Uma nota introdutória
Regência e os instrumentos da política local (I)
Faz tempo que o pequeno livro, comportando
dois trabalhos, se encontra esgotado e
decidimos republicar – no que estaremos contando com o apoio cultural do
Sebrae/Al, apesar de que Federalismo e região: dois breves estudos
tenha sido elaborado com as preocupações e as tintas de 20 anos atrás. No
fundo, contudo, as ideias básicas continuam oportunas. Um dos textos – este –trabalha
a relação entre a Regência e a construção do poder local e o segundo
discute o Padre Carapuceiro, com sua visão
sarcástica sobre os costumes e política de um Pernambuco que, em tudo, assemelhava-se ao que se vivia
em Alagoas.
Não realizamos alterações, salvo raras e
pequenas intervenções, que não estariam incidindo sobre os argumentos. Então, o
texto deve ser lido com este alerta: é passado um quarto de século, mas pode
aflorar algumas questões sem dúvida excitantes. Os aspectos fundamentais
abordados são os mecanismos desenhados e operados em torno do poder local e do
agrarismo que se plasmou na vida da Província. Esperamos que com a nova
edição, ele continue a ser útil para o estudo desta nossa Alagoas. Nesta pequena introdução,
queremos agradecer a Francisco Salles, Gildo Marçal
Brandão, István Yancson e a
Dênis Bernardes que foram os inspiradores da primeira
edição.
Luiz Sávio de Almeida
I
- A
importância da Regência
A
importância do período regencial na história política
brasileira é matéria pacífica, não cabendo maior discussão sobre a afirmativa. Independendo do enfoque teórico com que se trabalhe o Império,
ele tem que ser posto em destaque em
face das definições que empreende e encaminha. Nesta
comunicação, vamos entendê-lo como fase de transição entre
as amarras portuguesas simbolizadas por Pedro I e novas circunstâncias para o encaminhamento
do Estado Nacional.
Esta fase de
transição pode ser considerada como de longa duração, fértil em debates e propostas
sobre a
circunstância do Império, no que se pronuncia a luta entre facções, gerando maior
nitidez sobre o que poderia ser considerado como grupo conservador e liberal. Por outro lado trata-se de período em que se
da forte expressão de setores dominados, no entanto, os grupos dominantes criam e consolidam
instrumentos efetivos para a continuidade do controle. Portanto, é fase de
intensa vida
política, saindo dos embates da Abdicação para dar viabilidade a consolidação do II Império. Formalmente, as forças políticas
senhoriais anteriores,
realocam-se na Regência e constroem a Maioridade, no que se tem, dentre outros
fatores, maior nível de consolidação do poder senhorial sobre a sociedade. Há de se ver,
portanto, que a transição dava continuidade à postura básica do poder, cuja matriz ainda perseguia o rumo montado na
colonização, onde poder e terra, poder e estrutura agrária estavam
direta e visceralmente
implicados.
II—
A síndrome do medo
Por outro lado, neste mesmo período, setores populares
acentuam a presença na vida política, ocorrendo
ganhos de identidade no esquema corrente de correlação de forças,
chegando alguns analistas a considerarem a
existência de movimentos populares[i].
Apesar da dificuldade, que se tem para definir o que
seria um movimento popular àquela época, a expressão é instigante pela
sinalização de aberturas dentro do sistema de dominação, encontradas pelos
segmentos populares que afluem nas lutas do período.
José Murilo
de Carvalho identifica a existência de um ciclo de rebeliões e coloca
em relevo a intensidade
dos confrontos. As rebeliões são por ele enquadradas em dois grupos, com
um situado entre a Abdicação e 1835, tendo comprometimentos urbanos. O mapeamento que realiza de tais
rebeliões é discutível, como, por exemplo, o que estabelece para Pinto Madeira - dando a tropa como principal participante - no que passa por cima da
complexidade da sociedade do Cariri; é também exemplo, o que é posto
para a Cabanada como espécie de ressonância urbana, passando por cima da
especificidade da luta dos setores dominados
da mata norte das Alagoas e mata sul de
Pernambuco.[ii]
Neste ponto, a grande importância
do texto de Carvalho encontra-se no fato de
que, ao comentar os malês, evidencia seguindo a pista aberta por João Jose Reis[iii]
o medo que se tinha do dominado. No fundo da questão,
Carvalho destaca um dos elementos essenciais da sociedade
senhorial: o medo, um dos grandes conformadores
da estratégia de dominação.
