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terça-feira, 24 de setembro de 2019

Escravidão em Alagoas



Gian Carlo de Melo Silva é doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE e professor da Universidade Federal de Alagoas-UFAL. Ainda é docente nos cursos de pós-graduação em História da Universidade Federal de Alagoas-UFAL e da Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE. Organizador de coletâneas como: Cultura e Sociabilidades no Mundo Atlântico (2102), Políticas e Estratégias Administrativas no Mundo Atlântico (2012), ambas pela Editora Universitária da UFPE; Os Crimes e a História do Brasil (2015) publicada pela Edufal e premiada pela VII Bienal do Livro de Alagoas; História da Escravidão em Alagoas (2017) lançada pela Edufal e Imprensa Oficial, com premiação nos 200 anos de emancipação política de Alagoas. Além disso, publicou Um só Corpo, Uma só Carne (2010, EDUFPE e 2014, Edufal) e sua tese de doutoramento com o título Na cor da Pele, o Negro (2018, Edufal). Em 2018 também organizou e publicou com Wilma Nóbrega a obra Olhares de Maceió por Luiz Lavenère, um catálogo com fotos de Maceió no início do século XX (Graciliano Ramos).

Brazilian hisrory: slavery / Histoire brésilienne: l'esclavage / Storia brasiliana: schiavitù / Brasilianische Geschichte: Sklaverei



Uma pequena introdução

Danilo Luiz Marques, Gian Carlo de Melo Silva & Luana Teixeira

             
     O livro História da Escravidão em Alagoas reúne uma nova geração de historiadores que vem pesquisando e inovando a historiografia alagoana sobre escravidão. Propomos presentar ao público leitor, estudos sobre a escravidão em Alagoas que privilegiam as experiências de vida de sujeitos históricos marginalizados pelo poder e que resistiram à instituição escravista. Também faz parte desta coletânea, reflexões acerca da historiografia alagoana sobre o tema e o local da população afrodescendente nessas narrativas. Esta produção vem, desde o século XIX, privilegiando uma história de homens brancos, escravocratas e católicos.
               Nas primeiras décadas do século XX, os estudos sobre o negro na historiografia alagoana se concentraram no folclore e na negação de suas resistências durante a escravidão. Em 1934, durante o 1º Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Recife, Alfredo Brandão, ao apresentar sua pesquisa intitulada Os Negros na História de Alagoas, expôs que estes eram “conformados com a sorte” e, apesar de serem obcecados com a ideia de liberdade: “nos tempos posteriores ao quilombo (Palmares) a obsessão não o levava a revoltas e a reações a mão armada” (BRANDÃO, 1988, p. 45). Nesta concepção, nega-se todo um histórico de lutas e resistências protagonizados por povos da Diáspora africana e seus descentes na região, algo que se tornou bastante característico entre os pesquisadores da temática em Alagoas. Alfredo Brandão desenvolveu seus estudos influenciado pelo pensamento de Gilberto Freyre, assim como Manuel Diégues Junior, que pertencia ao grupo de pesquisadores liderados pelo sociólogo pernambucano na década de 1930, na cidade do Recife. A obra de destaque do autor é O Banguê das Alagoas (1949), onde analisa a vida social alagoana tendo como eixo norteador o sistema açucareiro, uma escrita que mescla factualismo com folclorismo.
