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sábado, 9 de janeiro de 2016

Lembrança de uma infância feliz. Memória e cotidiano.


 Um depoimento para o futuro
 
 Este é um espaço do blog para quem desejar, deixar uma lembrança para o futuro.

 

Esta é uma lembrança de vida da zona rural da Boca da Mata em Alagoas; são os nossos tempos de vida que aparecem, uns aqui e outros ali e todos diferentes. Esta é a beleza: a diferença que nos faz existir. Karina é dos lados do Cariri, sendo uma boa memorialista e pintora.



A HAPPY CHILDHOOD
 Un'infanzia felice
 Una infancia feliz
 Une enfance heureuse 

 




LEMBRANÇA DE UMA INFÂNCIA FELIZ

Karina Cavalcante Dâmaso Garboggini
 

         
            Infância na fazenda, recordações felizes onde a liberdade, a tranquila, a natureza, a convivência em família, me acolhia de forma harmônica e saudável construindo em mim a beleza de um saber puro e eterno, que através desses rabiscos venho relembrar.

               Fui criada na fazenda e na cidade, porém na fazenda meu mundo era especial, colorido e infinito, cheio de possibilidades e mistério, um mundo a ser descoberto a cada dia, um mundo onde a imaginação, curiosidade e criatividade reinavam.

               Fazenda São Francisco do Cariri, no município de Boca da Mata/AL, local onde minhas raizes fincaram, local do meu coração e das minhas alegrias da meninice. Foi correndo pelos campos, rodagens, subindo em árvores, andando de bicicleta, brincando no balanço na mangueira, subindo nos sacos de adubo da casinha, sendo carregada no carrinho de mão, ou na carroça, ou ainda no caminhãozinho de madeira, brincando de chimbra (bola de gude) com os primos, carrinho, amarelinha, fazendo bolinhos e comidinhas em cacos de coco, criando bichinho com legumes e frutas (como meu pai fazia em sua época de moleque), brincando com bruxinhas de pano, de roda, pega bandeira, corrida de saco, pega-pega, esconde-esconde, banho de bica, de açude, de rio, futebol no cercado, ouvindo histórias de trancoso pelo Mané Bicho, e as mais variadas histórias por meu avô Jorge, as visitas às fazendas dos parentes e amigos, as festas, as explorações de matas e serras da região lideradas por meu tio Valdir, Moacir e painho Marcelo, e tantas outras... , são retalhos do passado ainda tão presentes na memória, ricas lembranças que me enchem de emoção.

              

                Viver a infância na fazenda alicerçou em mim um caráter sólido, uma alma pura, uma visão simples do mundo, além de bons exemplos de vida. A convivência com primos, tios, avô paterno, parentes, moradores, empregados, bichos, natureza, me mostraram que a simplicidade é o verdadeiro caminho para a felicidade e paz de espírito.

               Na casa grande moravam muitos velhos, irmãos solteiros ou viúvo(s) de meu avô, todos acolhidos por ele na grande casa da fazenda. Nos fins de semana a casa enchia, a família saia da cidade e se reunia na casa grande, nessa época muitos parentes e amigos tinham o costume de visitar uns aos outros e meu avô adorava toda essa movimentação, muita roda de conversa, prosa, poesia, política, música, rolava de tudo, conversas sérias e conversas divertidas, adorava estar em meio deles, me sentia importante. Sempre atenta a tudo, com curiosidade e inocência.

               Vovô era um bom homem, no fim de semana, não deixava seus netos e moleques sem um troquinho para comprar doces no barracão, era uma farra, corriamos ansiosos para comprar peito de velha, quebra queixo, pirulito de açúcar e outras guloseimas, daí nos deliciávamos sentados nas raízes das cajazeiras centenárias da fazenda.
              
                Mas, também, tinha o momento de assistir TV (preto e branco), pois era novidade na época, assistíamos desenhos, cinema mudo com Charles Chapplin e o gordo e o magro, sítio do pica pau amarelo, o globo rural (aos domingos de manhã) e todos os bons programas da época. Abriasse a janelona da sala e alguns moradores também assistiam conosco de lá. À noite, antes de dormir toda a meninada se sentava no alpendre para ouvir as histórias de trancoso do Mané, que nos assustava bastante, pois muitas delas era de parentes mortos que rondava a casa grande, ninguém se atrevia a ir ao banheiro para não cruzar no corredor com algum desses parentes já falecidos. Todos tínhamos nosso peniquinho em baixo da cama para alguma necessidade, nem mesmo alguns adultos se arriscavam por ter presenciado fatos estranhos, como vultos.
               São tantas recordações e lembranças felizes e curiosas, uma das mais marcantes era a festa de Natal no fim do ano, onde meu avô abria a fazenda para todos da região, era tanta gente por todo canto, a fazenda virava uma cidade, tinha corrida de saco, pau de sebo, cavalhada, banda de pífano, muitas atividades para todos, e ainda a atração principal a chegada do Papai Noel, que era o Mané Bicho fantasiado, havia distribuição de presentes e muito mais, só acabava a noitinha.
               Hoje tenho uma filha, moramos em Recife e sempre que podemos visitamos meus pais na fazenda Maná (desmembrada da Fazenda Cariri, por herança), é gratificante ver sua alegria e sorriso ao chegarmos lá, ela se sente livre, abraça os avós e corre logo para o jardim, o galinheiro, a casa do morador. Lá os brinquedos são outros, o pedacinho de pau, as pedrinhas, as bruxinhas de pano, os carrinhos de sucata  (confeccionados pelo morador da fazenda), os bichos..., tudo é diversão. Lá ela esquece o tablete, a TV, e até seus brinquedos da cidade. O colo da vovó é melhor do que o da mamãe, os braços dos titios a acolhe com carinho e o amor em família reina nos trazendo a felicidade tão almejada.
A meu ver, nenhuma tecnologia dos tempos modernos é capaz de se sobressair ante as brincadeiras saudáveis ao ar livre, os banhos de bica ou de mangueira no jardim, dar milho as galinhas, cuidar dos bichos, aguar as plantinhas no jardim, brincar de lama e fazer bolinhos, correr no terreiro sem se preocupar em ser atropelado, brincar com crianças, sejam elas pobres ou ricas, a simplicidade do ambiente, o acolhimento das pessoas, a igualdade de tratamento entre elas é que traz a harmonia entre homem e natureza, corpo e alma, infância e vida adulta.
A vida é um recriar. Cada época tem suas criações. Mas reviver na minha infância coisas e brincadeiras da infância de meus antepassados, e poder passar esse legado de cultura e simplicidade para minha filha não tem preço, viver nossas raízes é perpetuar nossa história.

                                                           Recife, 08 de janeiro de 2016
                                                
 

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