Os três filhos de Manoel de Almeida: Sávia, Sávio, Rita (falecida) |
memória memória memória
Foi meu pai quem me mostrou,
desde pequeno, a existência de livros; foi meu pai quem me sentava no colo e
fazia-me perceber a vibração da música; foi meu pai quem, me mostrou o que era
o amor pela família, pela dignidade. Foi meu pai quem me aconselhou quando
errei, mas nunca me recriminou; foi meu pai, portanto, quem mostrou à criança o
caminho para ser adulto e eu o amava, mas amava tanto que desejava dar na hora
de sua agonia e minha vida e disse-lhe nos seus ouvidos de morte: “Eu lhe amei
durante os 50 anos de minha vida!”. Luiz Sávio de Almeida
Uma homenagem, a Manoel de Almeida (I)
Quem é quem
Luiz Sávio de Almeida é filho de Manoel de Almeida e Maria
José de Almeida.
Dois dedos de prosa
Ele merece: lidou com milhões e ficou com o que lhe deu o suor. E me
acostumei a ouvir: “Seu pai é uma reserva moral das Alagoas!”. Claro que eu sentia orgulho, mas sorria por
existir reserva moral, como se a gente gastasse a que tem e mandasse buscar a poupança.
Era um gentleman alagoano. Uma vez mamãe falou: “O Lula da Bomba disse que dois
camaradas apareceram num Jeep e perguntaram onde era a casa do seu pai!“. Sinal de coisa braba. Imediatamente fui ao
Banco: entrei na sala e fechei a porta. Ele sorriu: “O que procura o jovem Infante?”. Perguntei se estava tudo certo. Ele sorriu,
abriu a gaveta e mostrou o arsenal: “Dá pra dois?!”. Ele jamais soube, mas a
mando de minha mãe, passei uma semana o acompanhando de longe. Sem pestanejar, morreria por ele. Eu tinha uns 15 anos: era
cada encomenda...
Eu ainda te amo, meu pai!
Vamos lá
Sávio
As memórias de Manoel Almeida
Luiz Sávio de Almeida
Sem qualquer sombra de dúvida,
Alagoas tem bons memorialistas e Manoel de Almeida está entre eles. Seu livro intitulado Memórias de um homem comum foi publicado em 1992 pelo Instituto
Arnon de Mello e com a chancela do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool
do Estado de Alagoas, Cooperativa Regional
dos Produtores de Açúcar e do Álcool de Alagoas e Associação dos Produtores
Independentes do Açúcar e Álcool. Este rol de entidades ligadas ao açúcar e
álcool deve-se ao seu papel como Gerente do Banco do Brasil durante anos em
Maceió e, também, ao fato de que sempre esteve no açúcar, nascido que foi em
Capela, no Vale do Paraíba e membro de famílias tradicionais daquele pedaço de
Alagoas: Almeidas e Mellos, como também Vieiras.
Fausto Viera de Almeida, sogro de Manoel de Almeida |
Não seria exagero dizer que seu
livro somado à produção de seu primo Aloysio de Costa Melo fornece um painel do
que seria o açúcar e a vida daquela área do Estado nas décadas de 20 a diante
do século XIX. Sobretudo demonstra como
o açúcar é cruel em suas relações sociais interpares. Ele não reincorpora aquele que foi alijado.
Isto pode ser identificado aqui e ali, conforme aconteceu com os primos
mencionados. Saíram do meio açucareiro, viveram o cru da pobreza e refizeram a
vida como personagens urbanos, por coincidência, lidando com o próprio açúcar.
Há uma tradição de escrita entre
os Almeidas que começa pelo Wenceslau de Almeida e seus estudos capelianos,
interessado que foi na história da região e na própria história familiar. Ele
tem estudos publicados sobre a Capela, sendo autor, por outro lado,
de anotações de caráter genealógico que ficaram conhecidos como a Caderneta do
Wenceslau, desde que os assentamentos foram feitos em uma caderneta de compras,
usual naquela época. Ainda a vi, nas mãos do Coronel José Otávio, na casa
grande da Usina João de Deus. O coronel
era casado com uma irmã do Wenceslau. Depois,
Pedro Wenceslau de Almeida copia e amplia os registros da Caderneta, gerando o
Livro do Véio Pedro, desde que foi escrito em um velho livro de atas. Conheço
ainda a Caderneta do Eustáquio e os
Cadernos da Antônia. Surge o Livro do Manoel.
