Translation

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A fraude na eleição da Assembleia de Alagoas



Em 1817, na Aclamação e Confederação firmou-se o protocolo político dos liberais e conservadores, definindo riqueza, áreas, senso de poder. Tudo se encaminha para a Abdicação dando-nos a impressão de maior unidade entre os conservadores e fácil ver os liberais tratados como moderados e exaltados. As parentelas, os partidismos, os grupos, as frações e o que mais existisse na vida política deste universo senhorial terminariam por convergir em uma questão simples: a impossibilidade de se quebrar a estrutura fundiária. É por isto que, apesar de parecer frase de efeito, eles seriam diferentes mais iguais. Por aí sim, prosperaria uma discussão sobre como se construía a identidade dominante do período e será visto um local de convergência política: a estrutura fundiária e suas ressonâncias políticas na consolidação do agrarismo e ganhos no interesse do capital. Luiz Sávio de Almeida


 Quem é quem

Luiz Sávio de Almeida é Doutor em História, Professor Emérito da UFAl e professor da disciplina Formação do espaço alagoano no mestrado de Dinâmicas do espaço habitado. UFAL. Coordenador de Campus

Dois dedos de prosa

Este artigo é basicamente parte de um, trabalho mais longo sobre Alagoas; trata da fraude  na primeira eleição da Assembleia Provincial e recapitula os marcos principais da nossa política, no período denso de definições que qualificou a Regência.
Vamos ler e se prestar eu agradecerei com um, sorriso,
Abraços
Sávio

 A primeira fraude em nossa Assembleia Legislativa (I)
Luiz Sávio de Almeida

Uma pequena introdução

As Assembleias Legislativas aparecem na vida política do Império com o Ato Adicional de 1832 e  na esteira da Abdicação de Pedro I e da implantação da Regência;  elas substituem os Conselhos Provinciais vindos de 1824. A Carta de Lei de 25 de Março de 1824 mencionava o Conselho e a Câmara de Vereadores como canais à disposição do cidadãos para pronunciarem-se em defesa de seus interesses.  É que, necessariamente, a Constituição criava um viés virtual de direitos, isolando o concreto do cotidiano onde predominavam os interesses do poder local. Câmara e Conselho eram expressões senhoriais e o direito não poderia estar isolado da circunstância em que era vivido o Império. Era direito de fato, aquele que coubesse no espaço político senhorialmente definido. Esta definição era a regra, apesar de copiosa retórica enunciando a liberdade como sempre se escuta à guisa, inclusive, da mesmice em parte da  teoria no direito constitucional.

Naquela oportunidade, o Império tinha cerca de  oito províncias em evidência, sendo uma na região norte (Pará), quatro no atual Nordeste (Bahia, Ceará,  Maranhão, Pernambuco), duas no sudoeste do (Minas Gerais e São Paulo) e, finalmente, uma no sul: Rio Grande do Sul.  É possível entender que se tratava das províncias de maior condição econômica e política. Seus Conselhos seriam compostos por 21 membros. Alagoas e 12 outras unidades deveriam ter apenas 13 Conselheiros, eleitos na mesma oportunidade em que seriam os Representantes da Nação. Pretendia-se o Conselho, portanto, como entidade a satisfazer a escolha local e isto o transformava, infalivelmente,  em mais um dos instrumentos do senhorial.

O primeiro conselho

O nosso primeiro Conselho foi eleito na gestão de D. Nuno Eugênio de Lossio e Selltiz que havia sido nomeado no dia 21 de Abril de 1824, assumindo em Alagoas a 1º de Julho do mesmo ano. É somente em 9 de novembro de 1825 que o Conselho se instalou nas Alagoas, e, logo surgia em relevo, a nítida marca senhorial ou a máscara do capital em nosso agrarismo.  Nele encontrava-se um Sargento-Mor de larga presença na nossa vida política: Miguel Veloso da Silveira Nóbrega de Vasconcelos.
Um padre estaria presente e era José Francisco Correia, considerado por Moreno Brandão como “verdadeiro taumaturgo”. Constava o nome do Capitão José Pinto da Mota Nunes, proprietário de ligações na área do Rio de  São Miguel; o Tenente-Coronel José Gomes Ribeiro, o Tenente-Coronel José Leite da Silva, Antônio da Silva Lisboa. Dois impedimentos foram arguidos: Capitão Tertuliano de Almeida Lins, advogado Manoel Joaquim Pereira. Claramente, os Conselheiros resumiam a composição senhorial:  braço armado, braço ideológico, braço econômico, em um envolvimento típico do agrarismo na sua versão alagoana.

