R2 - “RE”-Educação e “RE”-Socialização
Cléssio Moura de Souza
Advogado, mestre em Direito pela
Universidade de Freiburg na Alemanha e doutorando da Escola Internacional
do Max-Planck Instituto para Mediação, Retaliação e Punição
Esta matéria foi publicada em O Dia/Campus, nº 189
Reeducar,
ressocializar, trazer de volta à sociedade, reintegrar à sociedade... Esses são
alguns dos termos repetidos diversas vezes quando se discute a finalidade das
medidas sócio-educativas, aquelas adotadas no caso do adolescente que pratica
ato-infracional e do aprisionamento no caso dos adultos condenados por algum
crime.
Tanto
no caso da prisão do adulto quanto no caso da internação do adolescente, o
indivíduo é retirado do seu contexto familiar e social compulsoriamente, por
representar um perigo para os demais indivíduos. Perigo esse configurado pela
não obediência às normas legalmente impostas. Portanto, esse indivíduo torna-se
uma responsabilidade do Estado, o qual deve reeducá-lo e ressocializá-lo. Pelo
menos esse foi o desejo do legislador ao criar a norma e torná-la lei.
Possivelmente,
esse mesmo legislador tinha um ideal que se sustentava na existência de uma
sociedade com valores e situações sociais iguais ou ao menos semelhantes. Uma
sociedade na qual os indivíduos teriam acesso aos serviços básicos e que
dividissem padrões de valores ao menos semelhantes. É essa a sociedade que
temos?
Essa
discussão sem dúvida nos levaria a diversas outras discussões, as quais
desaguariam, em algum momento, na própria definição de sociedade, ou melhor, de
uma sociedade brasileira. Retornando a reflexão anterior sobre a reeducação e
ressocialização, é possível perceber que existe um grande problema para além da
incompetência do que chamamos de Estado – e aqui diria que nos referimos ao
Poder Executivo e ao Judiciário – em reeducar e ressocializar esses indivíduos.
O que entendemos por reeducar o adolescente e ressocializar um adulto
especificamente?
Se
pensarmos que esse “re” significa que aquilo que foi feito e que, de alguma
forma, não funcionou deve ser “re”- feito. Daí teríamos que considerar que a
criança foi educada na escola e no convívio social, mas por algum motivo não
obedeceu às regras sociais de convívio e por isso deve ser re-educada através
de medidas socioeducativas. No caso do adulto, há o descumprimento racional de regras
sociais que deveriam estar claras e presentes no seu cotidiano. Portanto, esse
indivíduo deve pagar por sua transgressão com a privação de sua liberdade e
deixar que o Estado lhe proporcione uma segunda chance de voltar ao convívio
social, pautado no respeitar às regras. No primeiro caso, a medida seria
pedagógica e, no segundo, seria punitiva.
O
que se pressupõe, na verdade, é que esse indivíduo teve acesso à educação desde
a sua infância e que também se socializou através dos contatos interpessoais
que teve desde sempre. No entanto, entre essas duas situações somente a segunda
pode ser afirmada em plenitude. Se deixarmos de lado questões ligadas ao acesso
e à qualidade da educação no nosso país – o que nos renderia muito “pano pra
manga” – e nos focarmos na socialização e “re”socialização, sem dúvida teremos
que considerar situações e lugares que possivelmente o legislador não pensou ao
elaborar a lei.
Todos
nós somos socializados e estamos em constante socialização. Seja em casa, na
escola, na rua, no trabalho ou em outros ambientes. Todos nós temos convívio
social. Uns mais, outros menos, mas todos temos. Portanto, não precisamos ser
“re” socializados, pois o processo não parou. É contínuo.
Adicionar legenda |
O
que acontece é que a nossa socialização pode ser diferente de acordo com os
ambientes e as pessoas ao nosso redor. O jovem que mora no Vergel do Lago tem
vida social e está em constante socialização. O jovem da Jatiúca também.
Portanto, o tipo de socialização encontrada em um ambiente pode levar os
indivíduos a relativizar a ideia do que é considerado uma conduta criminosa, ou
seja, aquele que cresce em uma parte da cidade onde há a venda e o consumo de
drogas, furtos, dirigir sem habilitação, tendem a considerar essas práticas
como parte da sociedade em que vive.
O
problema é que, por força da lei, temos um modelo de socialização
pré-determinado que não foi construído uniformemente e que desconhece a
existência de outros valores e de outros padrões de convivência social.
Portanto, se o Estado não foi capaz de estabelecer uma sociedade com direitos,
deveres e condições iguais ou ao menos similares com aquelas idealizadas pelo
legislador, não há necessidade de se falar em “re” isso ou “re” aquilo.
Primeiro se deve criar um ambiente propício para a educação e a socialização...
depois se deve pensar nas falhas e na “re”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário