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quarta-feira, 20 de maio de 2015

OLIVEIRA, Aldjane de. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: NO CASO DOS ESTUDANTES WASSU

Este artigo foi originalmente publicado no Suplemento Campus do jornal O Dia. Maceió, 17 a 23de Maio 2015, ano 03, nº 116.







Aldjane de Oliveira, nasceu e cresceu na cidade de Joaquim Gomes –Alagoas, é filha de professora de primeiro grau. Tem ascendência materna no povo Wassu.  Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas- UFAL, pós-graduada em Gestão Educacional pelo CEAP, Especialista em Antropologia pela UFAL e Mestranda em Antropologia pela UFS. É professora de Sociologia no nível médio pelos estados de Alagoas e Sergipe. É vice-presidente da ONG Casa de Cultura Cidadã Urucum- CACCUM, que atua no município de Joaquim Gomes- AL.


Dois dedos de prosa





Aldjane é uma jovem pesquisadora quem vem se formando e, no momento, faz mestrado em antropologia na Universidade Federal de Sergipe. Ao realizar um curso de Especialização, escreveu uma monografia sobre os Wassu, grupo indígena que se estabelece na área de Joaquim Gomes. Seu interesse, na oportunidade, passava pela questão educacional. É desta monografia que preparou uma série de artigos (quatro) para Campus. Hoje publicamos o primeiro.

Dentro do quadro de problemas relacionados aos índios, um deles aflora como campo de discussão a bem dizer sistemática: a educação.  Ela, contudo, como veremos  na leitura do texto, desloca sua atenção para os jovens estudantes indígenas fora do contexto do aldeamento, vendo-os dentro do universo de uma unidade educacional que pertence ao contexto urbano de Joaquim Gomes.

A  seriedade com que trabalha levará Aldejane a dar uma grande contribuição e são o seu talento, senso de responsabilidade e sua vontade de andar que nos leva a publicá-la, agradecendo a possibilidade que nos deu de divulgar sua pesquisa através de Campus.
Temos confiança de que um novo talento se afirma e crescerá.
Luiz Sávio de Almeida
 


EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: NO CASO DOS ESTUDANTES WASSU
Aldjane de Oliveira 

Este artigo é escrito a partir de pesquisa que realizamos junto a estudantes indígenas Wassu, etnia localizada no aldeamento Wassu Cocal que está na área do município de Joaquim Gomes. Ela foi realizada entre 2013 e 2014 durante o curso de Especialização em Antropologia que realizamos no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas. Trataremos de discutir linhas gerais do que vem a ser Educação Escolar Indígena (E.E.I.) e suas influencia na vida dos estudantes indígenas Wassu. Discutiremos o tema de forma a mostrar a relevância da E.E.I. nas lembranças e na vida prática dos que por ela passaram. Estudo os jovens/estudantes Wassu fora da aldeia, na escola de nível médio da área urbana da cidade.





Apresentando a Cidade e a Aldeia Wassu Cocal


Joaquim Gomes -Alagoas, localiza-se na Zona da Mata alagoana, com seu principal núcleo
urbano distando cerca de 63km da capital do estado, Maceió. Sua principal fonte de renda vem da agricultura e da prefeitura. Segundo o Censo Demográfico, IBGE de  2010,  o município possui 22.581 habitantes.
Neste município encontra-se a Aldeia Wassu Cocal, que é cortada pela BR 101, possuindo uma população com  2.037 pessoas, segundo a Administração Regional  da FUNASA- Maceió (2010), possuindo extensão territorial de 2.758ha. 

O nome da Aldeia, Wassu Cocal, contam os mais velhos - eu já ouvi o cacique Jeová relatando também-, que Wassu significa “grande”, dando referência  a grandeza do Rio Camaragibe que serpenteia as terras da aldeia e que possibilitava a base da alimentação de seus ancestrais e a fertilidade das terras; já Cocal designaria os “coqueirais” que existiam em abundância naquela região.


 Educação Escolar Indígena


 Faz-se necessário uma contextualização dos conceitos, da forma que o termo Educação Indígena (E.I.) foi visto e tratado, por muito tempo na história brasileira, como um conceito definidor de uma educação escolar formal aos moldes da escola nacional. A Educação Indígena, passou a ser entendida como o processo de aprendizagem civilizatória dos índios na sociedade nacional para sua assimilação, partindo da imposição de modelo educacional/escolar voltado para os índios.

Compreendo Educação Indígena como toda a transmissão e aprendizagem de conhecimentos específicos de uma comunidade etnica: forma de viver, de cosmo-visão, de cultura. A aquisição desta educação se dá, principalmente, pelos conhecimentos culturais passado de uma geração para outra. Como apontam KAHN e FRANCHETTO a respeito da Educação Indígena: “Entende-se esta última como sendo o conjunto dos processos de socialização e de transmissão de conhecimentos próprios e internos a cada cultura indígena” (1994, p.4-5 ).

 A sociedade não-indígena institucionalizou o termo Educação Indígena como aquilo que se refere à educação formal, como, por exemplo, alfabetizar. Contudo, o que até então se dizia ser Educação Indígena, seria na verdade educação para os índios, a partir da fala da sociedade nacional, o que hoje entendemos como: Educação Escolar Indígena

Assim, podemos adentrar numa reflexão sobre educação na aldeia e para a aldeia, onde poderíamos entender que educação na aldeia (ou, ainda, Educação Indígena, de fato) seria aquela voltada e preocupada com a formação das crianças, jovens e adultos indígenas, englobando questões de aprendizagem/internalização da cultura, das crenças, da moral, da vida em comunidade, sendo uma transmissão de conhecimento pensado, produzido e modelado, ali mesmo, a partir de suas particularidades e realidade práticas do grupo étnico, cada grupo a seu modo.

Já a educação para a aldeia – ou Educação Escolar Indígena – diz respeito aquela pensada e elaborada de fora para dentro, isto é, historicamente falando, de aplicação de modelos externos às realidades outras, pois, de fato nunca foi, até então, preocupação do Estado conhecer e analisar as realidades locais, as especificidades étnicas; poderíamos pensar aqui em uma educação projetadas para “civilizar”, domesticar, transformar, amordaçar aqueles que vivem outras experiências, outras lógicas. Isto perdurou por um processo histórico, passando pela tutela do SPI - Serviço de Proteção ao Índio - , e, posteriormente, da FUNAI, Fundação Nacional do Índio.

No cenário atual, de políticas voltadas para a Educação Escolar Indígena, podemos perceber um inédito acontecimento: o diálogo- ou a tentativa deste- entre Estado e os grupos étnicos, grupos ou comunidades que partilham de um modo de viver distintos dos outros grupos sociais, que têm costumes, ideias e cultura em comum.  Isto possibilita direcionar um novo olhar sobre o tema e sobre a possibilidade de construção de nova forma de fazer educação. 


Movimento Indígena por uma escola contextualizada



A proposta de educação intercultural, embasada também em conceitos antropológicos, provavelmente precisa de uma atenção ou cuidado que a torne mais eficaz, pois, se é proposta uma sociedade que conviva com/e respeite a diferença do outro é preciso construir esta sociedade. A utilização do conceito de educação intercultura, surge na Europa em oposição ao assimilacionismo, mas aplicada em contextos diferenciados, no modelo americano. De acordo com Collet, “Iniciou-se, então, um projeto educativo intercultural, que tinha como principio a valorização da cultura “nativa” e o desenvolvimento das populações indígenas” (COLLET,2003, p. 175).

Assim, a proposta de educação intercultural visa:

uma sociedade que saiba lidar melhor com a diferença, a educação intercultural se baseia, principalmente, na formação de professores, voltada para o respeito à diversidade, e na produção de materiais didáticos que contemplem a pluralidade de culturas existentes[...] (COLLET, 2003, p. 181).

É sabido das dificuldades encontradas sobre a implementação de uma educação intercultural no contexto indígena. Quando da primeira tentativa de implementação deste modelo de educação no Brasil pelo SIL (Summer Institute of Linguistics), a proposta  bilíngue, sobre a formação de professores aptos a direcionarem este modelo educacional, assim como pela dificuldade ou má vontade e empenho do Estado em questões financeiras para que as ações interculturais/ bilingue fossem implementadas.

