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terça-feira, 15 de maio de 2018

Dia das Mães e a arte cemiterial

Não me resta dúvida: a morte foi modernizada em Maceió para quem pode escapar de carneiros, covas quase rasas e catacumbas feirantes que existem às centenas nos cemitérios das Alagoas. Dizem que no sistema capitalista, você somente pode  viver se pode comprar mercadoria. Morrer,  você é obrigado em qualquer sistema, mas o modo de morrer neste famoso aqui e agora das Alagoas, você deve comprar e se não consegue de alguma forma, será o popular indigente e aí o negócio da morte fica mais feio. Não sei onde e como se enterram, em Maceió,  os sem nome, os que a antiga retórica chamava de deserdados da sorte e nem mais sei se existe o velho caixão da caridade.



A arte cemiterial: o novo e o velho nos jardins do cemitério
Luiz Sávio de Almeida

               Não me resta dúvida: a morte foi modernizada em Maceió para quem pode escapar de carneiros, covas quase rasas e catacumbas feirantes que existem às centenas nos cemitérios das Alagoas. Dizem que no sistema capitalista, você somente pode  viver se pode comprar mercadoria. Morrer,  você é obrigado em qualquer sistema, mas o modo de morrer neste famoso aqui e agora das Alagoas, você deve comprar e se não consegue de alguma forma, será o popular indigente e aí o negócio da morte fica mais feio. Não sei onde e como se enterram, em Maceió,  os sem nome, os que a antiga retórica chamava de deserdados da sorte e nem mais sei se existe o velho caixão da caridade.
             
  Eu costumo dizer que nós temos a Maceió de dentro e a Maceió de fora e isto pode, também, ser demonstrado no contraste dos cemitérios da Maceió de dentro, que são os Cemitérios Públicos e a Maceió modernizante e que nos deu um enclave da morte no meio do universo do perfil da renda. Por este viés, sou cliente do Parque das Flores e, pelo que me consta, nada tenho até hoje a reclamar; eles cuidam bem daquilo alí; meus pais, tios, sogros, sobrinhos e irmãos estão em conforto por lá e gosto de me sentir bem, sabendo que lhes dei um  lugar agradável em respeito não aos corpos em si, mas à memória, à gratidão, ao amor que lhes devotava: coisa de pequeno burguês,  quem sabe?
               Eu tive um grande amigo que já morreu e faz tempo; era o Clarival do Prado Valladares, autor de um livro que estimo e guardo com carinho e que teve muita influência em mim: Riscadores de Milagres. Ele era ligado ao que chamava de arte cemiterial e andou comigo por muitos cemitérios.  Por ele, fiquei com a mania de olhar o mármore e a lata, as coisas que fazem estética na composição dos desenhos da morte. Vou a um enterro, passo os olhos no que estou chamando de estética e sempre me lembro do velho amigo e que fez muito a minha cabeça: “Sávio – dizia ele ao menino –, os grandes monumentos históricos de Maceió são os seus trapiches!”. E eu entendi. 


               Apois, no Dia das Mães, por mais piegas que pareça – como eu disse, sou um pequeno burguês – fui ao cemitério levar flores para minha mãe e minha sogra. A tristeza sempre tem muita dignidade e eu comecei a me impressionar com o carinho, o rosto das pessoas que andavam como um jardim e fui procurando ver as flores que eram depositadas. Nenhuma era singela flor do campo; todas eram guarnecidas da nobreza forânea. Onde estava a minha preferida, a belíssima margarida chamada de mosquitinho, e por quem caí de amores desde o dia em que fui com minha mão á Capela do Hospital de Penedo, em um Mês de Maria.


Era um mimo floral, contudo, que me sensibilizava e eu olhava o rosto e foi quando comecei a ver algo surpreendente: o velho avançando sobre o novo, reduzindo a modernidade com tapetes e corações que nos levam aos retornos de séculos. Foi por isto que tirei estas fotos. E lembrei do Clarival, pensando que análise ele faria do tapete que cobria a área da cova, deixando-a a bem dizer imaculada pelo branco, mas sem cobrir a placa da identificação onde estava o nome da pessoa querida, da mãe que deixou mais do que saudade. Quem sabe, uma nova tradição vai sendo inaugurada?      

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