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terça-feira, 21 de março de 2017

Uma jornalista e sua vida (I)

Dois dedos de prosa



 É necessário lembrar que o grande objetivo de Campus/O Dia é montar um grande painel sobre Alagoas e, vez em quando, tem o prazer de publicar memórias, montando uma grande Caderneta de Lembranças. Hoje, trazemos o texto de uma jornalista de alta militância em nosso Estado e que nos enriquece com informações relativas ao interior, trazendo cenas que resgatam dimensões de vida.
Temos de agradecer à Olívia por nos ter dado a oportunidade de editar textos escritos em 2004 e que permaneceram inéditos. Ela está  aposentada do batente.
Então, vamos à leitura, aprendendo um pouco sobre o mundo a partir das recordações dos outros.
Um abraço Sávio.




Um pouco sobre meu nascimento

                                   Olívia de Cássia Correia de Cerqueira
                

           
Nasci em União dos Palmares, Alagoas, aos 9 de janeiro de 1960, entre dez horas da manhã e o meio-dia, na saudosa Rua Demócrito Gracindo, mais conhecida como Rua da Ponte, na casa que ficava vizinha ao antigo hotel de seu José Otacílio (seu Zeca) e dona Lia. Minha mãe contava que quando a parteira chegou para fazer o parto eu já tinha nascido. A mulher cuidou apenas do cordão umbilical e da limpeza. Meu primeiro nome foi uma homenagem à minha avó materna. O segundo foi uma homenagem a minha irmã falecida, à santa e à minha prima-madrinha Rita de Cássia Paes Peixoto, que mora no Rio de Janeiro.

Quando tia Osória ganhou a sexta filha, também colocou o nome de Rita de Cássia, minha companheira de brincadeiras e brigas da infância, e a irmã que eu não tive e que amo muito.  Segundo os comentários que minha mãe fazia, para chegar ao meu nome ela conversou com algumas amigas e conhecidas. Dona Gerusa da farmácia sugeriu para mamãe que eu me chamasse Paulina, mas mamãe relutou e eu ganhei o nome da minha avó e da minha madrinha, juntos.

                Só pude entrar na escola regular aos sete anos de idade, porque era uma regra da rede oficial de ensino no Estado, nos anos 60. O fato me causou muita decepção e raiva da professora Maria Mariá Sarmento, que era diretora de ensino, em União. Eu acreditava que tivesse sido ela quem impediu o meu acesso à escola. Mais tarde compreendi a questão, isso já moça feita, como diziam no interior. A professora Mariá era uma mulher inteligente e respeitada na região, conhecida pela sua irreverência e bom humor. Foi a primeira mulher na cidade a usar calças compridas. Sua história é muito interessante e seu sobrinho, Paulo de Castro Sarmento Filho, trata de reavivar a memória dos palmarinos mantendo o acervo da tia com muito esforço. A casa de Mariá estava em ruínas e foi restaurada pela prefeitura em convênio com outras parcerias oficiais. 

                Quando eu entrei na escola oficial, aos sete anos, já sabia contar até dez, rabiscar meu nome completo e já conhecia as primeiras letras do alfabeto.  Aprendi com meu irmão Petrúcio, em casa, e com a professora Josete Belém, na escolinha do Bangu, na Rua da Ponte. Eu gostava muito de estudar, era esforçada, mas sentia dificuldade no aprendizado. Nos meses em que fiquei doente, pedia para mamãe colocar os livros na cabeceira da minha cama, ou no travesseiro e caía num pranto desesperado, porque não podia ir à escola, nem enxergava direito.

Eu tinha muita ânsia de aprender, gostava dos meus colegas da escola, tinha um afeto profundo pela professora, mas para ser aprovada no exame do Admissão, que dava acesso ao antigo ginásio, uma espécie de vestibular do ensino fundamental, precisou que mamãe me colocasse nas aulas de reforço da professora Doralice, a Dora, filha de seu Pedro Fogueteiro, junto com meu irmão Paulinho. Foi com Dora que aprendi a gostar de fazer Palavras Cruzadas. Eu me sentia orgulhosa, quando ela me emprestava as suas revistas para que eu fizesse Caça-palavras e as Diretas. Devo a ela, além das aulas que me deram acesso ao ginásio, a facilidade do aprendizado que desenvolvi com as Cruzadas.

                Depois de Dora e já no ginásio, quando fomos morar na Rua Tavares Bastos, mamãe nos colocou para estudar particular com Aparecida Amaral, também um doce de criatura. Mas a minha primeira professora, no Rocha Cavalcante, foi Nina Rosa Sarmento, a quem chamávamos carinhosamente de mamãe Nina Rosa. Eu e minhas amigas Rosemary Veras e Gracinha Melo, entre outras colegas, íamos buscar Nina Rosa em casa, de tanto que gostávamos dela. Desenvolvemos tanto afeto pela professora que quando nasceu o seu primeiro filho nós costumávamos fazer-lhe breves visitas, na esperança de um afago, de uma palavra de carinho. No fundo, acho que nós éramos muito carentes de afeto, pelo menos eu o era.

FALTAVA ESTRUTURA – A ROTINA DA PERIFERIA

Na Rua da Ponte, nos anos 60, não tinha água encanada. Na nossa casa dos fundos da mercearia, mamãe pegava água do rio e colocava em dois tanques, para os serviços da rotina do nosso lar.  Já na outra casa, vizinha ao armazém de compra e venda de cereais, tinha uma cacimba de grande profundidade, que dona Antônia se servia para lavar roupa, pratos, o banho da família, e outras atividades da lida doméstica, mas a água era salobra e não servia para beber. Sendo assim, íamos buscar água potável em uma cacimba, na Fazenda Jurema, de propriedade do dr. Antônio Gomes de Barros, pai do ex-governador de Alagoas, Manoel Gomes de Barros. A cacimba tinha uma água cristalina e, de tão límpida, era azulada.
                A criançada e a vizinhança saíam com latas na cabeça, o que depois, na escola, resultou num apelido do meu irmão Petrúcio de “Lata d’Água”, que até hoje ele não gosta. Na nossa ida à busca da água, na Jurema, nós terminávamos subindo nos pés de manga do sítio de dr. Antônio e saboreávamos gostosas frutas, além de ficarmos curiosos com o gado zebu da fazenda. Meu irmão Petrúcio era muito levado e mamãe vivia às turras com ele.  Um dia  Petrúcio foi mexer com uma vaca, no sítio de seu Leão, pai de dona Carminha Leão e avô de José Leão Praxedes. A vaca lhe deu uma cabeçada que lhe quebrou os dentes. E quando ele chegou em casa, todo ensangüentado, mamãe, que estava grávida de quatro meses, abortou na hora, segundo ela nos contou quando já estávamos adultos.
Das peripécias de meu irmão Petrúcio ficou um episódio de uma briga dele com Zé Praxedes, que depois veio a se tornar prefeito de União dos Palmares e marido de Nadja, filha da melhor amiga da minha mãe, dona Neuza, e minha colega de escola. Da mesma forma que mamãe era de guardar muita mágoa, costumava lembrar o fato acontecido. A outra molecagem de Petrúcio foi jogar, já na Rua da Ponte, um mosquito de São João debaixo da saia da filha de uma senhora que todos só chamavam de “Viúva”, que morava na cabeça da ponte, onde depois funcionou o bar de seu Antônio Timóteo.
Por conta desse episódio do mosquito, papai lhe deu uma tremenda surra e o colocou de castigo, ajoelhado em caroços de milho, com um banco pesado e uma bacia na cabeça. Papai não brincava quando castigava meu irmão Petrúcio; meu irmão mais velho foi o que mais apanhou do meu pai.
Petrúcio fazia muitas brincadeiras conosco e se vestia com um pano velho, preto, de um guarda-chuva sem uso de papai; imitava o Zorro que assistíamos na televisão em preto-e-branco. Ele subia na parede da mercearia e ficava “atormentando”  lá de cima. Além dessas brincadeiras, tinha a do “padre Lara Lara”, que era feita em cima das camas, o que rendia muitos gritos da minha mãe.  O “padre Lara Lara” se vestia de branco (era um lençol de bramante da minha mãe) e ficava dizendo em voz fúnebre: “Eu sou o padre Lara Lara e vim para pegar vocês”. Eram brincadeiras gostosas para nós, mas que sempre terminavam em castigo, mais para o lado do meu irmão.
                Nós aprontávamos muito e outra brincadeira que gostávamos de fazer era a de mocinhos e bandidos, em cima das sacas de algodão, que o Valdemar ensacava, no armazém de papai. Valdemar às vezes se aborrecia com as nossas brincadeiras, pois bagunçávamos todo o seu serviço. Nas brincadeiras de faroeste que nós empreendíamos no armazém eu era sempre a mocinha que seria resgatada pelo meu irmão Petrúcio.            A mercearia que meu pai possuía  na Rua da Ponte foi o que permitiu que nossos pais nos criasse com dignidade. Foi dela e do armazém de compra e venda de cereais que papai tirou o nosso sustento. Todo sábado eu e meus irmãos íamos ajudar a despachar as mercadorias, porque o movimento era grade ali. O espaço ficava muitas vezes lotado.
Os matutos e feirantes que moravam nos sítios e na Serra da Barriga, quando terminavam de comercializar seus produtos na feira, iam pra lá fazer as compras semanais ou mensais. Meu pai vendia fiado e nós anotávamos todas as contas em cadernetas. Toda semana, quinzena ou mês os muitos fregueses do meu pai pagavam suas dívidas. Era uma relação muito mais de confiança que se tinha. A maioria pagava tudo certinho, mas meu pai também levou muito calote e quando se aposentou meu irmão teve trabalho para fazer o levantamento dos fiados e para efetuar as cobranças. Meu pai não era de cobrar aos devedores, porque ficava com vergonha. Nesse aspecto eu também puxei a seu João Jonas. 
                Os cavalos dos fregueses da mercearia ficavam amarrados por uma corda, na porta do estabelecimento e uma vez meu pai sofreu um pequeno acidente quando foi descarregar milho ou feijão. Levou um coice de um cavalo,  que o deixou ferido e ficamos preocupados. A medicação que se dava quando acontecia acidente no interior, no primeiro atendimento, era dar para a pessoa acidentada cerveja preta e foi o que indicaram ao meu pai por conta do ferimento provocado pelo coice do cavalo.
Eu passava horas e horas na mercearia do meu pai e hoje eu vejo que aquele local me serviu de laboratório, tantos eram os personagens interessantes, cada um com uma história de vida para contar. Quando eu não estava ajudando a vender as mercadorias eu ficava lendo, conversando com algum vizinho ou fazendo Palavras Cruzadas e aproveitava o tempo ocioso para resolver o Jogo dos Erros, as Diretas e o Caça-Palavras. Pegava jornais antigos como o Jornal dos Esportes, que tinha um papel cor-de-rosa; jornais que meu pai comprava em quilo para embrulhar as mercadorias como sabão, pacotes de café e outros produtos e ficava resolvendo aqueles jogos durante todo o tempo se não tivesse outra ocupação.
                Às sextas-feiras meu pai costumava dar mais esmolas do que durante a semana. Mendigos, pedintes faziam fila na mercearia para receber a cota que o meu pai distribuía toda semana. Ele colocava para cada um uma quantidade de cada produto da cesta básica: café, açúcar, charque, farinha, sabão, peixe salgado e bacalhau, que naquela época era alimento para pessoas de poucas posses, ou outro produto que a pessoa necessitada requisitasse.

Meus avós Manoel Paes e Olívia Maria 

 Pela Certidão de Casamento dos pais da minha mãe,  meu avô Manoel Correia Paes e minha avó Olívia Maria de Cerqueira ou Olívia Vieira de Siqueira casaram-se em 31 de outubro de 1908. Os nome e sobrenome de minha avó teriam sido modificados pelo cartório, pois constatei várias alterações nos sobrenomes dos nossos familiares. Vovô teria nascido em 1883, era agricultor, natural de Branquinha. Filho de Tibúrcio Correia de Araújo (ou Tibúrcio Vieira Correia) e Maria Paes de Oliveira (sobrenome que acredito também tenha sido modificado).

