Este material foi publicado em O Dia/Campus, nº189
Esta publicação corresponde ao material produzido durante a segunda roda de conversa que tivemos, coordenada pela Professora Karla Padilha. Funciona como introdução aos textos produzidos que serão referenciados como R2.
I - A DEFENSORIA PÚBLICA e seus
desafios
Karla Padilha
Promotora de Justiça, professora e doutoranda em direito
E, dessa feita, os trabalhos foram capitaneados
pelo Defensor Público Ryldson Martins.
Seu foco prendeu-se a sua experiência na defesa de usuários e traficantes de
drogas. Registrou Ryldson que, invariavelmente, os casos que lhe chegam trazem
consigo registros de históricos familiares dos réus bastante complicados,
incluindo, não raro, processos de verdadeira dessocialização de pessoas,
excluídas do contexto social. Chama a atenção para o papel primordial da
instituição a que pertence, que é proporcionar assistência jurídica gratuita e
integral aos hipossuficientes. Ressente-se da falta de um número adequado de
defensores públicos e de deficiências em sua estrutura de trabalho.
O comum é se ter pessoas que praticam atos
relacionados ao consumo ou tráfico de entorpecentes desde a adolescência. Para
melhor ilustrar o ciclo vicioso que envolve tais pessoas, expôs o debatedor, em
tom de narrativa, sobre como se processa, nesse universo permeado pela
exclusão, o primeiro contato de uma pessoa com a droga. Narrou a história de
vida de alguém desde o primeiro momento em que tem acesso a substâncias
entorpecentes. Referiu-se a dados estatísticos sobre o assunto, atinentes aos
potenciais clientes da Defensoria. Lança o questionamento: seria a descriminalização
a solução para se combater o tráfico de entorpecentes? Sobre essa questão,
Alexandra Beurlen defende a manutenção da criminalização do tráfico de drogas,
identificando-o como o pior dos crimes, destacando, inclusive, que hoje o
tráfico financia campanhas políticas. Destaca a impropriedade de não se
admitir, em relação aos adolescentes, a aplicação do instituto da internação em
face da prática do tráfico.
Ryldson apontou para a importância de se indagar
ao preso sobre o papel que enxerga do Estado e, ainda, sobre os modos em que
percebe a sua ausência ou presença, dentro de sua realidade cotidiana. Deixou
claro o flagrante descumprimento da Lei de Execuções Penais, apontando para a
necessidade de que o Estado possa levar a cabo sua função, fora do Presídio, de
prover a saúde e educação da população através de políticas públicas e, dentro
dele, de viabilizar a ressocialização do condenado. Neste particular, reconhece
a falência absoluta do sistema. Daí ter-se hoje elevados índices de
reincidência (em torno de 70%). Nesse sentido, suscita Ryldson Martins a
impropriedade de se falar em ressocializar em relação a quem
nunca sequer foi socializado. Socorre-se do que afirma a jurista lusitana
Anabela Rodrigues sobre o tema.
Anderson Passos, enquanto magistrado, reconhece as
deficiências do Estado no desempenho de sua função ressocializadora. Aliás,
questiona mesmo a real possibilidade de ressocialização, que é depositada no
Estado, quando se trata de uma intervenção nitidamente tardia para
enfrentamento do problema. Acrescenta Anderson Passos que a legislação pátria
não apresenta soluções eficientes de prevenção às drogas, já que todos os
esforços se centram na repressão. Cita o magistrado, a título exemplificativo,
que o trabalho desenvolvido na prevenção ao consumo de tabaco tem mostrado
resultados bastante satisfatórios.
Sobre o instituto da ressocialização, Alexandra
Beurlen atenta para a necessidade de que se discuta, de forma mais cuidadosa,
tal conceito. Para o adolescente, a situação, segundo ela, seria diferente.
Entende, nesse sentido, que a pena muitas vezes chega a cumprir a sua função.
Quem é preso sofre e, nesse sentido, pode se recusar a repetir o ato ilícito
com o objetivo de não sofrer de novo. Ryldson reafirma que é preciso um
estímulo real para que alguém não volte a delinquir. Para muitos, ser preso é
uma coisa normal, que faz parte de um estágio da vida.
