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domingo, 1 de junho de 2014

Maceió: a cidade e suas grotas. Falas da periferia!

 

Estes textos foram publicados em Contexto de 25 de setembro de 2011 em Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.

 

Um pequeno bilhete sobre as grotas de Maceió

Luiz Sávio de Almeida

 O  Museu Cultura Periférica é um dos parceiros do Contexto e desenvolve projeto sobre a história das grotas em Maceió, começando por mapear as que se estabeteceram no Jacintinho.

As entrevistas são conduzidas por Viviane Rodrígues para preparação de um livro, onde memória e referência ao local se estabelecem. Hoje, teremos um pouco sobre a Grota da Bananeixa. Contexto destaca o esforço da pobreza para construir o seu lugax urbano e a decência do povo que vive nas grotas.
A Tribuna Independente ao veícular os depoimentos presta serviço à comunidade do Jacintinho e a todo o Movimento Periférico de Maceió ao divulgar uma das ações do Movimento Periférico.

A evidência das grotas no urbano de Maceió

Luiz Sávio de Almeida e Viviane Rodrigues

A evidência das grotas em Maceió decorre da ocupação de áreas que hoje são consideradas de periferia, em face do processo de urbanização e ocupação do solo deslanchado na década de sessenta do século passado. As causas são conhecidas e decorrem da ancoragem da pobreza, tanto a gerada urbanamente como a transferida do campo pelos impasses da estruturara fundiária e organização da produção.


A periferia de Maceió não pode ser considerada homogênea; tem desníveis internos de renda muito fortes, como se pode verificar no Jacintinho. Para tanto, basta notar a diferença das construções que estão feitas nas vizinhanças da praça nova, a que chamam de Mirante. São residências que se assemelham às que se encontram edificadas na Pitanguinha, havendo, portanto, uma paisagem distante do grosso do bairro que se derivou, justamente, da opção pobre para residência.

O Jacintinho - no que vamos chamar de sua parte chã -, não é homogêneo, sendo possível identificar diversas porções territoriais, cada uma com suas características próprias. Uma das divisões é vista nas áreas do mercado e da feirinha com a estrutura de serviços que serve ao bairro e, inclusive, os prédios dos supermercados que são considerados grandes estabelecimentos, verdadeiros marcos de referência espacial e que vivem ao lado dos chamados mercadinhos e, ainda, das antigas formas de bodega.

Super, hipo e feirantes fazem um grande contexto de comércio que vara o bairro, sobretudo a partir do viaduto em direção ao Barro Duro; a feirinha, praticamente, faz a fronteira entre eles. Caminhando do viaduto para o Canal 5, o comércio diminui de intensidade, ficando uma parte mais residencial. É nas proximidades do Canal 5 que fica a Grota da Bananeira, uma de tantas que fazem o lugar, devendo, desde logo ficar claro, que as grotas tendem a ser mais pobres do que a porção de cima e elas são hoje em dia, praticamente, vistas, especialmente como matéria da crônica policial. Está sendo lançado um estigma sobre seus moradores.

Contexto traz hoje, duas figuras da grota, contando parcelas de vida; são entrevistas realizadas com o intuito de montar um grande painel da história do bairro e que os autores estão montando para o Museu Cultura Periférica. A áreã chama-se Bananeira pela razão óbvia de plantações. A Coronel Paranhos cortou o espaço em duas partes, uma a leste e outra a oeste, com a Benilda falando desta última. É como se a Benilda olhasse para o lado do Reginaldo e o Eucalixto ficasse vendo o mar.

São duas histórias do lugar, mencionando detalhes sobre o que foi assentar a Grota e, delas, destacamos alguns pontos como a fracionamento da área, a procura da Grota como área pobre, a integração paulatina de serviços, a integração também paulatina ao contexto da cidade, a revelação de elementos do cotidiano, o papel político da religião, o lazer, a moralidade, a dureza da vida.

O modo urbano de Maceió foi ocupando as grotas e deixando os locais dos severamente empobrecidos.

GROTA DA BANANEIRA: A FALA DE Benilda Lima dos Santos

A Coronel Paranhos como divisória

Eu sou alagoana, nascida em Maceió, 1957. Nasci na maternidade Sampaio Marques. Morei na Rua João Ulisses Marques de traz do cemitério São José até os meus nove anos. Minha madrasta morreu deixando três filhos para criar, foi quando meu pai tinha uma casinha ali descendo aquelas duas ladeiras do Jacintinho e que antigamente a gente conhecia tudo ali como Aldeia do índio, porque não era muito civilizado, só tinha Grota: Pau D arco, Bananeira, Reginaldo, fazíamos parte daquela região.

