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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O movimento feminista: breve histórico das lutas das mulheres em tempos



Este material foi pulicado em O Dia/Campus







Wanessa Viera de Sousa, alagoana, cientista social, militante do Partido Comunista Brasileiro e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro





O movimento feminista: breve histórico das lutas das mulheres em tempos


As primeiras organizações de mulheres e os primeiros movimentos feministas aparecem em um contexto de crescente urbanização e industrialização que marcaram os finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Na agenda programática dos movimentos feministas da primeira onda, estavam: a luta pelo direito ao voto feminino, o acesso a escola e carreiras profissionais, enunciado por mulheres da burguesia, classe média, que se aproximavam das correntes de pensamento reformistas e por socialistas que se aproximavam do marxismo. Apesar de haver uma unidade de lutas e bandeiras em torno da defesa do sufrágio, o movimento feminista dessa primeira onda, também chamado de movimento sufragista, não se expressava de forma homogênea em todos os lugares e camadas sociais, ou seja, se expressava pela adesão à linhas táticas, mais moderadas e outras mais radicais, dentro do movimento feminista, já haviam orientações e debates, que disputavam a consciência e os sentidos das lutas das mulheres para ações que se limitasse a propaganda e passeatas tímidas. Enquanto que outros grupos e organizações de mulheres defendiam ações diretas como: saques e incêndios a estabelecimentos comerciais e invasões a domicílios de políticos influentes, que respondiam com repressão para conter, esses grupos radicais, que além da defesa ao voto já encabeçavam campanhas pela melhoria de salários para as mulheres.
Na década de sessenta e setenta, a chamada segunda onda do movimento vai ganhando outros contornos e bandeiras que refletem a conjuntura de contestação desse período e de forte expressividade principalmente no feminismo norte americano. A questão sexual aparece pela primeira vez descolada da maternidade, a defesa da pílula anticoncepcional vai possibilitando o sexo sem a responsabilidade da geração de filhos, e a crítica a família patriarcal vai ganhando força nos setores médios, burgueses e proletários, com as lutas por direitos civis, embora ainda inacessíveis às camadas mais pobres, que acreditavam que os avanços no direito público representavam um meio e não um fim das opressões sofridas por elas. As mulheres das camadas médias e pobres já apareciam inseridas na produção social logo depois da Revolução Industrial e Primeira Grande Guerra, especialmente na industria têxtil, e portanto, já sentiam na pele a dupla exploração, ou seja, ao mesmo tempo que a mulher foi se tornando necessária na produção, o sistema regulador dessa produção não aboliu a velha estrutura familiar patriarcal. Ao contrário, reforçou o lugar da mulher como donas de casa, mães de família e trabalhadoras, distintas por um tipo de trabalho e segregadas pela divisão sexual e hierárquica do trabalho, que reforçava distinções entre trabalhos femininos e masculinos, isto é, aqueles que supostamente estariam de acordo com sua” feminilidade” e que fosse adequado aos seus “limites” físicos e psicológicos, já que nos trabalho ditos masculinos, a força física, a “ técnica” e a ausência de limitações biológicas, justificariam: baixos salários em relação aos homens, demissões por causa da maternidade reforçando a desigualdade entre homens e mulheres ao mesmo tempo que silenciava as relações contraditórias entre capital X trabalho.
Aos finais dos anos setenta e oitenta, mesmo com a desmobilização e resistência da luta feminista durante o período de golpe empresarial militar, sentidos em toda a América Latina, o desafio encarnado pelo movimento feminista, sobretudo os movimentos da America Latina, era de reconstrução:  ao mesmo tempo que tentava se rearticular  e  recuperar os laços de ligações com movimentos sociais, partidos e coletivos destruídos pelo golpe de 1964, torturas e exílio, também hasteava a bandeira da redemocratização e resgatava do “esquecimento” as heranças deixadas, nos primeiros anos de consolidação da  revolução de 1917, ocorrida na atrasada Rússia, mas que garantiu conquistas como: o divórcio, o aborto, reconhecimento de paternidade inclusive para filhos fora do casamento. O movimento feminista, já bastante fragmentado, seguia disputando a narrativa dessas conquistas alcançadas com a tomada de poder popular em 1917, ao mesmo tempo que esbarrava em outras narrativas, enunciadas pela restauração do capitalismo e de suas crises e que se reinventava como alternativa democrática que além de porta voz das lutas das mulheres, dos ambientalistas e LGBTS se tornaria o grande responsável por alargar as fronteiras do feminismo com o mundo. Mediadas pelas Nações Unidas, o movimento feminista ganha novos contornos e conquista também espaço acadêmico, com estudos específicos sobre gênero, em um contexto histórico que reduzia o movimento feminista, aos estudos de gênero policlassista, que nivelasse as condições de vida das mulheres e apagasse as discriminações de cor, classe, como se o problema da opressão sofridas pelas mulheres fosse apenas demarcado pela construção desigual entre os sexos.
