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terça-feira, 15 de maio de 2018

Maceió: a cidade e os enfoques sobre a paisagem



Esta é mais uma colaboração de Jessica Cavalcante, jovem pesquisadora que vai procurando mergulhar no campo da escrita e do olhar, treinando-se enquanto partilha conosco o que observa, o que pensa. É um árduo caminho: anos e anos pela frente e sempre sentido que falta e falta alguma coisa e que o começo sempre é agora. Quem deseja a pisada deste tipo de trabalho, deve sempre estar disposto a dizer-se que o começo é agora.  
Às vezes, fico pensando no grande achado dos devotos de meu padrinho Cirço: Ai  caminho tão longe, tão cheio de pedra e areia... A ciência é um caminho cheio de pedra e areia, de sensibilidade. É por fim algo que se começa e não se termina. É como este encontro que a Jéssica teve com as gentes da praia; sempre terá, jamais terminará de ter, mas cada vez será um encontro diferente e os olhos vão vendo, outras vezes, o aparente mesmo.


MACEIÓ: OS ENFOQUES SOBRE A PAISAGEM
Jéssica Cavalcante

            A rotina nos leva a desconhecer a cidade, o fluxo de obrigações e funções sociais nos conduz a um eixo em sentido linear, desviando o olhar dos detalhes externos a esse fluxo. Uma pequena mudança, de posicionamento ou visão, nos faz contemplar o esquecido, quem o ocupa e como ocupa. Dediquei uma tarde de domingo para esse olhar, me debruçando sobre a janela do carro, por vezes saindo do mesmo, ajustando o foco do meu olhar e registrando momentos da cidade.



Figura 01. Ponta Verde, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018
 
             
O olhar inquieto e curioso, procura algo ou alguém que provoque espanto, mas com o passar das observações todo detalhe destoante passa a espantar, causa desconforto e burburinho interno. Porém, no momento desta fotografia, me ocorreu o oposto, a cena da mulher sentada no banco em plena Avenida Sandoval Arroxelas, trouxe consigo a delicadeza que se é ocupar a cidade para apenas um descanso, um reconforto, ou um abrigo, mesmo que efêmero. Nesse breve momento me dei conta que fui fotografada pela cidade, capturada por uma das cenas mais banais, como a desta mulher sentada ao banco, em um ritmo descompassado do seu entorno, sem pressa, sem anseios imediatos, apenas ela e sua garrafa de alvejante.



Figura 02. Orla da Ponta Verde, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018

           
Praia cheia, de gente, de sol, de energia. Aproveitar o domingo à beira mar com família ou amigos, se banhar, comprar um queijo coalho assado ou um picolé é quase rotina de algumas pessoas em Maceió. Mas o que não notamos por trás desse hábito? Ao percorrer a orla surgiu uma das possíveis respostas, envolvida pelos resíduos presentes nas calçadas, areia e grama. Ela, a poluição gerada pela ocupação na orla, de algumas mentes ignorantes. Nesse mesmo trajeto, após tantos turistas, ele surge, vestido de laranja, com sua vassoura e pá, enquanto todos caminham em direção as belezas da orla ele caminha em direção do descartado, sujo e fedegoso. Esta visão destacou-se do restante, não mais via a poluição e descanso das pessoas, mas descortinava a única pessoa a não desfrutar da nossa orla.

 
Figura 03. Orla da Pajuçara, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018.

            É chegada a hora do almoço, pratos na mesa, garçons sempre a postos, mesa arrumada, pedidos feitos, comida quase pronta. Tudo quase perfeito, da mesa pode-se enxergar o mar e sentir a maresia formando uma fina camada sobre a pele. Mas assim como parecem nítidas essas sensações, inversamente, não é perceptível o estado deste homem ao lado, pois ele pertence a uma região desfocada da lente de quem está sentado à mesa. Sua condição, claramente de fome, encontra lugar seguro neste banco, provavelmente o máximo de conforto que ele pode encontrar, sob a sombra de uma árvore. Intrigante como o espaço público, não utilizado por muitos, passa a ser o único lugar de acolhimento de outros.



Figura 04. Orla da Pajuçara, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018
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Caminhar na orla, despretensiosamente, por diversas, se não a maioria das vezes, para sentir a brisa do mar, o calor do sol e ver pessoas fazendo o mesmo, é o que imaginamos ser o comum. O que é o comum, senão o olhar restrito e recorrente de práticas triviais. A imagem enfoca o verdadeiro comum, o trabalhador, que se desloca diariamente para a orla na pretensão de bater seu recorde de vendas e tornar com o máximo de lucro possível, pague as contas e traga uma satisfação no fim do mês. A contemplação da cidade, pode  esconder o mecanismo capitalista em cada caminhada.



Figura 05. Ponta Verde, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018

         
As ruas são o seu lugar de trabalho, mostram os melhores caminhos de se percorrer, onde existem clientes em potencial e onde não se deve caminhar. Cada passada, uma cena, uma paisagem oscilante, todo dia é um novo cenário, apesar de ser o mesmo lugar. Quantas paisagens esses pés cansados já passaram ou confeccionaram? Tantas, quantas as vezes que por ali passou.


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