Um pouco da história

Fui morar na Grota da Bananeira que o dono loteou o sítio e começou a vender os terrenos; meu pai foi o primeiro morador. Lá o povo dizia que tinha uma mula sem cabeça. Eu tinha muito medo do seu Artur, o homem que era dono: era alto, magricelo, branco, com dois olhos enormes bem azuis, era esquisito. Ele me dava bananas, muitas frutas, lá tinha de tudo, chegava de supetão e dizia: Toma. Nunca o fitei nos olhos, tinha medo. Ele morreu com mais de cem anos.

O sítio da Grota da Bananeira era toda aquela região ali do canal 5, atravessando o que hoje é a Avenida Coronel Paranhos até o outro lado; descendo pela Rua Jardineira e pela Rua Belém, encontra-se o Reginaldo; subindo tem-se o Centro Santo Antônio e as duas ladeiras que hoje são asfaltadas; antigamente não eram. Ali onde existe o Cepa Quilombo (Rua Santa Luzia) era uma lavanderia pública, onde nós lavamos roupas. Ali próximo ao Mirante, onde hoje existem as apresentações do folclore, era uma lavanderia pública. 


Tudo mundo lavava’ roupa porque não tinha água encanada. Nós descíamos a grota, a gente chamava de “escorrega lá vai um”, para comprar água perto do Buganvília e da Grota do Pau D 'Arco. Tinha uma cacimba com água boa, o cara ali fez muito dinheiro. Também tinha a caixa d'água do Seu Manezinho, que abastecia o Jacintinho; quando quebrava uma peça íamos buscar no Riacho Reginaldo ou descíamos para o Rego do Sapo.

Energia e transporte

 

Poucas eram as casas que tinham energia; tinha várias casas que ainda usavam o candeeiro. Os sítios que foram surgindo como a Grota da Bananeira e que depois foi urbanizada. Tinha um matagal de jurubeba, palha do ouricuri e muita planta medicinal, onde tirávamos para fazer vassoura, onde hoje é o Conjunto José Peixoto. Surgiu em 1967, foi o primeiro conjunto.
Em 1968 colocaram o primeiro ônibus do Jacintinho da empresa Santa Maria. A estrada era de barro, levantava um poeirão, no verão só Jesus tinha piedade, Santa Maria rodando e meu Deus do céu. Só tinha um ônibus, mas foi a alegria do povo do Jacintinho. 


Começamos a ter valor!

No canal 5 era um campo que não tinha nada de civilização, era um campo de jogar. O time Palmeiras foi quem inaugurou ali. Antigamente a diversão que nós tínhamos na época, 1967, 68, 70, era esse time chamado Palmeiras... Todas as mocinhas da época ficavam naquele campinho paquerando seus namorados; o meu como sou muito católica, religiosa, saiu do nichozinho de Santo Antônio, numa das quermesses. Conheci seu “bendito” Orlando aos 14 anos e tenho 40 anos de casamento.

Descida da Grota leste

Não tínhamos igreja, era capelinha, depois com a vinda de padre Adriano e Silvestre (já morreu) foi que o Jacintinho começou a ter um valorzinho. Esses padres eram holandeses, chegaram ali na Vila Paroquial do Poço, na paróquia do Senhor do Bomfim, mas assessoravam a capela de Santo Antônio. Não sabíamos o que era comunidade, nos ensinaram. Não sabíamos o que era uma festa, só tínhamos a Catedral, Igreja do Livramento, Nossa Senhora das Graças, mas ainda existia aquela separação entre a elite e os pés de chinelo. Os pés de chinelo não desciam para a elite, e a elite que era Catedral, Senhor do Bomfim, Paróquia de Nossa Senhora das Graças, de São José (Trapiche) não subia para o Jacintinho. O Jacintinho era conhecido como Aldeia do índio porque, dizem os antigos, que viveram índios ali. Não alcancei essa época.