Abelardo Duarte, outro pesquisador alagoano que se debruçou nas chamadas “culturas negras”, se concentrou em documentar a presença africana em Alagoas, publicando livros de referência, como: Episódios do contrabando de africanos nas Alagoas (1966), Os negros muçulmanos nas Alagoas: os Malês (1958) e o Folclore negro das Alagoas (1974). O autor integrava um grupo de folcloristas conhecido como Escola de Maceió, que se caracterizou pela retomada do modelo culturalista de Arthur Ramos, alinhavada à Escola Nina Rodrigues. Felix Lima Junior também foi dessa geração e escreveu o livro A escravidão em Alagoas (1975), o qual nos oferece informações sobre os costumes da sociedade alagoana e os processos de alforrias ao longo do século XIX.
               Nos anos de 1960, o renomado historiador alagoano, Moacir Medeiros de Sant’Ana começou a publicar suas pesquisas, onde muitas delas, trataram diretamente da temática da escravidão. Este autor foi diretor do Arquivo Público de Alagoas durante décadas, conhecendo como poucos o acervo da instituição. Desta maneira, seus trabalhos possuem um denso arcabouço documental. Em Uma Associação Centenária (1966), uma obra feita por encomenda para celebrar o centenário da Associação Comercial de Maceió, o autor fez uma breve análise histórica da capital alagoana em 1866, descrevendo ruas e bairros. Também expôs alguns aspectos da escravidão, sobremaneira acerca das fugas e anúncios em periódicos locais e leilões de escravizados. Ao fazer uma história econômica da produção do açúcar na região alagoana, Sant’Ana em seu Contribuição à História do Açúcar em Alagoas (1970) dedicou algumas páginas aos trabalhadores escravizados, trazendo dados estatísticos importantes. No final dos anos 1980, em virtude do centenário da abolição da escravatura no Brasil, publicou três livros sobre a temática. O primeiro deles: A Queima de Documentos da Escravidão (1988) tratou da portaria de Rui Barbosa de 14 de dezembro de 1890 para queimar todos os papéis, livros e documentos do Ministério da Fazendo acerca do “elemento servil”. Em 1989, Sant’Ana lançou um levantamento bibliográfico sobre escravidão em Bibliografia Sobre o Negro. No mesmo ano, publicou o Mitos da Escravidão (1989), onde questionou as ideias do senhor bondoso e do negro submisso e intelectualmente inferior.
               Um dos principais problemas enfrentados pelos historiadores que decidem dedicar seu trabalho a pesquisar escravidão em Alagoas diz respeito ao acesso e às condições dos arquivos existentes no Estado. Fontes existem, bem como uma sólida legislação que prevê sua preservação por parte dos órgãos competentes e garante o acesso à comunidade científica e ao público geral. No entanto, quando se trata de instituições que detêm acervos relacionados ao período de vigência da escravidão no Brasil, apenas o Arquivo Público de Alagoas, que vem se modernizando e aperfeiçoando na gestão de seu valioso acervo, e o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, histórica instituição de coleção e guarda de documentos e lócus de pesquisa de gerações, cumprem adequadamente o papel de proteger e fomentar o patrimônio histórico e cultural representados pelas fontes documentais. Muitos outros acervos serão citados ao longo desta coletânea, mas nenhum deles possui uma política arquivística adequada de preservação e guarda dos documentos, sendo que o acesso aos mesmos precisa sempre contar com uma boa dose de paciência, negociação e até mesmo encaminhamento de processos administrativos demorados, que nem sempre correspondem aos cronogramas exigidos pelas agências de fomento. Espera-se que a divulgação das pesquisas atuais possa sensibilizar um maior número de gestores públicos para a importância de preservação e organização de seus acervos institucionais, viabilizando cada vez mais a ampliação da pesquisa histórica em Alagoas e a valorização do profissional de história no Estado.



