Este material foi pulicado em O Dia/Campus
Wanessa
Viera de Sousa, alagoana, cientista social, militante do Partido Comunista
Brasileiro e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
O movimento feminista: breve histórico das lutas das mulheres em tempos
As
primeiras organizações de mulheres e os primeiros movimentos feministas
aparecem em um contexto de crescente urbanização e industrialização que
marcaram os finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Na agenda
programática dos movimentos feministas da primeira onda, estavam: a luta pelo
direito ao voto feminino, o acesso a escola e carreiras profissionais,
enunciado por mulheres da burguesia, classe média, que se aproximavam das
correntes de pensamento reformistas e por socialistas que se aproximavam do
marxismo. Apesar de haver uma unidade de lutas e bandeiras em torno da defesa
do sufrágio, o movimento feminista dessa primeira onda, também chamado de
movimento sufragista, não se expressava de forma homogênea em todos os lugares
e camadas sociais, ou seja, se expressava pela adesão à linhas táticas, mais
moderadas e outras mais radicais, dentro do movimento feminista, já haviam
orientações e debates, que disputavam a consciência e os sentidos das lutas das
mulheres para ações que se limitasse a propaganda e passeatas tímidas. Enquanto
que outros grupos e organizações de mulheres defendiam ações diretas como:
saques e incêndios a estabelecimentos comerciais e invasões a domicílios de
políticos influentes, que respondiam com repressão para conter, esses grupos
radicais, que além da defesa ao voto já encabeçavam campanhas pela melhoria de
salários para as mulheres.
Na
década de sessenta e setenta, a chamada segunda onda do movimento vai ganhando
outros contornos e bandeiras que refletem a conjuntura de contestação desse
período e de forte expressividade principalmente no feminismo norte americano. A
questão sexual aparece pela primeira vez descolada da maternidade, a defesa da
pílula anticoncepcional vai possibilitando o sexo sem a responsabilidade da
geração de filhos, e a crítica a família patriarcal vai ganhando força nos
setores médios, burgueses e proletários, com as lutas por direitos civis, embora
ainda inacessíveis às camadas mais pobres, que acreditavam que os avanços no
direito público representavam um meio e não um fim das opressões sofridas por
elas. As mulheres das camadas médias e pobres já apareciam inseridas na
produção social logo depois da Revolução Industrial e Primeira Grande Guerra,
especialmente na industria têxtil, e portanto, já sentiam na pele a dupla
exploração, ou seja, ao mesmo tempo que a mulher foi se tornando necessária na
produção, o sistema regulador dessa produção não aboliu a velha estrutura
familiar patriarcal. Ao contrário, reforçou o lugar da mulher como donas de
casa, mães de família e trabalhadoras, distintas por um tipo de trabalho e
segregadas pela divisão sexual e hierárquica do trabalho, que reforçava
distinções entre trabalhos femininos e masculinos, isto é, aqueles que
supostamente estariam de acordo com sua” feminilidade” e que fosse adequado aos
seus “limites” físicos e psicológicos, já que nos trabalho ditos masculinos, a
força física, a “ técnica” e a ausência de limitações biológicas, justificariam:
baixos salários em relação aos homens, demissões por causa da maternidade
reforçando a desigualdade entre homens e mulheres ao mesmo tempo que silenciava
as relações contraditórias entre capital X trabalho.
Aos
finais dos anos setenta e oitenta, mesmo com a desmobilização e resistência da
luta feminista durante o período de golpe empresarial militar, sentidos em toda
a América Latina, o desafio encarnado pelo movimento feminista, sobretudo os
movimentos da America Latina, era de reconstrução: ao mesmo tempo que tentava se
rearticular e recuperar os laços de ligações com movimentos
sociais, partidos e coletivos destruídos pelo golpe de 1964, torturas e exílio,
também hasteava a bandeira da redemocratização e resgatava do “esquecimento” as
heranças deixadas, nos primeiros anos de consolidação da revolução de 1917, ocorrida na atrasada
Rússia, mas que garantiu conquistas como: o divórcio, o aborto, reconhecimento
de paternidade inclusive para filhos fora do casamento. O movimento feminista,
já bastante fragmentado, seguia disputando a narrativa dessas conquistas
alcançadas com a tomada de poder popular em 1917, ao mesmo tempo que esbarrava em
outras narrativas, enunciadas pela restauração do capitalismo e de suas crises
e que se reinventava como alternativa democrática que além de porta voz das
lutas das mulheres, dos ambientalistas e LGBTS se tornaria o grande responsável
por alargar as fronteiras do feminismo com o mundo. Mediadas pelas Nações Unidas,
o movimento feminista ganha novos contornos e conquista também espaço
acadêmico, com estudos específicos sobre gênero, em um contexto histórico que
reduzia o movimento feminista, aos estudos de gênero policlassista, que
nivelasse as condições de vida das mulheres e apagasse as discriminações de
cor, classe, como se o problema da opressão sofridas pelas mulheres fosse
apenas demarcado pela construção desigual entre os sexos.