Com os padres, surgiu o projeto que hoje é a Igreja Nossa Senhora da Conceição, mas antigamente eles construíram como Santo Antônio. Para mim eles trouxeram para o Jacintinho a civilização e a esperança, as mocinhas da minha época aprenderam o significado de comunidade e a ter responsabilidade. Fundamos o grupo jovem da igreja: Eu, Mar- luce, Nadilma, Fernando, Joab- son, Ademildes, Beto (falecido), Antônio (falecido). Nós tivemos um avanço muito grande como pessoas, como católicos e foi dali que a gente viu a presença mesmo da igreja... Trouxeram umas irmãs, tudo era para essa igreja. Eles construíram a Igreja de Santo
Antônio. Em 1979 veio à construção do Centro Comunitário Santo Antônio e a transformação da igreja em paróquia.
Em 1979 começaram os projetos de urbanização do Jacintinho. Para construir a pista, foi necessário demolir a lavanderia pública e várias casas, cortaram barreiras para fazer a leste e oeste. Hoje temos uma avenida belíssima, e de um lado o Mirante e do outro as casas. Asfaltaram e construíram a Avenida Coronel Paranhos.

Lazer e namoros

O Jacintinho não tinha essa violência, a
não ser em época de carnaval quando o bloco Caveira descia arrastando tudo e todas. Onde é a sede do CEPA Quilombo (rua Santa Luzia) e o Mirante Cultural (no Mirante Kátia Assunção) a gente conhecia como Engenho de Dentro. Lá tinha o bloco Caveira e a Escola de Samba Treze de Maio (tradicional) - do pai da Sônia, depois ficou com ela, agora com as irmãs. O que existia muito eram raparigas; rapariga tinha muito, porque se perdiam com os “dondoquinhos”. Tinha a sede do Palmeiras que era a famosa gandaia e no Triunfo ( no final da rua), antigas no tempo de gandaia. Gandaia mesmo; agora falo como o Sávio de Almeida, que não incesta o sururu; aprendi com ele a não ter papa na língua. Era o tempo da famosa gandaia de prostituição.

A sede do Palmeiras ficava na travessa que dá para o Canal 5. O pai do Helcias (Coordenador pelo Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu - CEASB junto à Comunidade da Vila Emater II (antiga favela do lixão), o finado Biu, era sócio e abria a gandaia que era o divertimento das moças para dançar. Lá você não podia cortar cavalheiro; eu dançava lá porque ia com um amigo-irmão que dizia: “Você gosta tanto de dânçar que vou te levar para a gandaia”, ai eu dizia: “Filho da peste, vai me levar para a gandaia!”. Um dia papai me pegou, levei uma pisa da “bouba” porque estava lá na gandaia dançando. Na Rua Santa Luzia tinha a gandaia JK, o Forró do Carrero próximo a Rua Triunfo, a Real na Rua Floresta e a Pioneira na Avenida Coronel Paranhos.

A ideia de civilização

A feirinha surgiu já com a civilização, o bairro foi crescendo. Eles viram a necessidade das pessoas venderem as frutas que tiravam dos seus sítios naquela pista, depois se tornou um mercado. Hoje é um mercado. A gente comprava antes no mercado velho (Levada). A mudança principal da minha época foi quando lotearam o sítio e começou a se formar as ruas; cada um foi comprando seus lotes e fazendo suas
casas, que não tinha casa própria ficou beneficiado porque era barato comprar os terrenos. A chegada do ônibus também foi muito importante. Vale ressaltar o surgimento do Canal 5 que tinha o programa da D. Fernanda que era voltado para a comunidade, escolhia meninas das escolas públicas para se apresentarem nele.

Tristeza e alegria

O fato mais triste para mim foi quando o Seu Calixto matou o Afrânio, responsável pela caixa d'agua, por ter ciúmes da filha. O Seu Calixto também “comeu” as três filhas. Esse fato não aconteceu na Grota da Bananeira, mas causou comoção a todos. Na Grota não houve nada tão triste que me marcasse. Naquele tempo não havia violência na grota, só sabão (as pessoas namoravam muito).

O fato mais alegre foi construírem a Igreja de Santo Antônio. Não houve nada na grota tão feliz para falar. Era uma vida de dificuldade porque todos eram pobres, a maioria lavava roupa de ganho, trabalhava em casa de família, mas era tranquilo. 