Ryldson Martins suscita a questão de se avaliar se o instituto da internação compulsória, nos moldes em que hoje se aplica, mostrar-se-ia eficiente e adequado. Sobre o assunto, dispõe ainda de resultados pouco significativos. Outro ponto que aborda é, também, a mulher e o tráfico de drogas, destacando sua captura pelo sistema penal muitas vezes por influência de seu companheiro. Interveio o Professor Sávio Almeida para registrar a importância de que se possa elaborar uma verdadeira etnografia do tráfico.
Alexandra Beurlen, Promotora de Justiça,
preocupa-se com a necessidade de que se proceda a uma maior aproximação entre
as instituições Defensoria Pública e Ministério Público. Registrou ações civis
públicas já ajuizadas pelo MP, a exemplo de uma que busca garantir, pelo
Estado, o tratamento adequado de que o usuário de drogas necessita. Provoca
Anderson Passos questionando se, de fato, faz sentido punir-se o tráfico de
drogas ou se haveria outras saídas mais eficazes. Para justificar esse
questionamento, aponta para o ambiente bélico e mortal em que atualmente se
desenvolve o combate ao mundo do tráfico, com mortes tanto de civis quanto de
policiais, em verdadeiro estado de guerra armada.
Mariana Góis, na condição de membro da Polícia
Militar de Alagoas, questiona se todos não estariam, em alguma medida, a
“brincar” de segurança pública, na medida em que, malgrado se tenha índices
significativos de armas apreendidas no mundo do crime, por outro lado não se
tem ideia do quantitativo bélico que entra ou retorna ao mercado. Seria, então,
o modelo eficaz? Haveria outras soluções mais adequadas para o problema? Tende
Mariana a não acreditar na eficácia do mecanismo da internação compulsória.
Nesse sentido, o que defende é o empoderamento da população, para que possa
precisar cada vez menos do Estado. Registra, finalmente, que a ausência de
credibilidade no sistema jurídico acaba por atrapalhar o trabalho desenvolvido
pela polícia, de forma diuturna.
Cléssio Moura, enquanto acadêmico, sugere que a abordagem do artigo do defensor púbico seja, tanto quanto possível, menos genérica, vale dizer, proponha-se a abordar menos questões de um mesmo problema. Acredita que um foco em Alagoas e em sua realidade de Estado pobre e população eminentemente pobre seria bastante interessante, para reforçar o importante papel a ser desempenhado pela Defensoria Pública. Cléssio identifica como pontos relevantes do trabalho de Ryldson Martins: a atuação da defensoria pública para garantir o acesso à justiça, o combate ao tráfico de drogas, diante da omissão do Estado e da ausência de políticas públicas e, finalmente, as consequências de tudo isso e seu impacto na segurança pública.
Acrescentando argumentos ao problema, o Professor
Sávio Almeida observa em Alagoas uma verdadeira máquina de formação de pobreza.
Tal situação deve despertar, no julgador, o conflito entre o julgamento que se
quer fazer como cidadão e o julgamento que se tem de fazer, a partir do
arcabouço legislativo vigente. Afirma
Sávio que, cada vez que o juiz prolata uma sentença, diz como a sociedade deve
ser. Trata-se, assim, de verdadeira “incorporação do outro”.
Alexandra, olhando para a realidade atual, conclui
que a presença do defensor público a fez modificar o seu trabalho, na medida em
que permitiu novos olhares para uma outra visão ou uma nova perspectiva, em
relação a um mesmo problema. Reafirma que, para enfrentamento do tema das
drogas em seus processos diários, o importante é que se busque pensar em cada
caso de forma individualizada, com análise do passado e do histórico do
adolescente investigado. Finalmente, Alexandra Beurlen afirma que a lei de execuções
penais e o estatuto da criança e do adolescente não são ruins, o problema é que
nunca foram cumpridos. Nesse sentido, não se pode criticar o modelo, já que não
se sabe ao certo se ele funciona ou não.
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