Minha avó Olívia, segundo o documento, nasceu em 1889.  Ela, de quem herdei meu primeiro nome, era natural de Branquinha, filha de Francisco Rosa de Cerqueira (ou Francisco Vieira de Siqueira) e Luzia Maria de Serqueira (ou Maria Francisca Vieira Correia) nomes e sobrenomes que também foram embaralhados e alterados no cartório, segundo as minhas pesquisas. 
Pelas informações desse documento que tenho em mãos, a certidão de casamento dos meus avós só foi expedida no dia 29 de julho de 1966, muitos anos depois da cerimônia, em Branquinha, à época distrito de Murici.

Minha avó Olívia fugiu de casa para casar com vovô Manoel, seu primo legítimo, segundo me contou minha tia Noêmia, porque vovó era muito espancada pelo pai, Francisco Vieira de Siqueira, senhor de engenho.  Vovó saiu de casa com apenas um pequeno baú na mão, levando o mínimo necessário de seus pertences.  Ela contava para os filhos que ajudava seu pai na lida do campo e do gado e sabia ordenhar vacas, mas era uma mulher muito doente. Na infância contraiu meningite, além de vários tumores nas unhas chamados de panarícios, dores ciáticas e reumatismo.

Eu convivi muito de perto com meus avós por parte de mãe, pois os pais do meu pai morreram quando ele ainda era muito pequeno. Minha avó Rosa Correia Paes, faleceu quando meu pai estava ainda com dois anos de idade e meu avô Jonas Vieira de Siqueira, registrado como Jonas Correia de Cerqueira, quando papai tinha quinze anos. Desse meu avô herdamos o sobrenome com erro no cartório.

Meu pai foi criado pela madrasta Maria José, devota e beata do Frei Damião e do padre Cícero do Juazeiro do Norte, no Ceará, onde ela foi morar mais tarde, na cidade do Crato. Era muito conservadora e transmissora de toda a ideologia daquela cultura das beatas e costumava fazer viagens para o Ceará, com os romeiros, em cima de um caminhão pau-de-arara. Ela foi encontrada morta, no Juazeiro, na casa onde estava morando sozinha, depois de alguns dias do seu falecimento.

Mas as lembranças da minha infância me remetem ao meu avô Manoel Paes, seu Né Tibúrcio, ou “Papai Né”, como meus primos o chamavam, pois ele me fazia quase todos os gostos. Vovô herdou o apelido de Tibúrcio devido ao nome de seu pai, Tibúrcio Correia. Já vovó Olívia Maria era mais apegada aos meus irmãos Paulo e Petrônio e não encobria meus defeitos e traquinagens da forma como o meu avô Manoel o fazia; se alguém me fizesse alguma desfeita ou mamãe quisesse me bater, bastava um olhar do meu avô para desarmar qualquer um. Seu olhar era implacável. 

Eu fui muito apegada ao meu avô e só fui ter mais convivência com meu pai bem mais tarde, depois que vovô morreu e eu já estava com 15 anos, porque papai passava o dia todo na mercearia e só estava em casa na hora das refeições ou na hora de dormir. Com meu avô era diferente: ele tinha todo o tempo do mundo para mim, para me dar atenção. Eu chegava da escola e já buscava a sua companhia, se não estivesse de brincadeira com os amigos da rua, pois eu não parava em casa.

Vovô era alto, magro, branco, tinha os olhos claros, entre o azul e o verde e já o conheci calvo. É engraçada a semelhança que encontro no ator Castro Gonzaga, da Rede Globo, com o meu avô Manoel Paes. Toda vez que o vejo no vídeo, me reporta à imagem que tenho dele, principalmente quando Gonzaga representou o papel do Formiguento, na novela Saramandaia, em que as formigas brotavam do seu nariz.  Seu Né Tibúrcio tinha aquele jeito carrancudo e áspero, mas comigo era sempre menos autoritário e se rendia às minhas brincadeiras.     
   