É deste
modo, que a transição transporta em si mesma e conduz a base colonial da
síndrome do
medo e dos temores pânicos[iv]
para o II
Império. Isto nos indica que nas mãos senhoriais, o
imaginário dos temores pânicos transformava-se em condição básica
da estratégia
de dominação, sendo importante destacar que o termo cunhado pela governadoria de Pernambuco - em face de possível rebelião de escravos nas
Alagoas de 1815 – estaria adequado aos cabanos de 1832.
III
- Regência e poder local
É deste
modo ou por tal motivo, que a Regência monta ou atualiza diversos instrumentos que operam no sentido de consolidar o poder
local, ele mesmo, o grande instrumental de mando e controle na prática senhorial. Para efeito desta
comunicação, estamos considerando o poder
local como implicado no conjunto das relações políticas
praticadas nas diversas comunidades do Império e firmadas sobre a base da estrutura
agrária prevalecente.
Para trabalharmos a questão da
montagem ou atualização, iremos lidar com
dados relativos à Província das Alagoas; é claro que a Província resguarda elementos específicos,
mas a análise, sem dúvida, poderá aportar subsídios para a discussão do
caso
nacional, tendo particular interesse para o universo do nordeste açucareiro, no que se
consideram as matas seca
e úmida de Pernambuco, bem como a faixa do norte alagoano. À época regência, este conjunto estava começando a sofrer o impacto do deslocamento da primazia econômica para o sul.
Ao frisarmos
a existência das áreas geográficas, estamos pondo em evidência o fato de que, em Pernambuco e nas Alagoas, existe uma relação nítida entre elas e posições políticas
no contexto provincial, o que
decorre, fundamentalmente, do modo como foi consolidada
a matriz de produção. Nichos ecológicos diferentes, mesmo implicados com o açúcar, sublinham posições diferenciadas; no caso das Alagoas há um
peso conservador na faixa norte,
dando-se peso liberal na porção
açucareira confrontante aos tabuleiros[v].
Neste
contexto, vamos considerar que as relações políticas locais apresentam-se no dia a dia
do controle
estabelecido sobre setores dominados, enquanto
manipulam dentro do conjunto de correlação de
forças, a formação de grupos entendidos na linguagem
da época como partidistas. Tais grupos disputam
o mando e são responsáveis pela filtragem de elementos
novos, com vistas à adaptação ao modo tradicional
da operação do controle. Por consequência, antes
das formalizações partidárias, já existiam grupos montados
em interesses e propostas comuns; pelo que nos parece, Alagoas verá a saída do partidismo para a expressão das diversas sociedades fundadas e, finalmente, tem-se a montagem de partidos.
As sociedades mencionadas foram criadas como elementos
formalizadores de propostas relativas ao encaminhamento
da construção do Império;
mantiveram-se em operação na fase da Abdicação e penetraram pela Regência.
Decorriam de novas necessidades, em tempo
caracterizado por intensa discussão de ideias, com
o extremo mais avançado definindo-se como
federalista, enquanto o conservador configurava-se como coluna.
Os partidos estão caracterizados
nitidamente, no caso alagoano, pelas decorrências de lutas
arraigadas no seio senhorial e nos embates da transferência
da Capital, quando se tem, na realidade, a
interferência de novas condições logísticas para os negócios.
Voltando a uma referência específica ao período, os
partidismos estarão sincronizados na manutenção do essencial:
a continuidade do mando senhorial. Na interligação
com a economia, o açúcar - mercadoria basicamente
das matas e do litoral - aponta diretamente para
as relações qualificadas pelo poder central da moenda.
O poder local apropria-se de mecanismos gerados e reformados na Regência, especialmente no que diz respeito ao judiciário,
polícia e organização militar. O objetivo
consistia em alicerçar as funções de mando
e romper com a resistência, que pode ser vista desde a Revolução de 1817, seguindo até a Praieira, com manifestações esporádicas
posteriormente, em episódios como o Registro e o Quebra-Quilos.
As sedições,
motins, rebeliões e acontecimentos assemelhados que ocorrem no período terminam pelo absoluto controle das
manifestações de setores dominados e este será um dos fatores mais evidentes,
na continuidade
do mando local. Infelizmente, a abordagem historiográfica que vem sendo realizada sobre o período - a começar pela
Revolução de 1817 - segmenta-o, tendo a tendência de acentuar episódios
e não de
verificar o processo, como se pode ver no que concerne à Confederação do Equador, Abrilada, Setembrizada, Cabanada, Praieira. Possivelmente, esta visão
segmentada não vem dando a ênfase necessária quando ao modo de atuação do poder local, na medida em que
ele opera a filtragem para que a Corte se interiorize e se incorpore no cotidiano da dominação A sagacidade da adaptação conjuntural para manter o mesmo
perfil estrutural e o elemento caracterizador da continuidade.