Com o advento da redemocratização do Brasil, a partir da década de 1980, as minorias sociais conquistaram espaços nos debates, nos fóruns de decisões; os indígenas de “passivos” passaram a “ativos”, num sentido de que passaram a ter voz de decisão.  Quando digo, passaram a “ativos”, num sentido de que com o novo contexto histórico vivido no Brasil, para a construção da nova Constituição Federal, as minorias, como negros e índios conquistaram espaço para um “diálogo” com a sociedade nacional, afim de que se pensasse, projetasse meios e medida legais para a efetivação da cidadania com deveres e direitos para estas minorias até então sem voz nos fóruns de decisões sócio-políticos.

Mas, para que houvesse alguma transformação, ao menos inicialmente no papel ou nas leis, foi necessário uma militância indígena, certa de que tais conquista, em tese, não significaram uma real transformação nem melhoria referente à Educação Escolar Indígena, mas apenas possibilidades de reivindicações de direitos .

Cenário das escolas na Aldeia Wassu Cocal


A  aldeia Wassú Cocal possui quatro escolas e uma extensão de uma delas. Tais escolas são: 1) Escola  Estadual Indígena José Manoel de Sousa; 2) Escola Estadual Indígena Profª Marlene Marques dos Santos; 3) Escola Estadual indígena José Máximo de Oliveira; 4) Escola Estadual Indígena Manoel Honório da Silva. Em visitas que fiz a duas destas, a Escola Estadual Indígena Manoel de Sousa, que se constitui como tal possuindo, apenas,  sala de aula, cozinha, direção\coordenação; havendo uma extensão da mesma a alguns metros dali que se encontrava em reforma, segundo informação dos moradores, o espaço era uma casa de farinha da comunidade.

Em conversa informal com uma das coordenadoras da Escola E.E. Marlene Marques dos Santos, a qual me recebeu prontamente; perguntei-lhe sobre o que ela pensava a respeito da educação diferenciada na Aldeia, ao que ela me respondeu: “é muito difícil trabalhar nas condições em que a educação escolar indígena se encontra” e acrescentou que os professores se esforçam para trabalhar, que fazem projetos referentes à cultura indígena. Falou também, orgulhosamente, das produções de textos feitas  pelos alunos sobre os contos e lendas locais.

Me fez refletir  uma frase dita por ela, sobre o que pensava a respeito da E.E.I; “ a diferença que vejo na educação diferenciada é o salário que a gente recebe, que é uma vergonha, é um salário pra tudo, professor, coordenador só ganha um salário”, falou ainda sobre a falta se segurança trabalhista, pois são contratados pelo Estado, e reclamou sobre a efetivação desses professores ou a abertura de uma seleção interna para professores indígenas, o  que, segundo ela, não acontece. Isto nos mostra um problema de ordem prática da E.E.I, sobre como se efetivam as coisas, os contratos, relações trabalhistas, entre outros, pois isto implica diretamente na efetivação e eficácia ou não desta educação diferenciada.


Turma da professora Maria
A ordem prática da Educação Escolar Indígena ou Escola Indígena

Na ordem prática das coisas, percebo que E.E.I, ou a Escola Indígena de uma forma geral, no cotidiano, está mais ligada à localidade e/ou espaço dentro da aldeia do que propriamente às praticas dentro desta escola, ou ainda, do que às teorias relacionadas à E.E.I. É reconhecido socialmente que, a escola ou a educação escolar é indígena pelo fato de “pertencer”, de estar dentro da aldeia, e nelas trabalham indígenas, que por sua vez, são contratados a baixo custo pelo Estado e sem garantias trabalhistas.

O foco aqui é mostrar a importância da E.E.I para a formação e construção da identidade étnica, pois, em entrevistas  com os jovens/estudantes Wassu (que estudam na escola não-indígena da área urbana da cidade) constatei referências e nostalgias referente à Escola da Aldeia, visto que os estudantes entrevistados já estão estudando o nível médio em escola fora da Aldeia, pois nesta só há ensino fundamental.  Eles falam com entusiasmo de aulas e fatos ocorridos em época que estudavam nas escolas da Aldeia.