Na casa de vovô, na saudosa Rua da Ponte, tinha uma cadeira tipo espreguiçadeira onde eu me sentava junto com seu Manoel, para ouvi-lo contar as suas aventuras nas matas. Meu avô contava-me histórias da Serra da Barriga, das caçadas que empreendia mata adentro, pois, segundo ele, era bom caçador, e acredito que comecei a me interessar pela história de Zumbi dos Palmares e pela questão dos negros com ele, mesmo que as histórias que me contasse fossem carregadas de preconceitos, porque vovô era racista e, tal e qual seu pai, seu avô, e seu bisavô não gostava de negros.

Talvez tenha sido o seu preconceito racial que tenha me despertado para esta causa. Comigo as coisas sempre funcionaram assim. Mamãe também era racista, puxou ao pai, mas esta é outra parte da história, que contarei lá mais na frente.

Vovô também gostava muito de literatura de cordel e comprava vários livretos na feira para que eu ou outra visita fizesse a leitura daquelas histórias, já que ele não sabia ler. Aos sábados, eu costumava ir com seu Manoel Tibúrcio à feira livre de União e ao Mercado Público.

Eu tinha uma pequena cesta de palha que voltava sempre cheia das minhas pequenas compras: pitomba, goiaba e outra fruta qualquer que fosse quase verde, por que não gostava e não gosto de frutas maduras. Meu avô fazia questão de comprar tudo o que eu gostava e as pessoas admiravam a afeição que ele tinha por mim, já que era um pouco temido pelos outros netos e sobrinhos, pelo seu jeito durão de ser. 

Seu Manoel chegou a ser senhor de engenho (o Mucuri), assim como o meu bisavô Tibúrcio, mas vendeu as terras a preço módico para cuidar de uns sobrinhos, filho de um irmão dele que ficaram órfãos. No entanto, vovô Manoel e vovó Olívia terminaram seus dias de vida morando em casa alugada; quando já estavam bem velhinhos e doentes foram morar lá em casa, na Tavares Bastos, em União, numa dependência que tinha nos fundos do imóvel e ali faleceram.  
         
Minha avó Olívia era uma mulher bondosa e angariava a simpatia de quem a conhecia, mas às vezes ela se colocava com raiva. Era apaixonada pelo meu avô, não chamava palavrão e o único xingamento que fazia, quando se aborrecia com ele, era chamá-lo de “c... da injura”, assim mesmo. Já o meu avô gostava de chamar por outros nomes: “peste-bubônica”, que ele aliviava chamando “péia” e “bixiga” ou “bixiguento”, deixando a minha avó revoltada. 

Meu avô guardava o dinheiro que meus tios mandavam para as despesas diárias dentro de uma meia e debaixo do colchão ou dentro de um dos baús da minha avó. Acredito que foi desse costume dos antepassados de guardarem dinheiro dentro de meias que se gerou o dito popular “fazer um pezinho de meia”, quando se diz que se vai juntar algum trocado em poupança ou em algum investimento.

Além de ter tido oito filhos vovó Olívia cuidou de outros, por adoção. Ela era baixinha e gordinha, ao contrário do meu avô. Gostava de usar roupas floridas e de passar carmim. Dona Olívia usava um pequeno coque no cabelo e tinha aversão aos seus logos e escassos cabelos grisalhos. Minha avó vivia dizendo que queria encontrar uma pasta que os escurecessem, pois naquela época ainda não era costume usar tintura no cabelo; se já existia, minha avó não conhecia.

Dona Olívia e seu Manoel Paes tinham o hábito de ficar na porta da casa onde moravam, na Rua Demócrito Gracindo, a Rua da Ponte, toda tarde, observando o movimento. A vizinhança tinha uma afeição enorme por ela e os mais moços a chamavam de vovó. Sempre tinha alguém que passava por lá para tirar um dedinho de prosa com ela, que ficava toda animada pela atenção que lhe era dispensada. Minha avó não gostava de barulho, mas ensaiava cantigas e batucava na mesa, quando sentava para comer ou conversar.





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