Afro-Brazialian religion: history, memory and emotions
Religione afro-brasiliana: storia, memoria, emozioni
Religion afro-brésilienne: histoire, mémoire, émotions
Religión afrobrasileña: historia, memoria, emociones
Painter
Afro, Historia, Cultos, Artes, Memória, Pintor Zumba
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Mestrando em Culturas Populares
na UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE- UFS Especialista em Arte, Educação e
Sociedade no CESMAC. 2014/2015. Graduado em Ciências Sociais- antropologia pela
Universidade Federal de Alagoas UFAL 2013. Cenotécnico da Escola Técnica de
Artes ETA / UFAL Área de pesquisa :Antropologia,Culturas Populares,
Identidade,Educação, Preconceito Racial. Área de atuação :
Cenografias,Ambientação cênica,Pintura artística,Direção de artes,
Esculturas,movimento sociais. Coordenador Geral do Sindicato dos Trabalhadores
Técnicos da Universidade Federal de Alagoas- SINTUFAL- gestão 2013/2015. Membro
da Câmara Acadêmica da Universidade Federal de Alagoas- UFAL (2013/2015).
Membro do Conselho Universitário da Universidade Federal de Alagoas-CONSUNI (
2013/2015). Membro do Projeto de Extensão da UFAL: Fórum Mestre Zumba:
Pensamento em Artes Afro Ameríndias desde 2013. Suplente do Conselho Estadual
de Promoção da Igualdade Racial de Alagoas 2013-2015. Membro do Conselho
Universitário da Universidade Federal de Alagoas-CONSUNI ( 2016/2018). Membro
da Câmara Adâmica da Universidade Federal de Alagoas-CONSUNI ( 2016/ 2018).
Diretor da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores técnico-administrativo em
Instituição de Ensino Superior Publicas do Brasil- FASUBRA gestão 2012/2014.
História, memória e emoção
Luiz Sávio de Almeida
Não gosto de dar entrevista; ela é sempre traidora e , até mesmo, o
entrevistado se obriga a falar dentro do recorte realizado pelo entrevistador, bastando isto para surgir uma série de
problemas. Então, quando me pedem algo, por exemplo, ds parte da imprensa, eu digo para me mandarem as perguntas e com
calma tento responde-las, at´pe mesmo para colaborar com o próprio jornalista.
Gravar entrevista, é muito raro. E entrevista longa, mais raro ainda, pois
quanto mais tempo você fala, mais besteira você sai dizendo: é melhor ser burro
no mais curto espaço de tempo. No entanto,
quando é um trabalho acadêmico, eu sempre falo livremente.
Foi surpresa quando fui procurado pelo Jeamerson para
falar sobre uma tela do Zumba: a da Tia
Marcelina. Eu jamais pensei, quando fazia e faço as coisas, que aquilo tem
alguma importância: eu vou mais pelo impulso– e preparado para aguentar as
consequências –, do que estudado. Tenho me dado mal e tenho me dado bem, da
mesma forma que aconteceria se eu andasse com uma fita métrica, a tomar medida
sobre minhas falas. Eu não sei se já
havia dito, que a famosa pintura do Zumba havia passado por mim. Os cuidados do
de pesquisador do Jeamerson, havia dito
a ele para ver as raízes da foto.
E, sem dúvida, eu podia narrar muita coisa do que havia acontecido,
por ela ter emergido quando eu estava imerso no povo da macumba – adoro esta
expressão –, procurando, dentre outras coisas, se eu teria condições de propor
um projeto de pós-graduação sobre ele. Foi quando conheci pessoas maravilhosas
e que se atrelaram á minha vida: antes como amizade e hoje como saudade.
Navegar no passado foi aprazível e ao mesmo tempo saudoso. Julguei
que era necessário passar pelo sentimento, dar a entrevista e situar a
participação de muitas pessoas, mormente a de Celestino, Joca e Luiz Marinho;
nisto incluo o próprio Belarmino, no
caso da imagem pintada de Tia Marcelina, o Zumba. Celestino, Joca e Luiz
Marinho são fundamentos da obra do Zumba.