Cenário das escolas na Aldeia Wassu Cocal



A  aldeia Wassú Cocal possui quatro escolas e uma extensão de uma delas. Tais escolas são: 1) Escola  Estadual Indígena José Manoel de Sousa; 2) Escola Estadual Indígena Profª Marlene Marques dos Santos; 3) Escola Estadual indígena José Máximo de Oliveira; 4) Escola Estadual Indígena Manoel Honório da Silva. Em visitas que fiz a duas destas, a Escola Estadual Indígena Manoel de Sousa, que se constitui como tal possuindo, apenas,  sala de aula, cozinha, direção\coordenação; havendo uma extensão da mesma a alguns metros dali que se encontrava em reforma, segundo informação dos moradores, o espaço era uma casa de farinha da comunidade.

Em conversa informal com uma das coordenadoras da Escola E.E. Marlene Marques dos Santos, a qual me recebeu prontamente; perguntei-lhe sobre o que ela pensava a respeito da educação diferenciada na Aldeia, ao que ela me respondeu: “é muito difícil trabalhar nas condições em que a educação escolar indígena se encontra” e acrescentou que os professores se esforçam para trabalhar, que fazem projetos referentes à cultura indígena. Falou também, orgulhosamente, das produções de textos feitas  pelos alunos sobre os contos e lendas locais.

Me fez refletir  uma frase dita por ela, sobre o que pensava a respeito da E.E.I; “ a diferença que vejo na educação diferenciada é o salário que a gente recebe, que é uma vergonha, é um salário pra tudo, professor, coordenador só ganha um salário”, falou ainda sobre a falta se segurança trabalhista, pois são contratados pelo Estado, e reclamou sobre a efetivação desses professores ou a abertura de uma seleção interna para professores indígenas, o  que, segundo ela, não acontece. Isto nos mostra um problema de ordem prática da E.E.I, sobre como se efetivam as coisas, os contratos, relações trabalhistas, entre outros, pois isto implica diretamente na efetivação e eficácia ou não desta educação diferenciada.


A ordem prática da Educação Escolar Indígena ou Escola Indígena

Na ordem prática das coisas, percebo que E.E.I, ou a Escola Indígena de uma forma geral, no cotidiano, está mais ligada à localidade e/ou espaço dentro da aldeia do que propriamente às praticas dentro desta escola, ou ainda, do que às teorias relacionadas à E.E.I. É reconhecido socialmente que, a escola ou a educação escolar é indígena pelo fato de “pertencer”, de estar dentro da aldeia, e nelas trabalham indígenas, que por sua vez, são contratados a baixo custo pelo Estado e sem garantias trabalhistas.

O foco aqui é mostrar a importância da E.E.I para a formação e construção da identidade étnica, pois, em entrevistas  com os jovens/estudantes Wassu (que estudam na escola não-indígena da área urbana da cidade) constatei referências e nostalgias referente à Escola da Aldeia, visto que os estudantes entrevistados já estão estudando o nível médio em escola fora da Aldeia, pois nesta só há ensino fundamental.  Eles falam com entusiasmo de aulas e fatos ocorridos em época que estudavam nas escolas da Aldeia.


Uma criança indígena
Influências da Educação Escolar Indígena no caso dos estudantes Wassu


Numa tentativa de compreender um pouco sobre a diferença, para os estudantes Wassu, entre a escola da Aldeia (Educação Escolar Indígena) e escola da cidade (Educação escolar não-indígena), e também, sobre como eles se sentiam ou se sentem respectivamente  nestas escolas, foi-lhes perguntado então:

 Na escola da Aldeia você se sentia diferente dos seus colegas de alguma forma? Por quê? Obtivemos tais respostas:

“Não, por que os alunos da aldeia também são índios, não fica nessa coisa de dizer que a pessoa não é índia...”

“Não, por que a gente era tudo igual um ao outro, tem a mesma tradição todos os dias ali...”

“Não, até por que era... a gente era tudo índio mesmo...”

“Não, lá era até melhor, por que tinha aula de capoeira, dança, comidas típicas, era assim tudo de  índio na aula, é sempre assim lá.”

“Me sentia igual a todo mundo, porque todos os alunos daqui da aldeia são índios...”

“Não, porque a maioria também era índio”.