 Enquanto que o problema da opressão feminina vai sendo atravessado pelo debate que enfatiza o gênero e por outro que reconhece o gênero e as desigualdades de classes, principalmente no movimento feminista ligado aos partidos comunistas, sociais democratas, sindicatos e movimentos sociais que se materializavam, através da politização e peso das lutas, derrotas e das conquistas acumuladas pelas últimas décadas, os movimentos feminista dos finais dos anos noventa e dois mil,  apesar de encontrarem uma conjuntura de fertilidade para a crítica e denúncia das privações sofridas pelas mulheres e por toda a classe produtora, que além de vivenciar os efeitos do neoliberalismo, perda de direitos conquistados, precarização dos postos de trabalho, ou seja, apesar do período apontar para mobilizações diversas, os movimentos desse início do século XXI também enfrentam o paradoxo entre a cooptação e a mobilização, a desmobilização e a unidade.
Enquanto são capturados pelo debate sobre o fim do trabalho e consequentemente o fim da classe trabalhadora como também pela adesão ao  modelo de frente popular de alianças de classes distintas, é nesse clima de consentimento e conciliação de classes antagônicas que o movimento feminista se expressa, dividido pelos debates e pelas ações  ético/morais, que reconciliam as mulheres, nivelando as diferenças entre a as mulheres: burguesas, proletárias, negras, indígenas, ciganas, quilombolas em um feminismo “transformado”, que se expressa na desmobilização, no particularismo e no apreço pela busca de movimentos autônomos que representem bem a era pós moderna, que alimente  o gênero “ flutuante”  e que sobretudo, as ultrapassadas bandeiras anticapitalistas e anti-imperialistas, assumindo vertentes e criando novas entidades, como ONGs (organizações não governamentais), que naturalizam as relações  de opressão de gênero, quando legitimam e respondem com assistencialismo, o problema da violência doméstica, familiar, institucional, urbana, apartada das contradições sociais e das relações que fazem dos seres humanos seres sociais.
Entre avanços e fragmentações, refluxos e desmobilização, o movimento feminista desses últimos anos dez anos foi capaz de protagonizar uma grande tarefa: trouxe o debate da violência doméstica para ser debatido fora dos lares, promovendo campanhas (“quem ama não mata”) e provocando mudanças na legislação e na defesa de programas específicos para a proteção das mulheres que além de quebrar paradigmas, com o direito penal, torna pública a questão da violência doméstica e sexual. Preocupando-se não apenas em punir o agressor, mas em oferecer suporte para a vítima, embora ainda limitado no acesso, proteção e na assistência a mulher, a lei Maria da Penha representa certo avanço, para que outras políticas públicas sejam exigidas do Estado.
Atualmente o movimento feminista de corte classista segue na luta recuperando temas como: a mortalidade materna, infantil, marginalidade feminina, racismo, homofobia, lesbofobia, combate à violência sexual, moral, legalização do aborto, respeito pela diversidade dos povos, em defesa do estado laico,  sem deixar de fazer uma profunda crítica que desmistifique  a crença de que as opressões sentidas pelas mulheres são iguais, e portanto não existiriam diferenças entre a mulher camponesa, negra, operária ou burguesa. O feminismo atual nunca esteve tão umbilicalmente ligado ao feminismo classista, e a defesa das bandeiras classistas, que mesmo camufladas pela defesa da cidadania, nos colocam mais uma vez como sujeitos históricos da transformação e gestação de uma nova sociedade, onde haja relações humanas e amorosas, constituídas por decisões livres e emancipadas.

REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª ed, 2009
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Tradução de Leandro Konder. Editora: VIRTUAL. 1884
KOLLONTAY, Alexandra. A Nova Mulher e a Moral  Sexual. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2003.
MAGALHÃES, Belmira. As Marcas do Corpo contando a história: um estudo sobre a violência doméstica. Maceió: EDUFAL, 2005.
SAFFIOTI, Heleieth. A Mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo. Expressão popular 2013.
TOLEDO, Cecília. Mulheres o Gênero nos une a classe nos divide. Edt° Instituto José Luís e Rosa Sunderman. 2005.


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