Escravidão e Possibilidades de Alforrias no Período Colonial: Capitania de Pernambuco – Comarca das Alagoas

Gian Carlo de Melo Silva


A presença dos primeiros africanos em território Pernambucano data do século XVI. Em tese só foram desembarcados a partir do alvará de D. João III de 1549 autoriza a entrada de cativos vindos da Guiné e São Tomé, limitados a 120 peças para cada engenho montado e com capacidade de produção (SILVA, 1988, p. 107). Antes disso, Duarte Coelho já tentava conseguir o contrato para importação de africanos, algo que não foi concedido pela coroa, porém não é possível saber a quantidade que foi desembarcada antes de 1549. 
Tal período coincide com as informações fornecidas por Diégues Júnior que afirma ser da segunda metade do XVI a introdução do homem negro em Alagoas (2012a, p. 164). Se a lei de D. João III foi realizada à risca, os primeiros africanos chegaram aqui para os engenhos fundados por Cristóvão Lins, seus descendentes e os “colaboradores da obra de colonização”, como foi Rodrigo de Barros Pimentel, que construiu engenhos de açúcar. A expansão dos canaviais se estendeu desde a parte norte de Alagoas e [...] continuou estendendo-se; ocupou a zona das lagoas, marginando os rios Mundaú e Paraíba; atingiu São Miguel. Ao iniciar-se o século XVII, o litoral alagoano estava colonizado; os bueiros de engenhos se espalhavam pelos vales dos rios Manguaba, Camaragibe, Santo Antônio Grande, Paraíba, Mundaú, São Miguel e também pelas duas lagoas: a do Norte, ou Mundaú, e a do Sul, ou Manguaba [...] (DIÉGUES JÚNIOR, 2012b, p.34-35).
Essa expansão da cana em Alagoas necessitava do trabalho do homem e da mulher negra. Como lembra Alfredo Brandão “o primeiro negro apareceu em Alagoas quase com o primeiro branco” (1988, p.19).  Foram os negros um dos atores primordiais para o processo de colonização, sem o seu suor e esforço físico, a cana, o engenho, a moenda, a sociedade não teria se desenvolvido. Como lembra Freyre, algumas das ocupações dos negros no Brasil colonial foram músicos, sangradores, dentistas, barbeiros e “não apenas negros da enxada ou de cozinha” (FREYRE, 2006, pp.499-553). Os africanos e seus descendentes são parte fundamental, um alicerce da sociedade que se formou no Brasil de outrora.
Com o passar dos anos e a presença cada vez maior de escravos surgem às primeiras libertações, que vão dar origem a um elemento novo, com uma condição diferenciada entre os negros, são os homens e mulheres forros. O registro mais antigo de alforrias na Capitania de Pernambuco que temos conhecimento é o da “negra Anna”, que ocorreu no ano de 1656. O seu senhor Pero Barrozo disse em testamento que deixava “Anna forra, livre, e isenta, por ser velha, e me ter feito muito serviço, com muito cuidado de minha fazenda”. 
O ato de alforriar algum escravo, talvez viesse preencher a vontade descrita por Azurara na epígrafe deste artigo, porém tinha um significado que mudava a ordenação social, cirando uma geração de novos homens e mulheres que viviam em uma condição jurídica e social diferente. Afinal, eram negros, pardos, crioulos, cabras, angolas, minas e tantas outras designações que passaram a existir nos registros acompanhados do termo forro após o seu nome.
Sobre a situação do forro, ele passou a ter um status diferenciado na sociedade colonial, seja em Alagoas ou no resto do Brasil. Conforme Russel-Wood, os “escravos negros nascidos no Brasil tinham vantagens visíveis , quando libertados, sobre os negros nascidos na África” (2005, p. 86). Essa diferenciação ocorria, por exemplo, por ser mais fácil aos escravos nascidos no Brasil conseguirem alforria do que os que vieram da África. (SILVA, 2014b & LARA, 2007, p. 128).
Ampliando nossas observações vale lembrar que no mundo colonial os forros tinham um papel significativo, seja simbólico para os demais cativos que poderiam ter esperanças de alcançar a liberdade, ou como uma massa que legitimava o poder, como lembra Mathias ao afirmar que “para obter sua legitimação social, a elite necessariamente deveria interagir com todos os segmentos da sociedade” (MATHIAS, 2012, p. 299). Neste processo de interação é que podemos vislumbrar as negociações dentro da escravidão, que favoreceu os cativos e seus descendentes a participarem mais ativamente da formação social do Brasil.
Em sua definição do termo alforria, Sheila Farias (In: VAINFAS, 2001, p. 30) apresenta a existências de três maneiras para o ex-escravo asseverar sua condição de forro na sociedade. São elas: a carta ou o “papel de liberdade” devidamente estruturada com assinatura do senhor ou de alguém por ele outorgado e que poderia ser registrada em cartório; A outra maneira era o registro nos testamentos, em que ocorriam as divisões dos bens e algumas alforrias podiam ser concedidas como reconhecimento da companhia e trabalho exercido pelo cativo. Por fim a pia batismal, local em que no momento do batismo o senhor anunciava que forrava a criança.
Assim, a alforria foi uma prática social corrente no período colonial e era um mecanismo inserido dentro de contextos próprios e que poderia ser concedida,
[...] solenemente ou não, direta ou indiretamente, expressamente, tacitamente ou de maneira presumida, por ato entre vivos ou como última vontade, em ato particular ou na presença de um notário, com ou sem documento escrito [...] (MATTOSO, 2003, p.177).
Tal prática social foi vivenciada em Alagoas e, nos servem de exemplo, para observarmos como os senhores e, alguns escravos, foram atores do cotidiano vivenciado nas terras ao sul da Capitania de Pernambuco.
Nossas fontes percorrem parte do período colonial nas localidades de Penedo e Santa Maria Magdalena de Alagoas do Sul. Cada localidade nos fornece fontes que apresentam alforrias de homens e mulheres, sejam em cartas de alforrias, testamentos ou registro de batismo.
No início do século XVIII já encontramos uma prática de alforria que ficou conhecida como coartação , nela, o escravo alforriado tinha parte fundamental para alcançar sua nova condição jurídica. A coartação exigia dele um algo mais, que poderia significar alguns anos de trabalho para completar o pecúlio exigido ou ainda, exercer algumas funções até a morte do seu senhor. Só após tal exigência é que ele teria de fato sua carta de liberdade.
Na Vila do Penedo, no ano de 1713 o padre Manoel Pereira usou de tal artificio em seu testamento. Escreveu que deixava o meu mulatinho Francisco filho de Izabel coartado em quarenta mil réis que dando-os será, o valor não seria pago pelo mulatinho, e o cotidiano urbano de Penedo é que iria possibilitar o acumulo de tal quantia através do trabalho de sua mãe Izabel ou outro parente da criança. 
O mesmo padre ainda era possuidor de alguns escravos, e trabalhando dentro das lógicas de gratidão e bons serviços prestados declarou que entre
os escravos que nosso senhor por sua infinita piedade e misericórdia me tem emprestado e conservado até o presente , há Ambrozio Luiz, que foi do Goes o qual na perda do barco que tive, pós bastante cuidado em me aproveitar a fabrica dele, e há bastantes anos me tem ganhado com que me ajudou a viver, e assim o deixo forro, livre, e isento de toda a servidão e cativeiro: e lhe mando viva bem com sua mulher e como verdadeiro cristão. E Declaro que outro escravo que tenho é Miguel Gomes que foi do Hermitão de S. Gonçalo, o qual desde que o comprei me serviu, e servio assistindo-me sempre de noite, e de dia com bastante diligencia, e zelo, e assim o deixo forro, livre, e isento de toda a servidão e cativeiro: e lhe mando que nos primeiros três anos depois do meu falecimento me mande em cada um deles dizer duas missas por mim segundo a disposição da irmandade de Nossa Senhora do Socorro, em que há muitos anos estou assentado por irmão. 
O exercício da piedade cristã ao alforriar dois escravos seguiu um contexto maior e que acompanhava durante alguns anos o cotidiano dos escravos e de seu senhor. O primeiro dos forros foi Ambrozio, que era um escravo casado - obedecendo à lógica de inserção nos preceitos do catolicismo tridentino , estava ao lado do Padre desde a perda de um barco e graças ao fato de ter “ganhado”, num possível trabalho de escravo de ganho nas ruas da Vila de Penedo “ajudou a viver” o seu senhor.
Com sua dedicação cotidiana, Ambrozio conquistou o reconhecimento do Padre Manoel e foi alforriado em seu testamento, mas não sem antes prestar a atenção na ultima ordem de seu senhor que era viver “bem com sua mulher e como verdadeiro cristão”.
Depois foi a vez de Miguel, que tinha nome de anjo, mas era mais um escravo do Padre e tinha certa vivência no mundo religioso, pois seu antigo proprietário era um ermitão de São Gonçalo Garcia, uma das irmandades com maior influência na região (ALVES, 2016). Miguel acompanhou desde a sua compra o seu senhor com bastante “diligencia e zelo” e por isso conquistou sua alforria em testamento.
Os detalhes da vida destes dois escravos podem ser compreendidos ao analisarmos o discurso do seu senhor no momento em que os deixava forros. Vemos que uma vida de dedicação e obediência ao seu dono era algo primordial e bastante valorizado, talvez, observando isso tais escravos conquistaram inserção através da fé católica, seguindo suas regras, diferenciando-se dos demais e agradando ao Padre Manoel. Por fim, e aqui mais um momento de realização de ordem, os alforriados ficavam encarregados de “nos primeiros três anos depois do meu falecimento me mande em cada um deles dizer duas missas”. Nada mais “justo” para demonstrar a gratidão que esses homens tinham com seu antigo senhor.
Já em Santa Maria Magdalena de Alagoas do Sul encontramos a alforria de Maria, que foi libertada pela sua senhora Maria Joaquina no ano de 1788. Um ato que ficou registrado em cartório, como deveria ser feito em todos os casos para garantir a segurança do ex-escravo. Consta na carta de alforria que
Eu Maria Joaquina, que entre os mais bens que possuo de herança e pacífica posse, e bem assim huma mulatinha de peito por nome Maria, a qual a forro, e como com efeito forrado a tenho de hoje para todo o sempre, para que se utilize de sua liberdade de hoje em diante, como se fora de nascimento, cuja alforria me obriga a fazer boa, firme e valiosa, a custa da minha fazenda, pois a faço de minha livre vontade e sem constrangimento algum [...]. 
Como é possível ver, a mulatinha não foi alforriada na pia batismal, sua senhora concedeu a liberdade posteriormente e fez questão de ratificar que sua vontade estava sendo realizada de forma “espontânea” por sua “livre vontade”. Ressaltam os termos usados por Maria Joaquina para com Maria, o desejo de “que se utilize de sua liberdade de hoje em diante, como se fora de nascimento”, podem significar uma relação que extrapolou os limites entre senhora e escrava. Fazia, no momento da morte, o reconhecimento de que a mulatinha tinha o direito de ser liberta e viver sua liberdade como se fosse desde o nascimento.
Outras possibilidades de alforria ocorreram na pia batismal, em Santa Maria Magdalena de Alagoas do Sul encontramos dois exemplos de crianças com poucos dias de nascimento que tiveram sua liberdade registrada. A existência de registros dessa natureza,
as fontes eclesiásticas podem nos ser extremamente úteis, pois a sociedade construída na conquista americana foi montada em meio à chamada Contra-reforma Romana, o que significa afirmar que aquelas gentes, da nobreza da terra aos escravos da Guiné, produziram registros dando conta a Deus de seus compromissos e atos” (FRAGOSO, 2014, p. 27).
Para dar conta a Deus de seus atos, temos o primeiro exemplo de batismo com alforria que ocorreu no domingo, dia 14 de outubro de 1810, quando na Igreja Matriz Joaquim de Oliveira Barros “pôs os santos óleos” em Marcos, que era filho de Manoel e Joaquina, todos eram escravos de Maria Francisca e moradores da freguesia. Os padrinhos eram Jozé Barboza e Antonia Maria, ambos solteiros e juntamente com os demais disseram que o “dito batizado o havia por forro de hoje por diante”. 
Já no ano de 1811 foi à vez de Januária conseguir ser alforriada. Na quarta-feira, dia 31 de julho do referido ano ela esteve presente com sua mãe Maria, o seu senhor Joaquim de Santa Anna, seus padrinhos Jozé Ignacio e Francisca Rodrigues na Igreja Matriz. Lá o padre José Ignacio do Rego a batizou, inserindo-a no mundo cristão, e logo após o senhor Joaquim “disse que a dava por forra liberta de hoje para sempre” tirando o cativeiro do destino da pequena Januária. 
Ser alforriado no momento do batismo, como ocorreu com Marcos e Januária, tem um significado maior para os seus pais, pois é o fruto do esforço deles que será recompensado com a alforria do rebento. A próxima geração familiar não teria mais o cativeiro como morada. Alcançavam através do filho forro, algo que talvez não fossem concretizar tão rapidamente. Além disso, os pais e os filhos ampliavam os laços existentes na sociedade, os padrinhos agora eram parte da família e tinham a obrigação de proteger e zelar pelos seus afilhados. Eles eram uma extensão da base familiar (SILVA, 2014b).

Considerações Finais





A observância das práticas de alforria na Alagoas do século XVIII mostra um pouco da vivência cotidiana de homens e mulheres que conseguiram mudar sua condição ou a de seus filhos. Estavam sendo inseridos numa nova perspectiva social, saindo da escravidão para uma liberdade, conquistada muitas vezes a partir da dissimulação.
Os casos aqui apresentados são apenas possibilidades para entendermos o desenrolar de um processo que começou no século XVI em Alagoas e que perdurou até finais dos Oitocentos. Marcando a construção de uma sociedade patriarcal, com o lastro na grande lavoura canavieira e na exploração da mão de obra escrava. Mão essa que não existiu voltada só para o trabalho pesado, viveu e contribuiu para formação social, para cultura, para economia e que hodiernamente precisa ser cada vez mais valorizada em sua existência e sua história.

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