Tia Marcelina bem, poderia ser aquela senhora com o balaio na
cabeça, parada na calçada e em frente a uma casa pobre, nem sei mesmo se de
Maceió. Importa que ela foi reconhecida assim e daquela exata maneira se impôs
e resgata a memória de uma história que jamais poderia ter sido letrada. Esta é
a beleza de Tia Marcelina: ser única e tantas ao mesmo tempo e, deste modo,
responde simbolicamente pela história do próprio povo: o povo da macumba.
Vou contar uma história que não disse na entrevista. Uma vez, a
janela estava aberta e da calçada dava para ver o quadro da Tia Marcelina. Um
homem ia passando e aí parou; olhou para mim e perguntou: É esta mulher que
parava o trem? Eu ia dizer que não? Ele sorriu, e saiu alegremente. Tia Marcelina integra, alegra e representa.
REGISTRAR,
CELEBRAR E AGRADECER : O cotidiano negro em Maceió.
Prof. Sávio:
Eu só queria que o Celestino, que o Joca e o Luís Marinho tivessem ouvindo essa
conversa. Eu acho que deve ‘tá’ por aqui. [Jeamerson - Deve ‘tá’ por aqui sim.]
É
com esse trecho da entrevista que realizei
com professor Sávio para minha
pesquisa do Mestrado em Culturas
Populares, que compartilho com a mesma
disposição e gentileza com a qual foi concedida, suas memórias e
historias que são de importância para
quem quer estudar, conhecer e celebrar a
presença negra pelo olhar da força e da resistência.
Em
minhas pesquisas sobre o artista plástico José Zumba, vou encontrando novos
caminhos que nos leva para o reconhecimento e registro de grandes momentos da
historia dos negros alagoanos, e um desses caminhos nos leva para aqueles
encontros de encruzilhadas: foi
assim a entrevista com o professor e pesquisador Savio de Almeida, relatos de
uma vivencia compartilhada, de
experiência de enfrentamentos, e de
risos sobre a Salva de Exu.
Um
momento de pesquisa mágico, ouvindo mais que perguntando, chegamos onde a
memoria vai a realidade resultante das ações do passado,
ao iniciar nosso encontro com a curiosidade de como chegou ate ao artista plástico José Zumba, a ideia de pintar o
quadro Tia Marcelina e encontramos bem mais do que buscávamos: encontramos os
“anônimos”, que são os homens negros religiosos organizados e
corajosos.
Registrar
parte da historia contemporânea das
lutas travadas em Maceió, por liberdade
religiosa e perceber essa dinâmica pela perspectiva negra é muito
significante, o espaço para os homens
negros e sua cultura e
religião eram absolutamente
perseguidos marginalizados,
invisibilizados; compreender a força do
enfrentamento de tudo isso é o posso afirma como fundamental.
Por
isso a importância da entrevista
do professor Sávio, parte dessa
possibilidade de cruzar nosso caminhar com outros que como lamenta o professor não estão aqui para ver o resultado de
suas lutas, uma Maceió negra que
não se cala mais, que sai as ruas não
pra celebrar o Quebra, mas para
exaltar a resistência de Tia Marcelina,
sai as rua pra afirmar que não somos o que sobrou do Quebra, somos o que
resistiu ao Quebra e resiste ate hoje
pela vida da juventude negra e
liberdade religiosa.
Espero
que o leitor, possa sentir o mesmo, que senti ao ler essas memórias registrada
nessa entrevista, emoção de ter a oportunidade de agradecer e reconhecer a contribuição do professor Sávio, Celestino,
Joca e Luiz Marinho. E em nome deles
agradecer a todos os que
lutaram e continuam lutando.
