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domingo, 13 de janeiro de 2019

A crônica diária: a antiga rivalidade entre as cidades





Ao estilo das velhas cadernetas de lembranças (II): a briga entre as cidades

Luiz Sávio de Almeida

               As coisas e as situações existem e desaparecem e, por isto, a lembrança é algo fantástico pois faz a emoção juntar-se e,  sem o atualizar,  traz o passado à mostra, embora um passado diferente do que efetivamente foi, mas, sem dúvida, presente em você, agora como lembrança, recordação e evocação. Vez em quando, fico amoroso com o sentido de evocar e, para dizer a verdade, gosto do senso coloquial da palavra memory. Qual seria uma boa tradução? Talvez seja a minha idade, o que me faz puxar mais pelo passado do que pelo presente. Sou fascinado pelo passado e pelo miolo de pote e é assim que vou levando a vida no rumo dos meus oitenta. Será que chegarei vivo aos oitenta, ou estarei na cidade dos pés juntos? Até hoje, soube que o gps do diabo está quebrado no inferno. Ainda bem.
               Apois,  havia a mania das duas cidades maiores terem rixa e ditos e piadas. Era o caso de Natal e Mossoró no Rio Grande do Norte,  João Pessoa e Campina Grande na Paraíba. Natal sempre foi impiedosa com Mossoró, sentada lá no sertão, às margens do rio do mesmo nome, bonita e onde Lampião mandou bala,  mas não entrou. Havia uma churrascaria chamada  O sujeito  que eu frequentava muito. Lembro-me  que,  no banheiro das mulheres, havia uma placa com o desenho de uma Maçã e no dos homens: um Abacaxi.  Pelo menos, o dono tinha senso de humor. Foi ali em Mossoró, que algumas coisas aconteceram e que jamais esquecerei. São tolas, mas sagradas para mim, que àquela época trabalhava com a implantação do chamado método de Paulo Freire no Rio Grande do Norte, tempo em que  Aloísio Alves era Governador.
               A primeira foi a ida de uma jornalista do Time-Life para cobrir o trabalho. Fizemos amizade; nem me lembro do nome dela. Bonita, o português arrevesado e um majestoso equipamento fotográfico; foi ela quem me ensinou, nos dias em que passou, muito sobre como fotografar. E depois comprei minha primeira máquina, uma pequena Yashica, 36 mm.  A segunda foi numa madrugada. O calor era imenso, o sertão estava abafado;  pelas três horas da manhã, saí do hotel e os feirante estavam arrumando suas coisas. Um homem estava fazendo um pequeno monte de abacaxi e comecei a conversar com ele; conversa vai e conversa vem, ele disse que ia escolher um abacaxi para comer e dividir comigo.  Apois saiba: nunca comi outro igual. A terceira foi incrível: eu estava na beira do rio e passava um pescador me uma pequena canoa. Fotografei e ele gritou que eu estava roubando a alma dele. Fiquei pensando em como a fotografia pode invadir.
               Dizia o povo de Natal, que fazia sucesso um filme chamado O Último tiro e o cinema, em Mossoró,  começava a exibição às 20 horas. Às 16, o cinema estava lotado, pois ninguém queria perder o primeiro. Pior foi quando passou E o vento levou,  pois amarraram todas as cadeiras do cinema e por aí seguiam as lorotas com Mossoró que tinha um clube  cuja sigla era ACDP e que ficava depois de uma ponte e onde a estrada fazia uma curva. O pessoal de Natal dizia que era adepois da curva da ponte.  
                 O fazia isto acontecer?  Necessidade de diminuir o outro e  por qual razão? Engraçado que isto terminou, mas eu lembro que em Maceió se desancava Arapiraca, dizendo ser terra de gente da pestana roída; falava-se também que ao inaugurarem o sistema de telefone, ninguém conseguia utilizar, pois todo mundo estava querendo ligar ao mesmo tempo e tudo dava ocupado. Contavam, também, duas histórias altamente repetidas.         
Todas as duas são notáveis. Uma delas dizia que um plantador de fumo levou o filho para a feira da Arapiraca e nenhum dos dois havia visto gelo. O menino sumiu e o pai encontrou e gritou: “Fio, e tu tás comendo vrido?”.  E a resposta: “Tou não pai; tou chupando uma pedra d’água pai!”. A segunda é a história de um fumicultor que veio a Maceió e viu um picolé;  gostou, comprou cinco para levar para os filhos.  Comprou, botou na mala, fechou e o calunga colocou na carroceria da sopa. Chegou em casa, chamou os meninos para mostrar o presente, abriu a mala e tava aquela poça dentro. Então ele com ódio começou a gritar: “Aquele calunga fio da peste,  roubou os picolés e ainda mijou na mala!”.
Apois, qual a razão desta rivalidade ter existido,  ter sido expressa desta forma e depois ter desaparecido?
Perguntinha.

Obv. Grande parte destas crônicas estava entulhando o arquivo; nem mais recordo quando foram escritas. Na verdade elas são o exercício diário que faço para me habituar a não ter preguiça de escrever. Decidi ir pegando e colocando no blog: pelo menos fica um registro de memória e daquilo que era chamado de usos e costumes.

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