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sábado, 26 de maio de 2018

Cidade, incertezas e decisões

Ana Karolina Corado volta a ver a cidade, buscando retalhos que respondam pelos tons e sons desta Maceió, escarafunchada e entre a lagoa e o mar. E o que ela vai encontrar? O que recorta? Como olha a cidade e como a sente? O que  estaria encaminhando para suas futuras pesquisas? Conheça a cidade e a pesquisadora que vem sendo construída, curiosa, sensível, procurando... (LSA).

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A fotografia foi registrada em maio de 2018, na Grota da Alegria – Maceió.

 






Repare nessa Maceió tão cheia de curvas, que se esconde da vista de quem anseia por seu todo. Pergunto-me se poderá o cartografo delinear todos os seus contrastes? Todas as verdades que se escondem entre as ladeiras? O muito das verdades dessa cidade se esvai,  foge  aos que procuram ver com os olhos. Quais são os sons que os motores dos automóveis abafam ao cruzarem esta malha tão desurbana? Não tenho respostas e sim mais perguntas.
 

A fotografia foi registrada em maio de 2018, na Grota da Alegria – Maceió.

          Como  porta entreaberta para o mesmo estar, para o mesmo solo, debaixo do mesmo sol, são as entranhas de uma cidade labiríntica. Nela, em algum lugar,  haverá um oásis debaixo de uma mangueira, suas folhas proporcionarão sombra e sua flor forrará o solo. A redor, declive para dar passagem ao rio poluído, que por ser poluído está no senso comum, não causa comoção. E também, solo infértil e pobre que faz com que a sombra seja mais evidenciada. Aqueles que avistam a sombra fresca, se agarram à esperança de ao menos terem passado pelo portão, esforçam-se à procura de um respiro desse sol que caleja, desnorteia, cansa demais para pensar, enfraquece demais para tentar. Aglutinam-se então, onde o tempo perpetua a falta e a carência rouba-lhes a esperança. 



   

A fotografia foi registrada em maio de 2018, na Grota da Alegria – Maceió.

               - Não brinque na cozinha, você pode se machucar.
- Eu vivo na cozinha, e não tenho tempo para brincar. Vivo nos restos, nas sobras, no ferro corroído. Da minha cozinha vejo o mato, e sinto vento frio. Nela molho na chuva e não sou quem pratica seus afazeres. Sou o próprio alimento desse sistema que me cozinha, me grelha, me assa e me comer. Não sente meu gosto e nem me olha. Me usa apenas para saciar uma gula desumana de se assoberbar. Me retira a lâmpada, o gás, me fura os pneus, me atrasa ao banquete onde estarei à mesa apenas como prato principal daqueles que nunca fui eu.
 A fotografia foi registrada em maio de 2018, na Cruz das Almas – Maceió.


Vivemos nessa conjuntura montada de tijolo e concreto. Perduramos no incerto entre as pontes e as escadarias. Nos protegemos da chuva que tenta se encontrar entre o céu e o solo. É sob o calor desse clima e com a força de minhas pernas que transito, que subo e desço, vou e volto, mas estaríamos apenas passando por entre as partes dessa cidade, sem nada fazer ou deixar? Ou carrega ela um pouco dos que passam onde aqueles vivem? O lodo sobe a parede e tudo é essa tensão entre natural e construído. O cano carrega as águas do riacho e leva o esgoto do que produzimos aqui em cima. Os símbolos incoerentes nos dizem como usar esse espaço e nos coloca sob questão, somos nós construídos? Todo dia o mesmo caminho. Cada dia, um único dia.  Uma vida inteira reverbera sentimentos que traduzem seres, traduzem o que está em mim. Mas só quero voltar para casa, o dia está puxado e eu tenho que alimentar as bocas que produzi. São meus filhos a minha maior alegria ou a forma de serenar as angústias que minha sombra carrega dia após dia nos trajetos dessa cidade? 


A fotografia foi registrada em maio de 2018, na Av. Josefa de Melo – Maceió.

Há vida desurbana entre os postes e fiações. A força da adaptação aflora as incertezas de quem perfura as entrelinhas das leis e contratos de cartórios. Não são recentes no local, e sua ânsia é apenas por permanecer e paulatinamente, melhorar. Os degraus esculpidos e a terra arada para a água permear o solo, carregam esforço e zelo pelos que fizeram dali morada. A casa 23, traz os trocados transformados em tinta e em telha, e seu remendo em lona e madeira demonstra que suas gerações estão perpetuando-se. Que seja a cerca com arame farpado capaz de os proteger de toda retroescavadeira.
 








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