O povo da macumba e Tia Marcelina: uma entrevista a Jeamerson Santos (I)
Uma proibição policial
É
preciso retomar um pouco o clima, para chegarmos à Tia Marcelina. Houve uma
época, aqui em Alagoas, que a Polícia vigiou os ensaios de folguedo, como, por
exemplo, o Guerreiro e isto sob o argumento de ser motivo de cachaçada, confusão
e de violência... Então eles passaram
por período de pressão policial muito grande. Aí houve um acordo – eu acho que
costurado pelo Théo Brandão: se o Departamento de Cultura liberasse o local para
ensaios, a Polícia não chegaria perto.
Conversando comigo ele disse: - Se eu não fizesse isso, ia ser um problema
muito sério!
Passou
muito tempo desta forma. Eu tinha muita ligação com a Federação dos Cultos
Afro-brasileiros, por conta de amizade com um cidadão chamado Celestino, que
vivia na Igreja de São Sebastião... Vivia ali na Igreja. E era contínuo da Secretaria
de Educação. A gente fez amizade pessoal. E ele era Ijexá. Eu acho que era o
único que existia em Alagoas; era no Jacintinho
daquela época, radicalmente diferente do que vemos hoje. Eu procuro por ele e
não consigo saber onde ficava. Eu acho que é a hora dos cultos começarem a
reclamar a colocação dos Terreiros no patrimônio histórico. Falta pressão em
cima disso.
O caminho
do Traçado
Pelo
Celestino, fiz amizade com o pessoal da Federação dos Cultos Afro-brasileiros; amizade que terminou sendo íntima no sentido
do companheirismo, de viver conversando. E, naquela época, eu motivado pelo Théo
Brandão, que era uma espécie de tutor meu... Bom, Theo e eu e conversávamos praticamente todos os dias, umas duas horas por aí assim... E
tínhamos ligações pessoais. E o Théo me
levou a começar ter interesse em estudar isso. Naquele tempo eu andava pensando
em estudar antropologia. E eu comecei a me aproximar dos Terreiros especialmente
andando com mais três pessoas: uma delas era o Luiz Marinho, Pai de Santo, era Nagô
Traçado, como chamavam. Não sei como é que chamam hoje: Nagô Traçado. Bom, eu acharia interessante que se fizesse um
trabalho sobre o léxico dos Terreiros, as mudanças... Eu acho que seria
interessantíssimo; mas chamavam Traçado.
E eram
ali, a Federação e o Terreiro do Luiz Marinho, lá no lado da Ponta Grossa, que
era um centro de concentração dos Terreiros. Existe um livro, que foi publicado
nessa época, e que tem um título fantástico. Chama-se: Os Tambores na Ponta Grossa. Luís Marinho, profissionalmente era pedreiro e tinha uma lojinha de vender calçados, uma
barraquinha na área do mercado, ali nos lados da feira do Passarinho, perto da
banca do Arthur que era meu fornecedor de folheto de feira.
Sobre
esse Luís Marinho, eu publico talvez o primeiro trabalho que aparece na
imprensa de Alagoas, absolutamente simpático aos cultos. Eram duas páginas
inteiras no jornal, parece-me que O
Correio de Maceió, coisa assim. Ele fala do Terreiro sem qualquer acusação. Eu encontrei o artigo no site da FUNARTE. E aí eu fiz amizade com
Luís Marinho, que começou a achar que era meu Pai de Santo e eu não ia dizer
que não, ‘né’? E fui privando da amizade deles e com isso eu fui tendo uma
grande intimidade com os cultos aqui em Alagoas, principalmente Maceió. Mas eu
não me considerava capaz de fazer uma pesquisa sobre isso. Eu achava que era
uma complexidade muito grande, e que eu não tinha formação. E foi por isso que
eu desisti; foi mais por covardia intelectual do que por qualquer outra coisa. Eu teria de sair daqui para estudar, me
preparar e não podia por razões de família. O resultado é que não me senti
preparado, mas eu me sentia tão bem que não largava. Para
objeto
de estudo não dava, eu sabia que não dava, mas andar com eles, dava.
