumas considerações sobre as prováveis vantagens da descoberta. Acho que se a fabricação industrial do “Essigé” for desenvolvida em larga escala, poderemos contar com um elemento seguro para combater a crise econômica que assoberba o nosso pais.
Para isso, em primeiro lugar, será preciso promover-se no Brasil a Cultura dos vegetais de “Essigé”, criar-se um novo ramo de agricultura. Depois é necessário a instalação de pequenas fabricas e usinas. .
Nestas condições teremos o carburante por um preço muito inferior ao da gasolina.
Sobre os resultados econômicos vou fazer um calculo muito pelo alto.
Este cálculo é apenas baseado no “Essige B”, de cujo vegetal produtor fiz observação de cultura durante dois anos, determinando, assim, numa certa área de terreno, a produção anual.
Dessa observação, perfunctória, é verdade, cheguei á conclusão que poderia haver muita vantagem e substituir a industria açucareira do nosso Estado pela do "Essigé”. lsso pelo menos em parte.
Um engenho “bangué", que por exemplo safreje mil sacos de açúcar bruto e o venda á razão de 3$000 por 15 quilos, poderá, apenas, apurar uns 15 contos ao ano. Se porém o senhor de engenho empregar a mesma área de terrenos ocupada pelos canaviais no cultivo do vegetal “B”, terá, mais ou menos 30 contos, portanto um rendimento de cento por cento, acrescendo ainda a vantagem de ter situado uma plantação que, com pequenos cuidados de roçagem ou capinação, poderá lhe dar os mesmos rendimentos ou mais, durante vinte anos, pois, segundo me informaram, o vegetal em questão frutifica todo esse tempo.
Estendendo, agora, as probabilidades a outros pontos do pais.
 O Estado de S. Paulo, com sua capacidade enorme para o trabalho, com a sua população laboriosa e os seus métodos científicos de lavragem e adubamento do solo, caso reserve á cultura das diversas plantas de “Essigé” uma pequena parte dos imensos terrenos destinados aos cafezais, poderá, em poucos anos, aumentar seus rendimentos em milhares de contos. Mais ou menos nas mesmas condições se acham os Estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas.
Para terminar um cálculo geral. O Brasil, na media, gasta, anualmente, trezentos mil contos em combustível líquido. Ora, instalando-se em todo o nosso pais umas cem usinas, produzindo cada uma 2 toneladas de  “Essigé”, diariamente, e vendido esse produto a 800 réis o litro, teremos ao todo, mais ou menos, os 300 mil contos, os quais, em vez de serem canalizados para a América do Norte, circularão no Brasil.
Vê-se, portanto, que realizadas estas condições, teremos dado um grande passo para a solução da nossa crise econômica.
Pode ser que haja, da minha parte, um pouco de otimismo, mas também pode acontecer que o resultado pratico vá muito além de toda a expectativa.
Maceió - Julho de 33
Alfredo Brandão

A colaboração de um técnico

Iniciamos, no nosso numero de ontem, a colaboração do ilustre Alfredo Brandao, que é uma  capacidade de erudição sobre   assuntos de historia, arqueologia e economia regional.
Depois de ter conseguido a sua reforma no alto posto de tte. cel. do corpo médico do Exercito Nacional, veio o dr. Alfredo Brandão matar a nostalgia da terra mater, instalando-se, então, com uma volúpia ascética do silencio, numa pitoresca vivenda no Farol, onde passa os seus dias em profundas conversas com seus livros queridos e em indagações químicas de laboratório. Ultimamente o dr. Alfredo Brandão tem dirigido a sua atividade no sentido de aperfeiçoar os resultados de uma sua descoberta sensacional, que consiste na extração vegetal de um novo carburante, próprio para suceder vantajosamente o consumo da gasolina.
É com prazer que o JORNAL DE ALAGQAS anuncia,  aos seus leitores, a continuação de uma colaboração eficiente.

