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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A copa do mundo e a casa da Rua do Imperador. Memória e cotidiano. Viventes das Alagoas



       
             A Copa do Mundo e a casa da Rua do Imperador 


             
Luiz Sávio de Almeida

            Em 1958,  acompanhei a Copa do Mundo por um pequeno rádio de um amigo, que espero ainda esteja vivo. Era de Campina Grande e fomos do mesmo quarto no internato do XV de Novembro em Garanhuns. Ele que era uma alma caridosa, colocou o rádio que tinha logo na entrada do Colégio. E foi aquela comemoração.

CERVEJINHA?
            
 Imagine o que deveria ser escutar o jogo?  Na verdade, o que era um espetáculo tornava-se mistério, fazendo com que a imaginação fosse construindo um filme  e, nisto, tínhamos tantos espetáculos quantos eram os ouvintes.  Havia o jogo Sávio, o jogo Paulo e nesta multiplicidade, por incrível que pareça, surgia a grande unidade que era o resultado de sermos um país Campeão do Mundo.  Foi uma Copa do Mundo feita apenas de som.
A glória avançava farta por cima do país maltrapilho, que também sonhava em ser o dono de uma Miss Universo. Quatro anos após a hecatombe de 1950, a belíssima brasileira perderia – segundo a urban legend que se formou –, por suas polegadas a mais e logo onde? Nos quadris. Até música fizeram. Era a baiana belíssima, amalandrada nacionalmente. Dizia a música: “ por duas polegadas a mais, passaram a baiana p’ra trás...” Este passar para trás é notável. Andei lendo que traz com z é do verbo trazer.
            Mas veja só, como conversa puxa outra... 

 ESSA BICHA JÁ TÁ QUENTE!


           
 Uma coisa notável era ouvir um grande narrador, um diálogo surpreendente com a imagem, motivado pela voz de um cara que de tudo sabia,  contava, narrava. Este é o verbo: narrar.  O locutor de futebol era um artista de primeira linha: alegrava, incentivava, desculpava, consolava, sofria e cantava com a imensa nação brasileira que corria embora vestindo roupa  de brechó, em cima de traves de ouro de seus craques.
            O quer seria para mim, àquela  época, ser um campeão mundial? O que aquilo interferia nas minhas peladas?  Não me lembro do nome do narrador esportivo que estava ali na Copa de 1958 alimentando meu sonho e de mais alguns que faziam bagunça na entrada do colégio. Passa tempo, Copa do Mundo almoçada, aparece um long play sobre aquele momento de glória nacional.
            Eu era amigo do Toinho, que era filho de um português proprietário de uma empresa de ônibus. Era interno e me chamou para passar uma semana de férias na casa dele. Eles moravam ali onde é o Sindicato dos Bancários; aquele lado de  rua que hoje em dia é o oitão do fracassado Bom Preço era uma imensa garagem. 

 A MULÉ QUER FECHAR !

            Numa determinada tarde, um irmão do Toinho nos chamou – éramos uns três – para ouvir o disco numa casa da Rua do Imperador que, se não me falha a memória era do Waldomiro Breda. Ficamos ouvindo, conversando, cantando o Didi, Pelé, Vavá bailaram lá na Europa e a Copa veio p’ra cá. E aquele acontecimento jamais saiu da minha cabeça. Acho que foi a primeira vez que fui à casa de alguém ouvir um disco. Depois fui outras.
            Toda vez que passo por aquela ruína na Rua do Imperador lembro que isto ocorreu e fico pensando o que pode acontecer com uma casa, um disco, amigos e uma cidade.  Chego a pensar com os botões que todo mundo tem, que as ruas retas sempre ficam tortas, a depender em parte, das suas ruínas: onde hoje é a casa, é, na verdade, um beco da minha memória.

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