Sobre este Conselho, Espíndola informa que Manoel Joaquim Pereira estaria criminoso e foi conduzido preso para a bateria de S. Pedro. Ainda neste mesmo caminho de presença senhorial nos postos de comando político, saíram deputados gerais: Francisco de Assis Barbosa que era padre, João da Costa e Silva, José de Souza Mello, padre Luiz José de Barros Leite. Senadores, da lista sêxtupla, foram escolhidos o próprio D. Nuno Eugênio e o Visconde de Barbacena que nada efetivamente tinha com a província. Nos estertores do Conselho, para o período de 1830 a 1833, Miguel Veloso da Silveira Nóbrega estava na Presidência e até mesmo era membro Floriano Vieira da Costa Delgado Perdigão, vindo do antigo tempo de Mello Povoas. Dentre os suplentes, vale considerar o Padre Affonso de Albuquerque Mello que chegou a tomar assento em 1832 e que foi uma expressão política de primeira ordem, no que vamos chamar de tempos alagoanos da Abdicação.

Caminhos alagoanos

Os caminhos da política alagoana até o início da montagem da Assembleia Legislativa passam por diversos momentos de tensão, tanto por motivos locais quanto por motivos de construção da nação. É uma marcha cujos passos iniciais estão em 1817 com a chamada Revolução dos Padres e vai a 1822 com a Independência, a 1824 com Confederação do Equador  e depois segue para os tempos da Abdicação de Pedro I.  Este caminho é polvilhado por choques internos da elite, com alguns sendo de maior vulto como se deu com o juramento de fidelidade a Pedro I e com a Sedição de Porto Calvo. Para maiores informações sobre este modo de ser da política alagoana à época, sugerimos uma consulta a um nosso texto[i]. Os momentos econômicos e políticos se alinham na medida em que o capital caminha na construção de suas rotas.

Momentos históricos como 1817, 1822, 1824, 1830 seriam pontilhados de discussões que passavam por como fazer a construção tanto do estado como da nação e isto levava a momentos inusitados. Por outro lado, acontecimentos como a Sedição de Porto Calvo, contragolpe conservador, seriam eivados de problemas locais, de contendas de grupo que se expressam em 1817 avançando para a organização do que era conhecido como partidismo.

A fertilidade de um período

Contudo, a nosso ver, o período mais fértil está no que, grosso modo, chamaríamos de Abdicação, onde o choque entre os partidismos que começava a formalizar instituições efetivamente orgânicas levava, no bojo da discussão política, os que se colocavam  à favor da permanência ou não de D. Pedro I e que se passasse por instantes políticos de renovação e radicalização, como se deu com a Sociedade Federal a atuar, especialmente, em Maceió e Alagoas tendo efetiva presença nos negócios provinciais e chegando a gerar a nossa imprensa, através do Iris Alagoense. Formalização em partido vai ser pelos idos dos Lisos e Cabeludos, mas organização partidista estará presente pelo jogo dos colunas e dos federais ou liberais que assumem posição efetiva na busca de controle do Conselho,  intervindo nos negócios provinciais desde o que vamos chamar de golpe sobre o 4º Corpo de Artilharia em Maceió.

Além de Maceió e Alagoas, sociedades estavam instaladas no interior a trabalharem o que era chamado de causa pública e teremos um novo repique contra os portugueses, semelhante ao da época da Independência. A Sociedade Patriótica de Atalaia estava dando carga sobre os portugueses; liberais de São Miguel desejavam a vila e por aí estavam instalados  novos tons de contenda política. Este tipo de engajamento político dura um denada e logo a Federal perde poder pelo embate interno entre liberais e conservadores que ficam com o domínio, inclusive, do Iris Alagoense, jornal que sofrerá atentado, o que deve ter produzido seu fechamento a curto prazo. Matéria sobre os episódios pode ser encontrada em Sant’Ana em seu texto sobre a história de nossa imprensa.
O clima na Província das Alagoas não deve ter sido diferente do que se viveu ao longo do Império, o que pode ser visto, por exemplo, no que Raiol[ii] falou sobre o Pará e sua Sociedade Federal em data aproximada à Abdicação pois seu livro datava de 1868; aliás, ele traz os estatutos da sociedade que dividiriam coincidir, obrigatoriamente, com os que prevaleciam em Alagoas e a questão do federalismo assumia o primeiro plano, mas ela abrigava tendências.

A sorte das organizações pode ser vista em comentário de Manoel Correia de Andrade sobre Pernambuco, onde a Federal nasce em 1831 sendo hostilizada pela Harmonizadora. Diz Andrade: “Ficaram assim bem delineados os campos políticos, tornando-se as duas sociedades – a Harmonizadora e a Federal – dois verdadeiros partidos.”[iii].

Havia urgência de tomada de posição e logo estamos dentro da Guerra dos Cabanos que foi anos corroendo a renda provincial e a produção na área norte da economia do açúcar. Era mais um elemento resultante do universo político da Abdicação, desde que a rebelião nas matas corresponde ao começo de refrega armada entre governo e absolutistas da região norte da Província.  A expansão da atividade econômica demandava a liberação da área da mata e é justamente a Guerra que levará, posteriormente, à abertura de estradas, a tentativa de integração de vasta região a noroeste.

A proximidade dos momentos políticos

Maceió em 1830, fim de abril tinha oficializada a notícias da Abdicação, apenas 13 anos após 1817. Os grandes acontecimentos que mencionamos no início do artigo estavam todos próximos e jamais poderiam ser tratados isoladamente, como se um deles tivesse um fim abrupto para dar imediato lugar ao outro. As contradições, os interesses das frações não teriam se desmanchado tão rapidamente, como se em, 1822, passados cinco anos, nada tivesse restado de  1817; como se 1824 a dois anos da Independência assumisse um universo político solutamente novo e como, finalmente, se a composição de renovadores e colunas fosse gerada nos entornos imediatos da Abdicação, deixando de lado as marchas locais da Independência e da Confederação do Equador.

Na  medida em que se constituía a Capitania das Alagoas, assume o governo o que havia de mais reacionário ou de lealdade ao rei que se teve nos acontecimentos de 1817, equivalendo à consolidação conservadora de raiz portuguesa. O choque continuará e a história política até a Cabanada será pontilhada por pequenos golpes militares que somam-se em proporção de conflito. E a Cabanada já entra pelos idos da regência.

Regência e transição

A transição representada na Regência foi altamente significante, pelas propostas, debates enfocados e deixou de forma mais clara, ver o esclarecimento paulatino de conservadorismo e também de liberalismo, condições que jamais poderiam ser iguais em face de sutilezas e nuances de posições que se firmam. E, por outro, trata-se de um tempo histórico em que houve a expressão forte de grupos que eram dominados, ao mesmo tempo em que se consolidam instrumentos nas mãos senhoriais.

E possível verificar um rearranjo das forças políticas senhoriais durante a Regência e isto leva a maior nível de consolidação de controle e domínio e, no fundo, a matriz da produção cimentava o caminho de articulação entre poder e propriedade da terra, restando discutir os novos termos que se estabeleceriam nos caminhos econômicos e políticos. Com isto acercavam-se novos temores pânicos, especialmente pelo fato de que em tais manifestações chegou a acontecer a presença de setores dominados, com alguns autores falando, até mesmo, em movimentos populares regenciais, conforme se pode considerar em Manoel Correia de Andrade, organizador de um livro sobre o assunto:

Foram lutas que se prolongaram, às vezes, por vários anos e onde apareceram líderes oriundos das classes populares disputando o controle e o poder aos velhos representantes da oligarquia, embora quase sempre se apresentassem muito contraditórios em seus discursos. Também a massa popular não apresentava homogeneidade, sendo constituída por índios e caboclos que viviam ainda em estágio quase selvagem, negros escravizados ou libertos, brancos e mestiços pobres que não tinham acesso à posse da terra e muitas vezes ao mercado de trabalho. As divisões na classe pobre, o jogo de interesse dos vários grupos, as contradições culturais e a habilidade e a força da classe dominante  fizeram com que estas revoltas fossem reprimidas, sufocadas com a maior violência.

                Neste reprimir, embora não somente nele, a Regência revela a  montagem ou atualização  de instrumentos que favorecem a consolidação do poder local ou sua plataforma essencial de mando e controle político. Portanto, ela não é uma transição que se faça em direção a uma abertura democrática, mas de repressão como fez com a Cabanada em Pernambuco e Alagoas e com a Revolta dos Malês na Bahia e outros pontos.  

Na realidade, todo o clima de excitação e de renovação que esteve presente durante o conjunto de tempo chamado Abdicação vai ser refeito e desmontado em parte da  Regência que trabalhará por consolidar o Império.  A desmontagem é realizada pela força e pela negociação política interparis, como se deu na Cabanada. Se a Abdicação foi um dos passos para a consolidação da Independência, por outro lado, a Regência consolidou o mote senhorial ao vencer as revoltas populares que se montavam.

E a repressão vai deixar muito clara, a  existência de unidade geográfica entre as matas de Alagoas e Pernambuco, sendo possível dizer que se teve a continuidade do ambiente como papel político, seguramente desenhado desde os tempos do Quilombo dos Palmares e antes como se pode notar pela saga de Porto Calvo.  Ligações que tiveram pontos estrategicamente delimitados ao longo do território e no caso da Cabanada com dos marcos fundamentais e que permaneceram na retórica da repressão:  Jacuípe nas matas de Alagoas e Panelas de Miranda, saindo das matas e entrando no agrestado dos brejos pernambucanos, Serra da Borborema, bacia do Rio Una que descerá ao mar em Barreiros, Pernambuco,  abaixo de Água Preta onde posteriormente e de modo denso ter-se-á o conjunto dos movimentos rurais da Praieira em torno da saga de Pedro Ivo.

Panelas de Miranda entra com Antônio Thimoteo após a marcha de Torres Galindo, segundo Mosher[iv],  plantador de algodão, nos começos  de partidismo armado Coluna em Pernambuco. O partidismo Coluna será um dos gatilhos da Cabanada nas Alagoas. Tem-se na Cabanada uma ligação das matas que se faz pela descida do rio Una, que passa em Panelas, também ponto de algodão  à época.

Partidos e sociedades

É nesta época de transição que perfila Abdicação e Regência, que os partidismos começam a tomar forma nas Alagoas, pela chegada de um novo elemento político: as sociedades, como a Federal que, inclusive, em Pernambuco, Recife,  foi criada em Outubro de 1831 e opositora à Sociedade Patriótica Harmonizadora, apesar de sua posição moderada conforme Manoel Correia de Andrade leva-nos a pensar.

s os partidismos que se desenvolvem estão presos à continuidade do poder senhorial; como dissemos, o poder local apropria-se de mecanismos que vão acontecendo, especialmente no que diz respeito ao militar, polícia, judiciário. Na medida em que vencem os episódios de sedições, motins, rebeliões, o controle ajusta-se e reajusta-se.

A Independência  em Alagoas parece vir de 1817 e não, propriamente, de 1822 conforme os rumos de 7 de Setembro, mas conforme o golpe e marcha que se verificou, trazendo à cena Manoel Vieira Dantas dos lados do Rio de São Miguel e a parentela Mendonça no lado do nosso litoral Norte e eles vão ficar em evidência no Império e na República: os Palmeiras e os Mendonças.

É com o golpe, que a Junta formada pelos liberais vai sofrer o afrontamento conservador e gerar a Sedição de Porto Calvo, quando é aplicado novo golpe, desta feita pelo grupo conservador e assumem a Junta Governativa. Ao golpe armado promovido pela parentela dos Palmeira, com ramificações sertanejas, tem-se o conservador da parentela dos Mendonça, costados basicamente em mata e litoral.

Serão estes mesmos liberais e conservadores que já estiveram na crista da Revolução de Março de 1817, que estarão em evidência também na Confederação do Equador, com os primeiros demarcados por Manoel Vieira Dantas. Como se pode notar, os partidismos estavam associados imediatamente às parentelas, por elas formarem a unidade básica do mando senhorial e nelas exercia-se, também, um dos elementos extraordinários do agrarismo que eram os temores pânicos e eles eram liames,  fatores de unificação sobre a diversificação.

Em 1817, na Aclamação e Confederação firmou-se o protocolo político dos liberais e conservadores, definindo riqueza, áreas, senso de poder. Tudo se encaminha para a Abdicação dando-nos a impressão de maior unidade entre os conservadores e fácil ver os liberais tratados como moderados e exaltados. As parentelas, os partidismos, os grupos, as frações e o que mais existisse na vida política deste universo senhorial terminariam por convergir em uma questão simples: a impossibilidade de se quebrar a estrutura fundiária. É por isto que, apesar de parecer frase de efeito, eles seriam diferentes mais iguais. Por aí sim, prosperaria uma discussão sobre como se construía a identidade dominante do período e será visto um local de convergência política: a estrutura fundiária e suas ressonâncias políticas na consolidação do agrarismo e ganhos no interesse do capital.

E partem igualmente para liquidarem o diferente como juntaram-se nas forças senhoriais da Cabanada, o comprometimento com contrabando de escravos como se deu com o próprio Manoel Duarte Ferreira Ferro[v], membro da parentela Vieira Dantas, a mesma que esteve na crista avançada de 1817, Aclamação e Confederação do Equador.





[i] ALMEIDA, Luiz Sávio de. Memorial biográfico de Vicente de Paula, o capitão de todas as matas. Guerilha e sociedade alternativa na mata alagoana. Maceió: Edufal,2008.
[ii] RAIOL, Domingos Antônio. Motins políticos ou história dos principais acontecimentos políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 a 1835. V 2. São Luiz do Maranhão,  1868
[iii] ANDRADE, Manoel Correia de. A Guerra dos Cabanos. Recife: Editora Universitária UFPE,
[iv] MOSHER,  Jeffrey C. Politcal Struggle, Ideology and  State Building: Pernambuco and the Construction of Brazil 1817-1850. USA: 2008.

[v] DUARTE, Abelardo. Episódios de contrabando de africanos nas Alagoas. Maceió: DAC, 1988.

Nenhum comentário:

Postar um comentário