Enquanto que o problema da opressão feminina
vai sendo atravessado pelo debate que enfatiza o gênero e por outro que
reconhece o gênero e as desigualdades de classes, principalmente no movimento
feminista ligado aos partidos comunistas, sociais democratas, sindicatos e
movimentos sociais que se materializavam, através da politização e peso das
lutas, derrotas e das conquistas acumuladas pelas últimas décadas, os
movimentos feminista dos finais dos anos noventa e dois mil, apesar de encontrarem uma conjuntura de
fertilidade para a crítica e denúncia das privações sofridas pelas mulheres e
por toda a classe produtora, que além de vivenciar os efeitos do
neoliberalismo, perda de direitos conquistados, precarização dos postos de
trabalho, ou seja, apesar do período apontar para mobilizações diversas, os
movimentos desse início do século XXI também enfrentam o paradoxo entre a
cooptação e a mobilização, a desmobilização e a unidade.
Enquanto
são capturados pelo debate sobre o fim do trabalho e consequentemente o fim da
classe trabalhadora como também pela adesão ao
modelo de frente popular de alianças de classes distintas, é nesse clima
de consentimento e conciliação de classes antagônicas que o movimento feminista
se expressa, dividido pelos debates e pelas ações ético/morais, que reconciliam as mulheres,
nivelando as diferenças entre a as mulheres: burguesas, proletárias, negras,
indígenas, ciganas, quilombolas em um feminismo “transformado”, que se expressa
na desmobilização, no particularismo e no apreço pela busca de movimentos
autônomos que representem bem a era pós moderna, que alimente o gênero “ flutuante” e que sobretudo, as ultrapassadas bandeiras
anticapitalistas e anti-imperialistas, assumindo vertentes e criando novas
entidades, como ONGs (organizações não governamentais), que naturalizam as
relações de opressão de gênero, quando
legitimam e respondem com assistencialismo, o problema da violência doméstica,
familiar, institucional, urbana, apartada das contradições sociais e das
relações que fazem dos seres humanos seres sociais.
Entre
avanços e fragmentações, refluxos e desmobilização, o movimento feminista
desses últimos anos dez anos foi capaz de protagonizar uma grande tarefa:
trouxe o debate da violência doméstica para ser debatido fora dos lares,
promovendo campanhas (“quem ama não mata”) e provocando mudanças na legislação
e na defesa de programas específicos para a proteção das mulheres que além de
quebrar paradigmas, com o direito penal, torna pública a questão da violência
doméstica e sexual. Preocupando-se não apenas em punir o agressor, mas em
oferecer suporte para a vítima, embora ainda limitado no acesso, proteção e na
assistência a mulher, a lei Maria da Penha representa certo avanço, para que
outras políticas públicas sejam exigidas do Estado.
Atualmente
o movimento feminista de corte classista segue na luta recuperando temas como:
a mortalidade materna, infantil, marginalidade feminina, racismo, homofobia,
lesbofobia, combate à violência sexual, moral, legalização do aborto, respeito
pela diversidade dos povos, em defesa do estado laico, sem deixar de fazer uma profunda crítica que
desmistifique a crença de que as
opressões sentidas pelas mulheres são iguais, e portanto não existiriam
diferenças entre a mulher camponesa, negra, operária ou burguesa. O feminismo
atual nunca esteve tão umbilicalmente ligado ao feminismo classista, e a defesa
das bandeiras classistas, que mesmo camufladas pela defesa da cidadania, nos
colocam mais uma vez como sujeitos históricos da transformação e gestação de
uma nova sociedade, onde haja relações humanas e amorosas, constituídas por
decisões livres e emancipadas.
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone. O segundo
sexo.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª ed, 2009
ENGELS,
Friedrich. A origem da família, da
propriedade privada e do estado. Tradução de Leandro Konder. Editora:
VIRTUAL. 1884
KOLLONTAY,
Alexandra. A Nova Mulher e a Moral Sexual. São Paulo. Editora Expressão Popular,
2003.
MAGALHÃES, Belmira. As Marcas do Corpo contando a história: um estudo sobre a violência
doméstica. Maceió: EDUFAL, 2005.
SAFFIOTI,
Heleieth. A Mulher na sociedade de
classes: mito e realidade. São Paulo. Expressão popular 2013.
TOLEDO, Cecília. Mulheres o Gênero nos une a classe nos divide. Edt° Instituto José
Luís e Rosa Sunderman. 2005.