IV-
Uma visão do caso provincial das Alagoas
A Independência é um período que vai de 1822 até a Abdicação,
embora venha sendo consagrada no Sete de Setembro.
É claro que teve seus antecedentes e o mais próximo
e mais importante seria a transferência da Corte.
Contudo, para efeito do texto, preferimos caracterizá-la
a partir do Sete de Setembro, pelo fato de que,
nesta condição será significativa na política provincial. A
amarração portuguesa mantém-se clara até a
Abdicação e, por consequência, seria a partir da quebra das amarras que poderíamos encontrar as marcas de identidade de país. Este perfil histórico não
pode ser considerado como algo
homogêneo, desde existirem as peculiaridades
dos diversos processos provinciais.
A peculiaridade das Alagoas está no tipo
de correlação de forças à época da Independência e leva a que setores engajados na Revolução de 1817 desfechem golpe armado, destituindo a Junta
ligada às Cortes. Portanto, antes do Sete de Setembro, setores que poderiam ser considerados - à
falta de melhor designação - como liberais, realizam a Aclamação, no que se tem a invasão da
capital e a deposição da Junta de evidente compromisso colonialista.
Neste golpe,
opera um complexo de condições que vai da parentela à produção do algodão,
juntando-se elementos
de oposição dentro da área do açúcar norte das Alagoas. Os elementos de 1817 que participam do golpe estão
associados à parentela de Manoel Vieira Dantas, gente da região de São Miguel dos
Campos;
o algodão encontra-se presente, justamente, pela
vinculação da parentela mencionada ao mundo
dos tabuleiros e dos agrestados. Este grupo vai unir-se
à oposição liberal implantada como cunha dentro do bloco conservador do norte.
Pode-se
perceber uma diferenciação de Alagoas: a Independência na Província é realizada a partir de resultantes de 1817 e, não
propriamente, de 1822. É a partir de 1817 e especialmente do golpe desfechado
em 1822, que se pode falar da
existência de dois grupos partidistas nas
Alagoas e é tão profunda a marca desta aglutinação
em que parentelas como a Vieira Dantas e Mendonça representam uma função essencial, que permanecem como referência durante todo o decorrer
do Império e parte da República.
Com o golpe,
a Junta formada pelo grupo "liberal" assume e passa, paulatinamente,
pelo desgaste provocado
pelos conservadores que terminam por manipular militares, e, por fim, realizam o que é conhecido como Sedição de Porto
Calvo, quando os conservadores assentam um novo
golpe e assumem a composição
da Junta de Governo. Ao golpe armado liberal, tem-se o golpe armado
"conservador" como resposta.
Estes mesmos
"liberais" e "conservadores" estarão envolvidos na
Confederação do Equador, com os primeiros assumindo a revolta
e ainda nitidamente marcados pela parentela de Manoel Vieira Dantas. Como se pode notar, quando se
enunciam os partidismos,
eles estão demarcados na parentela. Há um encaminhamento do processo, que
vai definindo a condição
"liberal". Inicialmente há o compromisso com 1817,
posteriormente há a participação na Aclamação e, finalmente, a condição
seria estar junto às propostas da Confederação do Equador. Com isto, os papeis estão mais claros e darão,
posteriormente, no proselitismo que se desenvolve em torno da Abdicação,
quando os liberais estarão divididos em grupos considerados radical
e não radical, enquanto o bloco conservador apresenta-se - talvez pela carência
de documentação que proporcione maior informação -, com um perfil aparentemente
homogêneo.
As parentelas, os partidismos, os grupos, as frações
e o que mais existia a subdividir este universo, tudo
terminam por convergir, quando se tem em vista os fundamentos
da organização social, dando margem a que
haja diversidade, mas sem a quebra da identidade que se lastreia,
basicamente, na estrutura da propriedade e na apropriação dos resultados da
força de trabalho. E com isto que: - apesar
de parecer frase de efeito - são diferentes,
mas iguais. E de tal modo marcante a identidade,
que elementos de parentela liberal envolvem-se
na prática do tráfico de escravos, do mesmo
modo que se fazem comerciantes de costados em Portugal,
como se dá, por exemplo, com Manoel Duarte Ferreira Ferro,
membro da parentela de Manoel Vieira Dantas[vi],
a mesma que esteve na crista de 1817, Aclamação e Confederação.