Podemos afirmar que estes alunos Wassú, que agora frequentam escola não-indígena, têm sim, claramente, noção de seu pertencimento étnico: de que são partencentes a um grupo que se diferencia das pessoas da cidade ou de outros grupos sociais; compreendem que fazem parte de um grupo que tenta também através de uma Educação Escolar Indígena passar para as novas gerações coisas que consideram importantes para a manutenção de sua cultura.

Nesse ponto, percebemos, a importância da Educação Escolar Indígena, na medida em que os jovens/estudantes Wassu apontaram forte lembranças da Escola Indígena como algo que concretiza o grupo étnico. Afirmo ser extremamente relevante a E.E.I. como meio de fortalecimento do grupo etnico e como espaço de contrução da identidade indígena.

 Percebemos nas falas dos estudantes Wassu o entendimento sobre a diferença da escola indígena(aldeia) para a escola não-indígena(cidade); construíram ou fortaleceram a partir da escola indígena uma consciência de pertencimento étnico, conforme as falas acima. A relevância desta Educação Escolar Indígena se dá pelo fato de se pensar as particularidades de cada comunidade indígena, suas necessidade e objetivos para, então, trabalhar os conteúdos e suas formas de aplicação de acordo com cada realidade.

Quando afirmam, em unanimidade, que não se sentem diferentes ou discriminados na escola da aldeia porque lá todos os seus colegas ou a maioria deles também eram índio, entendo que, também, estão afirmando que lá na Escola Indígena e na Aldeia como um todo eles constituem um grupo diferente dos outros grupos, que aqui denominamos de grupo étnico, no caso os Wassu (como se denominam), não sendo necessário ressaltar a diferença, mas sim a semelhanças entre eles. E quando saem daquele espaço escolar para outro espaço escolar não-indígena se torna primordial problematizar a diferença por meio da autoafirmação, o que nem sempre é tão bem resolvido. 

Quando falam de terem a mesma tradição, no que se refere à uma cultura em particular, falam do cotidiano quando é colocado “a mesma tradição todos os dias ali”  e dizem, também, que a Escola Indígena “era melhor”, penso que afirmam isso pelo fato de nela haver coisas do seu dia a dia, da sua realidade, como as   aula de capoeira, de dança (provavelmente o toré), de comidas típicas, “era assim tudo de  índio na aula, é sempre assim lá”.

Abordam também sobre o fato de na Escola da Aldeia, ou seja, na Escola Indígena, não existir a discriminação, o apontamento, pois não precisam afirmar ou defender ou ainda esconder sua identidade étnica como na fala: “ não fica nessa coisa de dizer que a pessoa não é índia...”, subentendendo, portanto, que entre iguais não se necessita de re-afirmação frequente sobre sua indianidade.

O que nos faz comungar da teoria de BARTH (2000, p.34), quando este afirma que não são os conteúdos culturais que definem os grupos, não sendo, portanto, necessário a afirmação diária sobre sua identidade étnica quando se estar em meio ao próprio grupo, no cotidiano, nas relações internas ao grupo. Então, Barth diz que são as fronteiras que definem o grupo étnico; portanto, consideramos aqui, a escola não-indígena  como o lugar de fronteira, que contribui também, para o processo de construção de sua identidade etnica. Porém de forma geral, o que importa dizer aqui, é que os estudantes Wassu sabem, têm consciências de suas origens e pertencimento etnico, sendo parte muito importante para esta consciêcia etnica, a Escola Indígena ou a Educação Escolar Indígena.  


Estudande, Escola e Identidade


O processo identitário acontece numa frequente zona de conflito interno, numa oscilação da afirmação/negação do pertencimento étnico ou da identificação com o grupo. Como aborda Roberto Cardoso de Oliveira em Os (des)caminhos da Identidade:

Nesse sentido, vale considerar, no que diz respeito ao processo identitário, que se trata de um espaço marcado pela ambiguidade das identidades – um espaço que, por sua natureza, abre-se à manipulação pelas etnias e nacionalidades em conjunção (OLIVEIRA, 2000, p. 17).

