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sábado, 12 de janeiro de 2019

Miserere nobis.Um pouco em torno de Arthur de Azevedo (I): Eu sou a Celina!


Um pouco em torno de Arthur de Azevedo (I):  Eu sou a Celina!

Luiz Sávio de Almeida

Tirei este mês de dezembro de 2018 para reler, o máximo possível, a obra de Arthur de Azevedo, de quem sou fan de carteirinha assinada. Preferi ler os contos; na verdade, teatro eu  gosto de ver e não ler textos pois a cabeça navega muito.  Eu chamaria e não sei o que me dirão os críticos, que estou diante da mesma sociedade posta por Machado de Assis, mas vista de cabeça para baixo ou quem, sabe, mas fortemente demarcada por seus escondidos, aquele universo que o vetusto senhorial sempre tende a vivenciar e ao mesmo tempo negar sob a ótica da moral invejada e jamais alcançada.
Impressiona nos contos de Arthur que andei lendo, como se fornicava e como se traía e se constituía amantes e como as verdades do corpo se delineiam. Seus caixeiros e seus comendadores, seus pequenos funcionários públicos e seus artistas de teatro, viviam de paixões arrebatadores e desejos incontáveis e, por outro lado, senhoras casadas que deveriam ser castas, chegavam a enumerar amantes de alcova, cartas e entrevistas. É um saboroso Rio de Janeiro devasso que aparece aqui e ali no meio de desfechos inusitados; e Arthur de Azevedo escancara este universo, na sua prosa livre de quem escolheu um modo de escrita para lidar com os padrões morais, em seus contos que mais parecem pequenas peças teatrais.
Confesso que às vezes fico rindo, às vezes pensativo, às vezes pasmo com a realidade de uma Miloca Pontes e que havia sido a senhora Praxedes. Fico de boca aberta para a pobre velha costureira que aconselha à bela atriz, cortejada, a proteger-se. Nem sei o que dizer sobre este conto, de tão intrigante que é.  Um dos grossos em dinheiro, era apaixonado por atrizes e as colecionava; era uma amante aqui e outra ali. Um dia ele entra a cortejar para uma nova conquista; senta-se no camarim da nova predileta, como diria a minha mãe, e começam a conversar, quando entra uma costureira, miserável, acabada, vestida com apenas um raio de roupa. Ela humilde, senta-se para trabalhar e fica ouvindo a conversa entre o conquistador e a belíssima atriz que pergunta ao próspero comerciante  sobre a vida que levava e sobre o que comentavam por seu gosto por atrizes. Ele narra e fala de sua primeira aventura, pelo amor que verdadeiramente teve por Celina mas que não deu certo e ele prosseguiu a carreira. Amou Celina.
E ele sai e ficam as duas; quando  a velha fica dando conselhos à beldade, dizendo que é necessário precaver-se, que a beleza passa, e que tudo muda com as graças terminando em desgraças. E tanto falava a velha e maltratada costureira que a belíssima atriz foi enchendo a paciência e a interrogou firme: quem era ela, uma simples e marcada velha para falar sobre aquelas coisas que ela jamais poderia saber? Então a velha e maltratada costureira, virou-se para ela e simplesmente disse: Eu sou a Celina!
Isto sinceramente me deu o que pensar e vez em quando a Celina vinha à minha cabeça, enchendo as minhas medidas de tempo. Sobre o quê, eu poderia dizer a alguém: Eu sou o Sávio? Sobre quase tudo e sobre quase nada. Entendi que sou sempre um quase, que não me termino, que não tenho coragem de olhar para o tempo e dizer: Eu sou Sávio!
Você é a Celina?


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