Esta
identidade é cristalina na política local, onde a prática é idêntica na
busca do que chamaremos de controle do mesmo
instrumental de mando e, com isto, demonstra-se o cotidiano como local privilegiado para ensejar a análise
do comportamento político. Ao afirmarmos a
centralidade do poder local, nós não estamos
minimizando a importância, dos grandes fatores como Constituição, Códigos, Senado,
Deputados... Simplesmente, queremos colocar
em destaque que o processo no nível das comunidades, fundamenta-se em categorias aparentemente menores; Delegacias de Policia, Juizados de Paz, Escrivães, Vigários
Colados e Encomendados, Meirinhos,
Tenentes, Capitão e por aí segue.
É
justamente no controle deste instrumental de mando que se fundem o local e o
nacional, com a estratégia dos grupos consistindo no aparelhamento
de postos e
posições, no que seria fundamental a montagem de alianças com os Presidentes de Província. Desenvolve-se, por consequência,
uma teia que articula o local ao que poderia ser considerado, ainda à
falta de melhor termo,
como nacional. A posição do local é de tal forma associada à identidade dos
partidismos que, por exemplo, canais de expressão liberal, como
Tavares Bastos montavam-se, na prática política, justamente nestes arranjos locais, nos
conchavos realizados[vii].
A existência
de uma teia como a esboçada, coloca em evidência que nunca poderia ocorrer um vazio do poder; acontece uma
forma determinada de preenchimento
dos espaços de mando e é desta forma, que
o local atua e encontra espaço para construir-se, passando
a ser uma determinante do processo político.
Por outro
lado, deve ser visto que o político está articulado ao econômico, na
medida em que o jogo político local ocorre, está integrado na produção e
isto vai definindo
os papeis regionais, tanto na ordem econômicas quanto na política. Então, sendo
verdadeira a proposição
da teia política, ela estará conjugada à econômica e a relação entre ambas
é que da a noção do andamento e do ritmo político provincial.
[i] Esta visão de movimento popular foi
explorada de modo sistemático em encontro patrocinado pelo
Centro de Documentação e Estudos da História Brasileira Rodrigo Mello
Franco de Andrade do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco,
sendo conduzido por Manoel Correia de Andrade.
Alias na Introdução ao volume publicado e contendo os textos das
contribuições, tem-se o seguinte enfoque: “Foram lutas que se prolongaram as vezes, por vários anos e onde apareceram líderes
oriundos das classes populares disputando o controle e o poder aos
velhos representantes da oligarquia embora quase sempre se apresentassem
muito contraditórios em seus discursos. Também
a massa popular não apresentava homogeneidade sendo
constituída por índios e caboclos que viviam ainda em estágio
quase selvagem, negros escravizados ou libertos brancos
e mestiços pobres que não tinham acesso a posse da terra
e muitas vezes ao mercado de trabalho. As
divisões na classe pobre, o jogo de interesses, dos
vários grupos, as contradições culturais e a habilidade e
força da classe dominante fizeram com que estas revoltas
fossem reprimidas, sufocadas com a maior violência.".
Ver ANDRADE, Manuel Correia de (Org.). Movimentos
populares no Nordeste no período
regencial. Recife:
FUNDAJ, Editora Massangana, 1989, p. 9.
2 CARVALHO, José Murilo de. Teatro de
sombras: a política imperial. São Paulo: Vértice, 1988, p; 11-21.
[iii] REIS, João
José. Rebelião escrava no
Brasil. A história do levante dos
malês. 1835. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
[iv] No que diz
respeito aos temores pânicos, ver SANT'ANA, Moacir Medeiros de. Mitos da
escravidão. Maceió: Secretaria de Comunicação Social, 1989.
[v] No caso Pernambucano e interessante ver as
colocações de CARVALHO,
Marcus. Hegemony and Rebeilion in Pernambuco (Brazil), 1821-1835. Urbana-Illinois. 1986.
[vi] Ver DUARTE, Abelardo. Episódios do
contrabando de africanos nas Alagoas.
Maceió:
1988.
[vii] Ver REGO Walquiria G. Domingues Leão. Um liberalismo tardio
(Tavares Bastos, Reforma e
Federação). São Paulo, 1989. Tese de
doutoramento.