As amizades
Então,
eu terminei tendo amizade com eles e com muitas Casas de Terreiro de Xangô,
aqui em
Maceió. Eu acho
que eu devo ter conhecido muitas e muitas e muitas Casas aqui. Eu não perdia saída de Iaô. Acontecia
uma, eu ‘tava’ lá, com esse pessoal. Era o Luís Marinho, era o Celestino. Esses
dois eram dirigentes da Federação dos Cultos Afro-brasileiros, uma entidade que merece um belo estudo, até
por conta das negociações que se faziam com o sistema. Apois
bem. E eu gostava, inclusive esteticamente, e ainda hoje de uma beleza
fantástica e isto quer seja de Terreiro rico, quer em pobre. Eu acho que os
pobres, às vezes, têm muito mais beleza. Faz tempo que eu não vou. O último foi
na Mãe Vera a quem adoro.
Apois, ficamos o Luís Marinho, eu, o
Celestino, e aí havia uma pessoa que eu acredito que estava interessada em
fazer política lá dentro, mas que terminou se ligando na gente. Chamava-se
Coronel Belarmino. Morreu faz um tempão. Era uma pessoa muito boa, mas eu acho
que ele era muito ligado a um Coronel do Exército que queria ser Deputado. Mas
ele nunca, junto com a gente, conseguiu fazer a política partidária, porque a
gente não deixava. Ele andava mais com a
gente como amigo. Ele era muito agradável. E era daqueles coronéis antigos, da Polícia
antiga, velha, que tinha muita história ‘pra’ contar.
Então,
eu gostava muito dele. Mas ele tinha essa tentativa de fazer um movimento
político de candidatura lá desse Coronel, que depois mataram: acho que Adauto. O
da polícia que andava com a gente era o Belarmino que o Bráulio brincava
comigo, chamando de Coronel da Macumba, mas só quem falava isto era o Bráulio e
eu. Nunca se usou esta expressão. Falo do Bráulio Leite Júnior. E aí, fiz
também amizade com um camarada chamado Joca. Joca morava lá na Ponta Grossa e
trabalhava pelas canhotas, como a
gente chamava. Não sei como é que chama hoje: pelas canhotas, pela esquerda...
sangue... Era o que chamavam. Ou seja, tinha umas certas ligações e não
seria muito interessante fazer brincadeira com ele. E ficamos amigos. Isso é
importante eu dizer, porque são essas quatro pessoas, comigo cinco, que fazem,
em grande parte, aparecer a história da
Tia Marcelina em alto curso da memória da Seita – como também chamavam.
A Salva de Exu
Então
a Polícia continuava botando pressão em cima dos cultos, especialmente por
conta de um negócio que eu não sei se existe hoje ainda, chamada a Salva de
Exu. A Salva de Exu, já ‘tá’ dito, ‘né’.
Eu já fui ‘pra’ Salva de Exu e era barra pesada, porque a cachaça rolava mesmo.
Então a Polícia, especialmente a partir daí, e o pessoal a reclamar do barulho,
dava no que dava, Maceió já não tinha
mais espaço ‘pra’ você ter os Centros isolados. Os Centros já estavam, por mais
pobres que fossem, em contexto de relação urbana. Você não tinha condições de
ter um Terreiro afastado. O Terreiro ‘tava’ geminado ali com a pobreza que inclusive
ia aumentando por conta da migração que
vinha ‘pra’ Maceió.
É
entre 60 e 70, onde você começa a ter a violência da chegada da marcha migrante
‘pra’ Maceió. E é onde você vai começar a ver crescer as ruas pobres da cidade, mas numa
expansão alta! As grotas e tudo vão nascer um pouco depois daí. Mas na hora que
essa pobreza chega, ela chega num lugar onde poderia ter sido considerado
afastado, mas agora mais não. O Centro ‘tava’ ali, parede com parede. Se bem que esses cultos, só eram relizados uma
vez na semana, duas... Assim era a vida do culto, da época que conheci. Era
muito ‘pra’ dentro do culto e muito pouco ‘pra’ fora, porque ele não podia ‘tá’
saindo ainda. Então era uma espécie de contido, revertido para si mesmo.
