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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Os kariri-xocó com quem tenho minha canela enterrada

XUCURU-XOCÓ INDIANS,  Pajé Júlio, São Francisco River
PAJÉ jÚLIO ASSINANDO UMA PERMISSÃO PARA PESQUISA

Este é um grande amigo que tenho, o Pajé Júlio da aldeia dos kariri-xocó, no Porto Real do Colégio, beira do São Francisco. Somos amigos de anos e anos e de muitas conversas, dentre elas, sobre o Ouricuri lá no limpo, onde segundo ele, eu tenho uma canela enterrada.
O Ouricuri é um lugar de extrema paz para mim e sempre que passo pela aldeia, sento no mesmo lugar e fico esperando o tempo falar comigo na presença de um velhíssimo pau de Angico, testemunha de grande idade.
Com o Júlio, o velho Pajé, sempre tive  grande amizade pessoal. Nesta foto, ele está assinando permissão para que se faça uma pesquisa na aldeia. É a varanda de sua casa, onde tantas vezes me sentei e tomei café.
Naquele dia fui fazer, também, uma visita ao Heleno, filho do Cacique Cícero, que andava muito doente. Depois, fui tomar o rumo da estrada, pois me deu vontade de visitar o Pajé Peba no Tingui, lugar dos Karapotó, onde o cacique era outro grande amigo, o Juarez. 
Deu vontade de ir andando pela aldeia dos Kariri-Xocó e saí batendo umas fotos que dessem a ideia da grande povoação que é. Antes de pegar mesmo o caminho, andei no rumo da Pimenteira, beira do rio, tirei a roupa e, peladão,  tibunguei nas águas do velho Chico, tomando o devido cuidado de nadar de costas, por conta do avexamento de alguma piranha. Cautela e caldo de galinha não fazem mal, conforme diz o povo.

Na primeira foto, pegando a esquerda se vai para o lugar sagrado do Ouricuri onde branco não entra, havendo ritual. É um segredo. Eu vou lá, sempre que posso; tem um lugarzinho que me sento sempre, perto de uma proteção cheia de força e energia do bem e acho que descanso meses de vida em uma hora de absoluto silêncio. Lá no Ouricuri já tive extraordinárias experiências que o Pajé me pediu que somente contasse a ele, pois era um particular meu com a gente da mata. Era um segredo, palavra muito apreciada.
É neste lugarzinho em que sempre me sento, que, segundo o Júlio, eu tenho uma canela enterrada, no que desejou dizer que era o meu lugar.  É um lugar de encantados e eles me protegem, ainda de acordo com o Júlio, assim que boto o pé na estrada para chegar no aldeia; o bem me protege na volta.


A segunda foto é no meio da aldeia; eu ia andando e uma coisa me chamou a atenção: a beleza do círculo no meio dos ângulos retos e aí tirei a foto daquela sombrinha maravilhosa, talvez chinesa, aparando o sol e dando sombra lá no povo que guarda minha canela.



Muita gente deve pensar que me importam os trecos de títulos e comendas que me deram. Não nasci com nada disto pendurado no pescoço; sou doutor, professor emérito, comendador disto e daquilo outro mas nunca pedi ou desejei: simplesmente dão e não seria eu quem cometeria o despautério de não aceitar. 
Os grandes títulos e grandes honrarias são dados no cotidiano, no dia a dia das relações que a gente mantém e muitas vezes podem vir na forma de um abraço, de um carinho e de um sorriso, de uma palavra mansa quando a vida está perturbando.
Destes, tenho muitos e são preciosos. Um deles recebi nesta aldeia, numa conversa em uma roda  sentada debaixo de um pé de pau frondoso e convidativo. Um índio disse: "Professor, o senhor pode fazer o que desejar, o que quiser lá fora. Qualquer coisa! Aí o senhor corre p'r'aqui que num tem quem lhe pegue!". 
Agradeci e me senti honrado pois ele estava dizendo que ali era também a minha terra e eu era tanto deles, que me guardariam para o resto da vida.
É uma bela sensação, ter uma canela enterrada lá com eles e ter um particular com os encantados. Amigo, isto é que é diploma!

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