A vida de Manoel de Almeida foi,
antropofagicamente, a destituição do
açúcar, o nascimento do homem da classe média urbana que vai ser um fiel agente
bancário. E isto, vencendo adversidade por cima de adversidade, até que a tudo
remonta quando vai ser secretário da Prefeitura Municipal da Capela. Em seguida
parte para ser secretário da Prefeitura de Quebrangulo, onde monta o Ateneu
Quebrangulense, uma escola; depois
ingressa no Banco do Brasil e segue sua carreira.
É de se notar o quanto a vida foi
trabalhosa, o quanto teve de lutar para ter um lugar rural e quanto teve que
sair em busca da vida em locais urbanos. Decididamente, não teria mais a volta,
apesar da tentativa de estar plantando no Monte Verde ou quando está em
Quebrangulo sonhando com um caminho que jamais passaria por uma fazenda. E ele
sempre achou que tinha algo a contar como se desejasse ter uma conversa consigo
mesmo: precisava dizer coisas a ele mesmo e este foi o caminho deste livro,
publicado em 1992, mas na verdade, pensado por muito tempo e tentado quando
retorna para Maceió, com tudo sendo assentado em uma velha caderneta – ainda a
guardo – comprada na Papelaria Acadêmica, Niterói. Na primeira página estava escrito: “Resumo
dos acontecimentos e da [...] de minha
existência e escrito por minha própria pessoa”. Eu mesmo falo sobre mim e
comigo.
Para sobreviver, sentou praça no
Exército. Em 1926 embarcava para o Rio
de Janeiro no Paquete João Alfredo. Esteve no exército e depois entrava para a
polícia. Em 1931 estava de volta e terminou sendo convidado para ser Secretário
da Prefeitura da Capela, pelo Prefeito Eustáquio de Mello. Foi a virada de
vida; começou a carreira de professor, ensinando português no Colégio São José,
depois lente de português e de escrituração no Educandário Capelense. E vai e
então, a dois de junho de 1932 que começa a família: “Por carta me declarei perante
Fausto Vieira de Almeida e pedi em casamento, Maria José de Almeida”. Vai ser
Secretário da Prefeitura de Quebrangulo, casa. Em 1933 funda o Ateneu
Quebrangulense e a 10 de junho nasce seu primeiro filho: Sávia
de Almeida e a batiza. Este foi o último registro em sua caderneta de
lembrança que ele sempre guardava junto à sua Caderneta Militar, com várias
anotações assinadas pelo Coronel Luiz Cavalcanti Lima a quem sempre foi agradecido.
A sua vida tem uma reviravolta quando entra para o
Banco do Brasil e segue para Maceió. Depois vai comissionado para Pirapora;
volta para Alagoas: Penedo, onde será contador da agência. Depois vai ser
gerente em Bicas, Minas Gerais. Volta para o Nordeste e será gerente em
Palmares. Segue para ser Inspetor em Natal e volta para ser gerente em Maceió.
É esta andada de vida, que aparece em seu livro. E sua aventura termina em um
dia pesado de qualquer ano, pois não guardo datas tristes.
Manoel e Maria José de Almeida |
O caixão estava descendo na cova
e minha mãe abraçada a mim disse-me ao pé do meu ouvido: “Meu filho, está sendo
enterrado um homem honesto. A vida do seu pai prova que este país pode dar
certo!”. Arremata e esta frase gravei: “Eu nunca tive vergonha de um grão de
feijão que entrou em nossa casa!”.
Manoel de Almeida foi engenhoso
na construção de seu texto; ele é
escrito de uma forma dialogada entre seu passado e seu presente, com ele
menino mandando cartas para ele adulto e recebendo respostas. Aos poucos, o
tempo dos dois faz com que se encontrem e, então, o menino revolta-se contra o
adulto. Ele devia ter dito que era ele, segundo as razões do menino, e com isto
entenderia tanto sofrimento que vivera. O menino assina suas cartas como Manoel
e o adulto como Sr. Almeida.
Bons observadores, em diversas partes do livro,
tanto Manoel quanto Almeida fazem uma narrativa de ambiente e circunstâncias. O
tempo e seu andamento transparecem. Hoje vamos publicar trechos de uma carta
escrita pelo Sr. Almeida para o Manoel e fala sobre a vida da pequena Capela
nos idos de 30. Claro que estamos com uma Capela por ele recortada, pinçada
para realçar-se no texto, desde que ele é sua própria personagem. Isto não impede de sentirmos o que indica
sobre o que seria, na sua posição, viver
o tipo de integração que poderia ter.
Mas o que me encanta neste texto, é a função do detalhe e do acaso na
definição das histórias. Isto me faz lembrar um pouco da micro-história em
Ginsburg que relembra Sherlock Holmes: suas grandes conclusões são encaminhadas
por detalhes que se poderiam julgar insignificantes.
Não quero e não posso transformar
meu pai em objeto de estudo e fiz questão de não enveredar por uma série de
discussão que o tema suportaria sobre, por exemplo, memória e história.
Discutir efetivamente, a sua contribuição, ao falar de si mesmo, para
entendermos o outro enredado em nossas vidas.
II – A orelha do livro
Manoel de Almeida: pai e amigo
Luiz Sávio de Almeida |
Rita Maria de Almeida |
No momento em que escrevo esta
pequena nota, tenho em meus ombros a dor
de todos os órfãos do mundo. As minhas mãos estão pesadas no teclado do
computador e a minha alma se arrasta,
junto com a imensa saudade que toma conta de todo meu corpo. Meu pai
morreu numa manhã de domingo, quando trabalhava em seu escritório, continuando
o que sempre fez na vida. A velhice não o fez parar de ler, estudar, escrever,
manejar a sua poesia.
Foi meu pai quem me mostrou,
desde pequeno, a existência de livros; foi meu pai quem me sentava no colo e
fazia-me perceber a vibração da música; foi meu pai quem, me mostrou o que era
o amor pela família, pela dignidade. Foi meu pai quem me aconselhou quando
errei, mas nunca me recriminou; foi meu pai, portanto, quem mostrou à criança o
caminho para ser adulto e eu o amava, mas amava tanto que desejava dar na hora
de sua agonia e minha vida e disse-lhe nos seus ouvidos de morte: “Eu lhe amei
durante os 50 anos de minha vida!”,
Morreu compassadamente como tudo
o que fazia; sem grandes gestos, sem qualquer estardalhaço, discreto e morreu,
onde eu sempre quis que acontecesse: no meu ombro, sendo beijado por minha boca
e acarinhado pelas minhas mãos que percorriam os seus cabelos, passavam por
seus braços. Ele estava olhando para mim e seus olhos fitavam longe, quando a
morte aconteceu. É que seus olhos sempre viam longe, sempre estavam procurando
o que havia além do horizonte. É que meu pai não conhecia limite.
Quero agradecer em nome de minha
família a todos os que estiveram conosco, especialmente à minha prima Rosângela, a quem ele muito
queria; especialmente a Maria Clara
Brandão a quem dedicava admiração e carinho e que esteve com ele durante os
momentos de seus últimos suspiros.
Meu pai honrou à humanidade,
desde os tempos em que chegou a viver da caridade pública, até os tempos em que
se demorou na terra. Sinto-me feliz e
agradecido a Deus, que fez com que seus últimos instantes fossem tão cheios de
carinho e de amor por ele, carinhos de minha mãe, meus, de minha esposa, de
minhas filhas e de Maria Clara, cujos olhos cheios d’água revelaram a grandeza
de seu espírito, ficando conosco, dando apoio a todos nós e consolando a minha
mãe.
Devemos agradecer a todos quanto
colaboraram na impressão deste livro, simbolizando-os na pessoa de Douglas
Apratto Tenório, amigo que se dedicou de corpo e alma, à tarefa de nos dar esta
satisfação de ver a vida de Manoel de Almeida prolongando-se.
Meu pai provou com sua
honestidade, com sua própria vida, que este país ainda pode existir com
dignidade. Maceió,
2 de setembro de 1973
Manoel
A família de Manoel Hermenegildo de Almeida, meu avô |
Reconheço que em minha vida não há o que o senso comum chama de sucesso, pois, neste sentido, progredi bem pouco, mas se me fosse dado partir de onde parti, para recomeçar a vida, não vacilaria um momento e tomaria a mesma estrada que tomei, mesmo sabendo que iria encontrar as mesmas dificuldades e os mesmos sofrimentos que me são sobejamente conhecidos.
Começo minha narrativa pelo ano de 1930, em época somente sete anos
posterior àquela que você está usando em suas cartas. É uma época que, por ser
bem próxima à sua, você terá facilidade de compreender. Não faço referência
concreta às datas posteriores, e espero que você, pelo menos durante algum
tempo, não me faça perguntas sobre este ponto.
[...]
Em 1930, estou em Capela, a minha
cidadezinha, enquanto corre o mês de abril. Aqui estou, vindo do sul do país, e
de certo modo vencido pelas circunstâncias, embora não vencido em relação aos
meus propósitos básicos. Já aprendi a ler e escrever, embora praticamente nunca
tivesse frequentado cursos regulares, mesmo o primário.
A cidade é pequena, e o meio um
pouco acanhado. Ser pobre, aqui, é a regra. Indústrias não há, com exceção da
do açúcar, e o comércio tem pouca expresso. Quanto à instrução, só o Grupo
Escolar. Ginásios ou colégios estão fora de cogitações em futuro próximo, por não
haver condições pata a criação, instalação e manutenção. É assim, mas é a minha
cidade, a cidade de meus antepassados. População simples e ordeira, não havendo
forasteiros. É gente daqui mesmo, formando três ou quatro famílias
tradicionais, mais ou menos ciosas de sua importância.
Esta é a cidade de 1930, de que
acima falei no presente, ou melhor, usando o verbo no presente e de que, agora
que estamos em 1973, passo a falar como no passado, sentindo a saudade dos 43
anos decorridos.
A moralidade tinha a sua força e
os costumes eram um tanto quanto rígidos. A religião católica tinha bases
firmes e o padre d freguesia era a autoridade mais importante. Fora dele, só o
juiz; o promotor, o diretor do Grupo Escolar e o delegado de polícia. Mas acima
de todos estava o chefe político, como única autoridade de fato.
Capela tinha suas tradições de
cultura e de importância política. Nas conversas seria comum ouvir dizer que B
foi Secretário do Interior no governo de C; que D, o avô de E, foi chefe
político mais respeitado da região, entendendo-se o seu prestígio até mesmo à
capital, junto a governos diversos, e assim por diante.
A vida econômica girava em torno
da cana de açúcar, contando o município com 50 engenhos banguês, que já
começavam a ceder lugar às usinas.
As diversões eram poucas, apenas
um cinema com duas ou três funções semanais. Havia também um barzinho, ponto de
reunião de todas as noites ou mesmo de todas as horas e onde se discutia de
tudo, desde literatura, política e religião até os particulares mais reservados
da vida alheia. Fora disso e complementando a vida social, havia as conversas
de esquina, que começavam logo depois da refeição da noite e se prolongavam por
vezes, até altas horas da madrugada. Logo depois de minha chegada à Capela
chegou, também, vindo da capital, o Padre Joaquim que irisa tomar a frete de
sua primeira paróquia. Moço saudável, bonitão e tido por inteligente, queria, e
devia aparecer e sobressair-se na condução de suas ovelhas, e o número de
Filhas de Maria ou de membros de outras congregações elevou-se
substancialmente. A frequência às missas e ao catecismo duplicou desde logo,
pois o homem sabia mesmo fazer sermões bonitos. Religião passou a ser assunto
de todas as conversas, e quem não soubesse falar sobre o tema estava automaticamente
fora de moda.
Papai está em pé. É o quarto da esquerda para a direita |
Para congregar a moçada
católica, padre Joaquim fundou o Centro Social Católico e não
ficou rapaz de 15 a 60 anos que não aderisse prontamente e, entre os aderentes,
é óbvio, estava eu, cantando hinos de igreja que era uma maravilha, mesmo sem
haver ingressado no Centro com muito entusiasmo, e, sim, apenas para não ser
alijado da vida social.
Mas,
eu não necessitava só de convivência, porém, também, de sobrevivência. Estava
desempregado e necessitava ganhar alguns mil réis, pelo menos para o vestuário
e pequenas despesas, pois casa e alimentação meu pai garantia. E foi assim que
me tornei empregado do Sr. Joaquim Lemos. O qual possuía uma mercaria
relativamente bem sortida na rua do Comércio. Mas haviam construído um novo
mercado lá para as bandas da Canafístula. Para onde se mudaram quase todas as
casas comerciais. Ele resolvera manter a loja antiga mas, para ajustar-se à
mudança, criou uma filial na nova zona comercial, na qual fui admitido,
representando, ao mesmo tempo, os papeis de gerente, caixa, balconista e
servente, pois seria o único.
Praticamente,
nada fazia ali, pois freguês era coisa rara, a não ser nos dias de feira, porém
seu Lemos insistia pela minha permanência e por conservar a loja funcionando,
dando-me almoço e pagando-me 40$000 mensais. Outro emprego, porém, apareceu
depois e deixei o cargo. [...]
[...]
devo mencionar que Padre Joaquim, interessado no nível intelectual de sua paróquia, logo descobriu
que entre os seus paroquianos muitos necessitavam avivar as luzes do saber,
principalmente no que se relacionava com o bom uso da língua pátria e, por
isso, resolveu ministrar um curso de linguagem.E eu inscrevi-me, como não devia
deixar de fazer, acontecendo a primeira aula poucas noites depois, no salão
principal da prefeitura para isto iluminado a capricho, com a presença do fino
da sociedade, principalmente moças e rapazes em roupas de festa, todos curiosos
com o que iria ser dito. Eu, a um canto e meio desconfiado com tanto aparato,
lá estava.
O
jovem sacerdote falou bonito e demoradamente e todos ouviram calados e pasmados
de tanto saber. O que veio por fim foram algumas noções de gramática da língua portuguesa bastante
conhecidas, mas lá pelas tantas alguma coisa foi dita que me parecia confusa ou
errada e eu, supondo que não tivesse ouvido ou entendido bem e com o desejo
real de aprender, aproveite uma pausa e, timidamente, pedi esclarecimentos
sobre um detalhe de que agora não recordo. A resposta foi prointa e os
esclarecimentos foram longos. Meu quociente intelectual infelizmente não me
ajudou e tive de fazer nova pergunta. Nova explicação sofisticada e nobva
pergunta desajeitada...
Um projeto de mim mesmo |
Não
me interessava gerar confusão, aliás, gerar discussão, o que queria era
aprender, mas não me dava por satisfeito com o que ouvia. O impasse estava
criado, a contragosto meu. Padre Joaquim
embaraçou-se um pouco mas, esperto, teve uma boa saída. Alegou que gostaria de continuar
com a discussão do assunto, mas ela estava se desenvolvendo em um plano muito
mais alto do que o cabível naquela primeira aula, que se destinava a pessoas de
nível médio. [...]
Porém,
aquilo, para a assistência assumiu logo cores de grande discussão de alto nível
e já no dia seguinte passava a figurar como prato preferido em todas as reuniões
ou ajuntamentos, ativando as conversas de esquina e os serões domésticos. O
professor era uma capacidade mas eu era, em Capela, a única pessoas capaz de
discutir português com Padre Joaquim. Tornei-me herói de um momento para outro.
[...]
O
episódio da primeira aula do padre Joaquim, insignificante em si, teve, se bem
apreciado, consequências de grande sentido, em relação à minha pessoa. É que
eu, que nunca frequentei escolas regularmente, sempre senti desejo de saber
alguma coisa, estudando, por mim mesmo, como podia, através da leitura dos livros que me chegavam às
mãos. [...]
Ao
padre visitei várias vezes, trazendo de volta um livro ofertado ou emprestado.
Do juiz consegui alguns livros e do promotor alguns outros. Também comprei
muita coisa e a verdade é que, com isso, alcancei algum resultado. Oficialmente
continuei analfabeto [...] O professor é necessário, mas o essencial é a
vontade de aprender. O curso do padre não durou muito e não trouxe, em si,
qualquer vantagem apreciável, mas aquele detalhe, que não estava no programa,
foi um estímulo valiosíssimo, como outros que tenho recebido pela vida a fora.
Adeus
Almeida.
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