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sábado, 30 de janeiro de 2016

Hístórias da vovó. Memória e cotidiano. Viventes das Alagoas




 Histórias da Vovó: a mulher mais gorda do mundo

Luan Moraes dos Santos

Discorde quem quiser, mas a mulher mais gorda do mundo, assim contam os mais velhos, esteve em Palmeira dos Índios, cidadezinha pacata do interior de Alagoas que, diferente do litoral, não tem os ares exalando maresia e muito menos a beleza das praias. Embora lindo, o mar não faz falta a um lugar tão bem situado como a terra de Tilixí e Txiliá e de mestre Graça.
Imagine, caro leitor, um grande vale encravado no meio das serras e gentilmente gotejado por açudes, nascentes e riachos. Mentalize ainda, nesse ambiente interiorano, uma cidade com ruas irregulares, um modesto comércio, aldeias indígenas, fazendas grandes e pequenas e a boa e velha política dos currais. É nesse ambiente que encontramos diversos personagens, que se possível fosse gastarias linhas e mais linhas até esgotar o assunto.
Pois bem! Vamos à nossa história.
Particularmente, me sinto curioso com as conversas de porta que as senhorinhas travam no fim das tardes. Isso mesmo, falo daquele costume de contar mexericos, fofocas, causos e, por que não falar, das histórias reais que se tornam causos a cada ponto acrescentado. Necessário dizer, que mais curiosa ainda é a forma que essas histórias são contadas.
Dessas histórias de porta e calçada, destacarei uma em especial. Como mencionei antes, a mulher mais gorda do mundo viveu em Palmeira dos índios e discorde quem quiser, eu acredito. Seu nome era Inocência Colatino e tive a oportunidade de ver uma fotografia sua durante uma visita no Museu Xucurus, que reúne diversas peças e entre elas objetos de personagens curiosos que já passaram por aqui.
Certo dia, ao voltar do museu, passei na casa da minha avó e decidi lhe perguntar sobre a existência de Dona Inocência Colatino e também saber mais sobre a interessante figura que, de acordo com os jornais, comia nada mais, nada menos, que seis quilos de carne de uma única vez!
Como esperado, as informações não bateram e minha avó me falou o seguinte:
Um quilo de charque! Eu quem ia comprar mais uma moça véia que trabaiava na casa dela. Ela passava lá em casa:
— Ou dona Emília! – que era o nome da minha mãe
— A   senhora deixa Terezinha ir mais eu?
Pra Rainha, que era distante de Rainha Isabel.
Aí eu ia pra Rainha, de pé, mas não é longe não donde a gente morava, no sítio pilãozinho pra Rainha. Aí todo dia era um quilo de charque, ela se sentava era em três cadera, era três! Aquela, um corpão assim... bem assim! Aí ela se sentava ali, e um dia eu cheguei lá – Beta era deste tamanhinho – Aí eu fui, da igreja eu passei por lá: E aí dona Inocência ?  Inocência o nome dela.  Como é que a sinhora tá?
— Tô aqui, Terezinha, vou levando devagarinho.
Ainda tá nessa vida?
— Tô, minha fia, comendo muito e me acabando! E tem que comer, porque a fome me chama.
A necessidade lá por dentro, ela dizia assim, me chama! Ela sentava, botava o fio dela, que já morreu também, botava um panelão, assim, de leite num banco, uma concha e uma xícra deste tamanho! Ela tomava a base de umas três xícra de leite, que dava uns três litro.
Aí ficou, aí eles ficaram acabado. Acabou-se tudo... tudo, tudo, tudo! Aí acabou-se tudo que eles tinha, aí o governo comprou uma casa aqui, passou pra eles e botou ela aqui. Eu ia visitar ela, fazia dó!  A cama, de solteiro, era assim que chamava, era dessa largura aqui, daqui praqui! Pra poder dá espaço pro povo virar ela, entendeu?
Mas tinha um pratinho lá. Eles botava um pratinho alí, pra todo mundo que chegasse ajudar. Quando era dia de domingo, todo mundo que ia visitar ela deixava dinheiro.

Como você pode perceber, a história, colhida durante entrevista e aqui transcrita é um resultado da combinação de história, realidade e toda a imaginação que foi possível aos 68 anos de minha avó, dona Terezinha.  Vale lembrar que durante sua adolescência, nos anos 60 e 70 era comum andar a pés para outras vilas e povoados próximos à Palmeira dos Índios.
Dona Inocência, existiu de fato, mas as histórias que permeiam essa existência fazem parte do imaginário local e mostram que as memórias dos mais velhos são, para os jovens que mostram interesse e respeito, como baús que guardam preciosos tesouros, a saber, moedas de sabedoria.
Para finalizar, é importante dizer que as histórias e os personagens não terminam por aqui. “A mulher mais gorda do mundo” é apenas uma de muitas histórias interessantes e que não podem ser esquecidas, pois o que seria da nossa infância sem as visitas na casa da vó e sem os fins de tardes largados nas varandas e alpendres exercitando a imaginação enquanto de sua cadeira de balaço ouvíamos, em tom simples e sincero as mais curiosas histórias. Até a próxima.

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