Grota da bananeira: a fala de José dos Santos Eucalixto

Meu nome é José dos Santos Eucalixto, tenho 68 anos e moro
faz  37 anos na Grota da Bananeira. Nasci em São Luiz do Maranhão, morei até os meus oitos anos de idade. Minha mãe me teve de noite e no outro dia morreu, quando tinha oito anos meu pai botou a pes te de uma mulher dentro de casa que batia na gente. Tudo o que a gente fazia, ela contava ao velho e a gente ia para o cacete, ai pensei: “Não é assim”. Fugi de casa por causa da madrasta, até a data de hoje. Cheguei a Alagoas debaixo de um caminhão, agora o motorista era um primo meu que vinha para Maceió. Tinha muito irmão aqui, mas não procurei ninguém porque iam querer me levar de volta e a surra seria dobrada.

A saga familiar
 

Fui trabalhar no Farol de jardineiro numa casa. Quando estava com 14 anos, a mulher morreu, fiquei sozinho de novo. Comprei uma casa na Pitanguinha, com 14 anos já tinha minha casa e uma mulher. A mulher foi embora e me deixou sozinho, arranjei outra, vendi a casa da Pitanguinha e fui morar no Pilar, mas ela adoeceu e perdeu o juízo. Passava uma semana boa e quatro meses doente, me separei e vim morar aqui.


Cheguei aqui com 31 anos, só tinha três casas com a minha. Quando a gente chegou aqui só tinha capim, ai a primeira coisa que fiz foi um sítio de banana e de cana de açúcar, também tinha uma horta de tomate, cebola, pimentão.

Serviços públicos

A gente pegava água perto da Buganvília tinha um cacimbão lá, onde passa o Reginaldo. Tinha o rapaz aqui, o Renato, quando não tinha a gente descia para o Riacho Reginaldo ou para a Mangabeira (Riacho do Sapo). A água a gente se juntou, fizemos um abaixo assinado e formos à Casal, que colocou água na primeira grota e de lá para cá ficou de resolver e até hoje não botou. A gente se juntou, compramos os canos e puxamos lá do cano mestre, mas pela Casal mesmo não tem, a obrigação era eles trazerem o cano até aqui. Primeiro veio à luz, agente se juntou fez um abaixo assinado e a CEAL veio. Antigamente era "gato”, gambiarra, a gente puxava lá de cima da pista.


Quando chegava uma família, eu dava um terreno se o cara fosse conhecido ou através de um que me pedia. As casas eram de taipas, aqui ainda tem muita assim. Quem tinha dinheiro para pagar pedreiro, pagava quem não tinha a gente se juntava e construía a casa. A divisão das ruas a gente foi fazendo. A maioria do povo veio do interior; trabalhava de pedreiro e servente.
Quando vim para cá, só passava dois ônibus por dia, quem tinha dinheiro ia de ônibus que não tinha ia a pé. Tinha gente que tinha medo de andar de ônibus por que na ladeira de pedra aqui na Legião às vezes o ônibus descia de ré. Antigamente a gente batia tudo de pé, era melhor, a gente descia para ir tomar banho de rio de água doce por traz da Mapel, chamasse Rego do Sapo. Esse rego de água podre que agora passa por ai era água doce, hoje é que está uma carniça que não presta.

A gente tinha de arrastar para o Pronto Socorro lá embaixo na feirinha, ou para o que ficava por detrás da Santa Casa, em último caso o do Trapiche. Agora a saúde está boa, porque tem posto por todo canto, aqui mesmo na Rua Jardineira tem um, na Feirinha tem outro, na Pista Nova, na Maravilha que era aonde a gente ia, mas agora está em reforma. No mercado tem outro bem antigo.

 Tristes e alegres

Tiveram muitas mudanças aqui, a prefeitura calçou. Não tinha luz, a CEAL botou, não tinha água a Casal botou. Para vista do que era hoje é bom. Aqui não tem associação de moradores, mas tem uma patota, os mais velhos, que quando a gente quer uma coisa faz um abaixo assinado: Eu, Seu Vicente, Ciço, outro Vicente, Carlos, Tânia, Reinaldo (hoje é que é o responsável por aqui).

O fato mais alegre que aconteceu aqui era quando não existia bagunça.Todo vida foi bom aqui, não tem fato triste. Onde chego sei viver, respeito e considero todos. O lugar quem faz é você, não é ninguém. A mudança maior que teve aqui foi vê essas casas todinhas de tijolo; antes era tudo de barro, a minha também era de taipa e agora estoiu construindo de tijolo.




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