Nunca
deixou de existir perseguição; ela não acabou com o Quebra; e o que vem depois
precisa ser estudado. Eu até escrevi isso em alguma coisa. Na década de 30, por
exemplo, a perseguição foi grande! Eu tenho um livro raríssimo! Não sei nem
como eu consegui; foi escrito por jornalista
que passa por Maceió nessa época e acompanha a polícia perseguindo alguns
Terreiros: década de 30.
A
ligação se estreita
Apois,
começa haver essa empatia minha. Agora pronto, eu cheguei no termo que eu
queria. Essa grande empatia que ainda hoje eu tenho manifesta, com relação aos
cultos, mas eu já tinha visto que eu não podia estudar. Era preciso que eu
fizesse uma remontagem da minha formação, porque ela era em Direito, e o Théo,
acho que sentindo em mim alguma espécie assim de não sei se talento ou da possibilidade de
interesse por essa área cultural, me fustigava e aí me disse: ‘Vá estudar os
Terreiros! Estudar os Terreiros... Depois que Arthur Ramos ninguém vê isso”. Então eu por brincadeira respondi: “ E por
que é que o você não estuda?”
A
temática negra não penetrava na inteligência de Alagoas da época. Então, você
veja que isso que eu ‘tô’ lhe dizendo dá um pouco da magnitude do problema
geral do negro desse momento que nós vivíamos. Você transformar o negro, objeto
de plena perseguição, num sujeito que tinha história e num sujeito que tinha a
sua cultura e não era a excrescência que se dizia... Isso era um afrontamento
‘pra’ muita coisa. Era preciso ter peito.
Eu
nunca pensei, naquela época, que era importante
o que a gente fazia. Eu ‘tô’ vendo os
caras que ‘tavam’ comigo e vendo a importância deles e não a minha, agora que
voce me faz olhar a importância do que vivemos. Aí você tinha uma temática
negra perseguida em sincronia com a perseguição que viviam. Ela não aflorava. Ela
no máximo chegava ao Abelardo Duarte, mas ligada à ideia de folclore. O
Abelardo Duarte tem uma grande importância, não é porque ele rompa, mas ele tem
coragem de ser diferente.
Ele
não tinha uma antropologia capaz de romper com o que, tradicionalmente, se
montava com relação ao conhecimento da cultura de Alagoas. Havia uma cabeça
ibérica, de formação ibérica. A África quando chegava aos estudos, não chegava
visível, porque o negro não era visível. Não era que houvesse maldade, era como
se a cortina que existisse, fosse de tal forma fechada na vida política e
social normal, que ela impedia o campo acadêmico de existir.
Um
rompimento
E
veja os rompimentos. De uma hora ‘pra’ outra, você vai ter uma estrutura
intelectual se vinculando aos cultos e você ‘tá’ num momento em que era eles
eram negados pela polícia. Macumba não era tema. Macumba era negócio de macumbeiro! E não
seria apenas por ser de negro. Eu acho que era também pelos interditos
religiosos, alicerçados pela Igreja Católica e pelo kardecismo, que considerava
isso coisa de segunda linha, de terceira linha, negócio assim da periferia: espírito
vindo a frequentar os Terreiros, não
poderia ser boa bisca.
Aí o
que é que acontece? Eu passo a frequentar isso e a ter interesse. Alguma coisa eu teria condições de fazer do
ponto de vista intelectual: era estudar a distribuição geográfica dos
Terreiros. Quem faz o primeiro estudo deles aqui neste sentido, somos nós. A
verificar a distribuição geográfica dos Terreiros em Alagoas... Agora, imagine
a importância desse troço lá naquele tempo. Hoje tudo é graça.
E como
é importante registrar, porque se você não registrar ‘tá’ perdido... E é por isso que eu ‘tô’ lhe
dando esse depoimento. Eu não me dei conta, nunca me dei conta de que vivia um
momento importante... Só depois, é que comecei a perceber: quando me falaram. Começamos a trabalhar com
os fichários da Federação. Eu lhe disse que eu perdi esse material todo, já,
‘né’? Ficaram poucas coisas. A complexidade, por exemplo, desse negócio de ser
Nagô, de ser Jeje, na minha cabeça, eu não tinha condição, eu não tinha
formação, eu não sabia o que era isso e demoraria para saber se fosse me meter.