Quando perguntado, aos estudantes que entrevistamos, se eles já tiveram ou têm vergonha de dizer dentro da escola que são índios, cinco entre seis dos entrevistados  responderam que não. Vale ressaltar que só encontramos seis estudantes indígenas no periodo matutino na escola, mas isto não impede de armar o que chamaremos de hipoteses etngraficas, dado o fato de que estamos lidando com uma parcela do todo, sem ponderar a representatividade. Contudo, sabemos que estamos diantes de uma condição que prima pela homogeneidade e não pela heterogeneidade e isto nos tranquiliza quanto a extrensão para o grupo do que colhemos com os estudandes em evidencia.

Apesar de terem negado, nos finais de suas falas obtivemos respostas como:

“ Dependendo da situação, às vezes digo que sou índia, às vezes digo que não. Quando os outros alunos ficam falando mal dos índios, eu não brigo por isso”.

“... sempre quando perguntam digo que sou, sempre defendo minha cultura, mas só quando perguntam”

“... mas só falo que sou índia se me perguntarem. Se ninguém perguntar eu fico na minha...”.

Percebemos com estas falas que os indígenas/estudantes Wassú podem passar despercebidos entre os demais alunos. Isto fica em relevo pois, levando-se em consideração estarem numa cidade pequena, onde só existe uma escola de nível médio, mesmo assim  “conseguem” ser invisibilizados. A prática invisibilizante ou homogeneizante da escola  intenciona tornar o jovem, o indivíduo, num simples aluno, sem levar em consideração suas origens, seu cotidiano, suas diferenças, suas culturas, enfim suas especificidades.

Dentre os entrevistados apenas um, ao qual chamaremos de Porã, afirmou, claramente, sentir vergonha em dizer que é índio, principalmente em uma situação descrita por ele:

“Sim... teve uma vez que um amigo perguntou onde eu morava, eu disse que no Cocal, ai ele perguntou se eu era indígena, mas eu não disse que era índio não... fiquei com vergonha de ter discriminação... por que tinha muita gente perto... fiquei pensando se eles iam mangar... Mas, isso foi fora da escola”

Percebemos que sabem do seu pertencimento, porém na hora de afirmar se são ou não índios, eles primeiro analisam a situação, se há muita gente perto, se há a possibilidade de as pessoas presentes discriminá-los para que, então, eles afirmem, neguem ou omitam sua indianidade. Sabemos que a questão indígena no nordeste é algo bastante complexo; a identidade do índio, foi omitida, camuflada ou negada por diversos motivos. João Pacheco de Oliveira, contextualiza a situação do índio do nordeste, colocando em relevo a natureza do processo histórico que vivenciaram com praticas e imedidas de integração na ordem da produção, gerando a possibilidade de serem confundidos com as populações rurais locais.

Apesar de, em algumas ocasiões, os estudantes wassú entrevistados, omitirem sua identidade étnica, seu pertencimento grupal, isto não significa dizer que estejam renegando ao grupo ou à sua etnicidade. Para melhor destrincharmos esta questão analisemos a seguinte citação:

Ser um indígena não significa que você possui uma cultura indígena separada. Em vez disso, provavelmente significa que em alguns momentos, em algumas ocasiões, diz-se “Essa é minha identidade étnica. Este é o grupo ao qual desejo pertencer.” Também cultivam-se alguns sinais particulares que assinalam que essa é sua identidade. Isso certamente significa que foram aprendidas algumas coisas que mostram uma continuidade cultural da tradição das prévias gerações da população indígena (BARTH, 2005, p. 19).



BIBLIOGRAFIA



BARTH, Fredrik. O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Tradução: John Cunha Comerford – Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.



______ .“Etnicidade e o conceito de cultura”, in Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política, n. 19, 2º. Sem., 2005 (pp.15-30.).



COLLET, Celia Leticia Gouvêa. Interculturalidade e Educação Escolar Indígena: um breve bistórico. Cadernos de Educação Escolar Indígena- 3º Grau Ingígena, Barra do Bugre: UNEMAT, V. 2, N. 1, 2003.



KAHN, Marina; FRANCHETTO, Bruna. Educação Indígena no Brasil: conquistas e desafios. Em Aberto, Brasilia, ano 14, n. 63, jul./set. 1994.



OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Os (des)caminhos da identidade. RBCS, Vol. 15 nº 42, fevereiro, 2000.


Numa tentativa de compreender um pouco sobre a diferença, para os estudantes Wassu, entre a escola




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