0 ESSIGE (sub-prudutos e derivados)
No preparo do Essigé nada se perde. Todos os resíduos são utilizáveis – resíduos sólidos, líquidos e gasosos. Ha também a considerar vasta série dos derivados  - às vezes simples misturas e modificações sem alteração da estrutura molecular, outras vezes compostos químicos definidos, obtidos por substituição atômica.
No presente artigo, vou fazer ligeiras  considerações sobre os subprodutos e derivados mas importantes.
1° - KEROZENESSE
É o nome que dei ao querosene artificial, ou, como acharem melhor querosene vegetal._ É o mesmo Essigé apresentando maior densidade e menor grau ao aerômetro Baubé. A 45 graus arde com chama avermelhada e fuliginosa. Como o querosene, é isento dos princípios mais voláteis, sendo evitado, assim, qualquer perigo de explosão nas lâmpadas.
Em experiência comparativa com o querosene, em candeeiros de folha com pavio de algodão, notei que o querosene produz chama um pouco mais intensa, sendo a durabilidade mais ou menos igual. Trinta gramas do produto alimentariam o candeeiro duas horas. Com aparelhamento conveniente, pode-se ter um agente de iluminação tão bom como o que nos vem do estrangeiro. 0 Brasil consome, anualmente, 100 mil contos na importação de querosene.
2° - ESSIGINA
É uma combinação de Essigé com o álcool. Digo combinação porque não se trata de uma simples mistura ou solução. Reafirmando o que disse no artigo anterior, o Essigé retificado é pouco solúvel no álcool. Por meio de processos químicos especiais, consegui juntar ao álcool vinte por cento do meu preparado, formando o todo um líquido homogêneo, amarelo citrino, transparente e ligeiramente oleoso.
Estas experiências ainda não se acham concluidas, mas antevejo que se poderá melhorar as condições do álcool-motor, aumentando-lhe o numero de calorias e fazendo desaparecer o defeito de ressecar os motores.
3° _ KRESILlNA
Dos óleos pesados da hulha prepara-se, por meio da saponificação, um desinfetante e desodorante por demais conhecido - a creolina. Empregando-se os mesmos processos com os óleos negros,  resíduos da retificação do Essigé, ricos em fenóis, cresóis e carburetos que resistiram a polimerização, obtém-se um corpo muito semelhante a creolina, ao qual denominei Kresilina. Este subproduto é dotado de ação bactericida, ação que se depreende do fato de impedir a fermentação dos líquidos açucarados e evitar a putrefação das albuminas.
Como a creolina, possui propriedades inseticidas enérgicas e forma com a água uma emulsão um tanto lactescente. O cheiro é menos forte.
4° - VERNIZ - ESMALTE
O Essigé, em si, não é um óleo secativo,  porém quando retificado e em grau elevado,  torna-se dissolvente das resinas, podendo, neste caso, ser empregado na confecção dos vernizes impropriamente chamados esmaltes. O Essigé combinado à colofonia (resina de baixo preço) forma um óleo de propriedades secativas, em condições de substituir perfeitamente, o óleo de linhaça e como este servir de veiculo a vernizes  e a tintas resistentes e brilhantes. Não dispondo de dados estatísticos sobre a importação de óleo de linhaça no Brasil mas suponho que essa importação se eleve a milhares de contos.
5° - Gases combustíveis
Ao preparar-se o Essigé, ha desprendimento de grande quantidade de gases muito inflamáveis que produzem chama avermelhada ou pálida conforme a matéria prima. Não fiz a análise química desses gases, porém, pela maneira como eles se comportam, julgo tratar-se, principalmente, de methana, hidrogênio e óxido de carbono.
Parece que pedem ser empregados como sucedâneos  de gás de iluminação extraído de carvão de pedra,  gás que, nos centros adiantados como Rio e São Paulo, serve de combustível nas cozinhas dos hotéis e das habitações particulares, muito facilitando, pela sua comodidade, a arte culinária.
Uma usina de Essigé, nas cercanias de uma cidade,  poderá fornecer gases combustíveis por preço vantajoso para os copnsumidores.
6° - ESSIKAR
Batizei com este nome a um entre subproduto.
É o resido solido de Essigé, é uma espécie de coke contendo ainda uma certa quantidade de óleo pesado. A utilização de Essikar como combustível ainda se acha no terreno das probabilidades. A experiência que fiz a respeite foi em forno comum  -  ele queima com chama abafada e fumarenta, mas concebe-se que, comprimido em forma de tijolos, poderá alimentar maquinas a vapor, de navegação eu de estradas de ferro.
Dando resultados práticos, como espero, teremos encontrado um sucedâneo de carvão de pedra e por conseguinte resolvido altos problemas de transporte e siderurgia. O Brasil gasta para mais de cem mil contos anuais em carvão de pedra.
No campo das probabilidades, há ainda muita coisa a esperar de Essigé. Contando em seus elementos e benzeno e portanto benzóis, xileno, tolueno e antraceno, adivinha-se, sem grande esforço, o enorme lucro que a indústria poderá realizar com a exploração do Essigé.  Pode-se também extrair asfalto e matérias betuminosas , parafina, álcool metílico,  acetonas, acetatos,  compostos amoniacais, formicidas e óleos lubrificantes.
Como se vê, é quase toda a química orgânica e ação..
Tudo isso é fonte de riqueza para e Brasil,  tudo isso pode ser fornecido pela agricultura e pelas nossas vastíssimas florestas.
Já passou o tempo da contemplação poética de nossas matas.
Deve-se, agora, abrir as portas à indústria.
Maceió, 1° de agosto de 1933
ALFREDO  BRANDÃO




 


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário