Translation

quinta-feira, 7 de maio de 2015

NUNES, Débora. Sem Terra em marcha na defesa da reforma agrária e dos direitos pela vida

Este artigo foi publicado originalmente em Campus/ O Dia
NUNES, Débora. Sem Terra em marcha na defesa da reforma agrária e dos direitos pela vida. O Dia. Maceió, 29 mar. a 04 abr. 2015, Campus, p. 3.
 redação 82 3023.2092 
e-mail redacao@odia-al.com.br



Dois dedos de prosa


            Os semterra retornaram a Maceió e aqui ficaram de nove a doze de março deste ano.  Foi uma caminhada diferente das iniciais. Hoje contam com mais de cem assentamentos e diversos acampamentos, em todas as regiões de Alagoas. Foi uma caminhada conjunta das principais bandeiras do movimento, colocando a situação da reforma agrária no Brasil e a condição de vida que se tem nos acampamentos e assentamentos. Houve uma demonstração pública de que se mantém a capacidade de reivindicar junto ao governo e uma demonstração à sociedade civil de que continuam organizadamente a luta pela reforma agrária.
Campus pediu a dirigentes que fizessem uma avaliação do que aconteceu. Trata-se de um documento importante, pois, inclusive, é a primeira vez que se tem na imprensa de Alagoas uma escrita integrada de diversos movimentos sobre aspirações, propostas e reivindicações.
Vale a leitura!
Luiz Sávio de Almeida

Débora Nunes 

 




- Dirigente Nacional do MST, membro da Direção Estadual do MST (AL), formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas




Sem Terra em marcha na defesa da reforma agrária e dos direitos pela vida 

São as Mulheres Sem Terra que abrem e dão o tom à Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária em Alagoas. Vindas de diversos municípios de todo o estado, as cerca de 800 mulheres, trazem como lema MULHERES EM LUTA: POR SOBERANIA ALIMENTAR, CONTRA A VIOLÊNCIA E O AGRONEGÓCIO!

A ação das mulheres vem carregada de simbologia na ocupação da Superintendência do Ministério da Agricultura em Alagoas, mas, sobretudo pela disposição e compromisso de defender a Reforma Agrária Popular e dialogar com a sociedade denunciando a violência e os problemas causados pelo agronegócio à humanidade e as futuras gerações.

O modelo do agronegócio, que recebeu apenas no ano de 2014, mais de 130 bilhões de reais, provoca muitos problemas desde a concentração da terra na mão de poucos, a expulsão violenta e silenciada de milhares de famílias do campo e  a degradação e destruição da natureza,  envenenando nossas terras, águas, ar, o nosso povo e derrubando as matas e florestas, sendo ainda uma ameaça à soberania alimentar do país e a vida de toda a população brasileira e alagoana, afetando de maneira direta as condições das mulheres.

Mas no bojo da luta, também se trás alternativas e apresenta à sociedade um projeto de agricultura baseado na agroecologia, que pressupõe a construção de outras formas de se relacionar com a natureza, com a terra e os seres humanos. Um projeto que defende a democratização da terra, com a realização da Reforma Agrária, como forma de resolver problemas estruturais de toda a sociedade, pois a medida que não se permite que mais pessoas saiam do campo e que tantas outras possam retornar, isso contribui para que as médias e grandes cidades ampliem os amontoados de gente vivendo sem condições dignas de trabalho, habitação, educação, saúde e mobilidade urbana.

Realizar a Reforma Agrária é garantir que os camponeses e camponesas cumpram sua principal tarefa para com a sociedade que é de PRODUZIR ALIMENTOS SAUDÁVEIS para alimentar quem esta no campo, mas sobretudo quem vive na cidade. E se faz extremamente necessário reforçar que não é qualquer alimento, mas deve ser alimento saudável, pois o uso intensivo de veneno tem provocado o aumento da incidência de câncer na população. Segundo o Instituto Nacional do Câncer – INCA o consumo médio por habitante no Brasil é de 6 litros de veneno/ano.


 Em Alagoas a expressão e materialidade do agronegócio é ainda mais violenta, pois a monocultura da cana, sendo a principal atividade econômica do estado, concentrou a terra, destruiu a nossa Mata Atlântica, poluiu rios, explorou o nossos povo, mas não teve a capacidade de fazer com que a riqueza produzida pudesse trazer retorno aos alagoanos. Ao contrário, prioritariamente para exportação, nem mesmo tem participação incisiva na geração de impostos que pudessem ser revertidos à sociedade.

E quando não poderia ser pior, se vê parte desta cana sendo substituída por plantações de eucaliptos, que num breve olhar parece ser floresta. Mas na verdade é o nascimento do aprofundamento, ainda mais perverso, da destruição da biodiversidade e da reprodução da miséria em nosso estado.

É por isso também que o MST se coloca em lutas, pois tem a clareza que “a cana não enche prato e que o eucalipto não faz floresta!”. Luta para que a cana seja sim substituída, mas pela produção de macaxeira, feijão, inhame, frutas, alimentos saudáveis para chegar e encher o prato da população que precisa alimentar-se todos os dias.

Além deste elemento de denuncia do modelo e de buscar dialogar com a sociedade sobre as suas implicações e as alternativas existentes, os Sem Terras – agora não mais apenas as mulheres, mas também homens, jovens, crianças, idosos, e passam dos milhares e que ao estarem em Maceió saem de uma INVISIBILIDADE quando trazem as reais condições que vive o povo Sem Terra. Condições estas que explicitam a cotidiana negligência do Estado Brasileiro, nas suas esferas – municipal, estadual e federal, e nos seus poderes – executivo, judiciário e legislativo.

E quando se fala das condições é aquilo que garante que o povo permaneça e viva no campo. Assim a luta trás à reivindicação do cumprimento das obrigações do Estado, na garantia de direitos fundamentais, direito à vida, educação, saúde, moradia, trabalho, lazer, que também estão na Constituição Brasileira, mas que no argumento são inferiores ao direito à propriedade.

Durante a nossa jornada, as crianças e a juventude Sem Terra na passagem pela Secretaria Estadual de Educação deixaram seu protesto em forma de arte com mãos pintadas nas paredes e frases que trazem a radiografia da situação da educação do campo em Alagoas, onde faltam professores, merenda, água para consumo e higienização da escola, e tantas outras condições. Nesse momento algumas poucas pessoas questionavam se seria correto “sujar as paredes”. 
E aqui não se pode deixar de dizer que a denuncia deixada nas paredes podem, como já deve ter o sido, lavada com água ou cobertas com tintas, mas o fato de adolescentes terem ficado em vários municípios por um mês sem irem à escola porque esta mesma Secretaria retirou o transporte escolar, a água não lava. O fechamento de diversas escolas no campo, as precárias condições estruturais de prédios que colocam a vida de crianças e adolescentes em risco ou ainda a violenta omissão do estado que não garante uma educação de qualidade, que poderia oportunizar um futuro melhor a quem vive no campo... Isso a água e a tinta não pode apagar!

Enfim luta-se para que seja garantido o direito à terra para que os camponeses vivam no campo. Luta-se para que as condições desta permanência existam. Luta-se para que o agronegócio não seja a prioridade do Estado. Luta-se contra todas as formas de violência contra as mulheres, homens, crianças, jovens e idosos, inclusive contra a violência do Estado quando não reconhece estes sujeitos e não cumpre com seu papel.

Luta-se para que a sociedade tenha o direito de decidir se quer comer alimentos saudáveis ou continuar sendo dia-a-dia envenenada com a ação do agronegócio. Luta-se por uma sociedade que a regra seja a justiça social para todos e todas.
 






Nenhum comentário:

Postar um comentário