Um
lugar a trabalhar
Mas
saber onde ‘tava’ o ‘lugar’, eu sabia. E comecei a mapear uma série de elementos
e a descobrir um troço que ‘pra’ mim foi muito importante, tendo descoberto
isto com o Théo Brandão. O Théo me disse uma vez o seguinte: “Olha, Sávio, o
segredo ‘pra’ você matar o que é que é o Terreiro em Alagoas, em Maceió, é entender o que é que é isso que
é chamado de Traçado”. Aí minha cabeça ficou
todo o tempo pensando o que seria esse Traçado. Traçado, sentindo que ele tinha
história; apenas sentindo.
Fui fazendo pequenas coisas que eu podia fazer
sem me assustar com a responsabilidade: sobre a nomenclatura dos Terreiros etc.
e tal. Tudo isso perdeu-se! Nomenclatura dos Terreiros, eu comecei a anotar
isso. Bom, e decidi tomar uma atitude
que eu achei que era séria: ‘desfolclorizar’ esse negócio e ter coragem de ir
‘pra’ imprensa defender. E jamais ‘folclorizando’, porque meu medo era esse.
Meu medo era que ‘folclorizasse’ a questão e deixasse de estar com o negro.
Então
fica essa vida de ida e vinda... De tal forma que eu achava que eu já era
macumbeiro também. Era macumbeiro. E onde tinha... Saía ‘pras’ festas etc. e
tal, vivia na Federação... Eu gostava deles. Eu nunca frequentei o lado do
Maciel. Isso eu nunca frequentei não. Mas engraçado, eu acho que eu tenho tudo
que saiu na imprensa, sobre quando Maciel quis ser o rei do Candomblé. Eu acho que eu tenho tudo guardado, mas onde
‘tá’, não sei. Dá outro grande trabalho,
mas isto foi bem depois: merece também um estudo: a nobilitação do Pai de Santo.
O
povo da macumba e Tia Marcelina: uma entrevista a Jeamerson Santos (II)Quadro de Zumba |
Aí um
dia, eu ficava assim pensando onde é que estava a história disso tudo: onde
estava registrada. Eu não tinha ainda a formação suficiente ‘pra’ poder
entender a questão de memória, ‘pra’ entender a questão de identidade. Digamos
assim: eu teria muito mais uma base filosófica do que prontamente uma discussão
de uma temática antropológica ou histórica.
. E vai essa integração todinha e é
sempre esse sentido
que não existia a história registrada e teria de estar na memória. Por isso é
que eu volto muito depois ‘pra’ poder tentar trabalhar essa história, mas eu
nunca escrevi; é material mais recente, embora com uns 20 anos e isto já faz
diferença. Eu tenho todo o material, mas nunca escrevi.. São horas de entrevista
sobre a história de cada Centro que visitei.
O que
me impressionava era no que divergiam, no que os Centros eram diferentes. É
muito fácil você ver o que é igual e é muito difícil você perceber porque que o
diferente é construído em detalhes. Eu tenho todas essas gravações feitas e
estão no IPHAN, pois dei ‘pra’ eles talvez o mais importante acervo de registro
oral sobre os Centros que deve ter sido feito pelos 80 ou noventa.
Importantíssimo.
Nós
fomos a muitos Terreiros, inclusive no interior e isto é essencialmente
importante no acervo. Essas gravações, que eu acho que devem ser recuperadas,
trabalhadas, estão no IPHAN, em disco e em fita. Isto dá uma bela tese, um belo
livro. Embora que ela se perder é um troço muito triste. O Clébio andou nesses
Terreiros comigo nessa segunda etapa. Há muito tempo depois. Isso aí vai ser,
acho, na década de 80, por aí assim. É um
tesouro: dá dissertação, tese, livro. Talvez valesse a pena, alguém apresentar
um, projeto para transcrição das fitas. Está também no IPHAN um importantíssimo
acervo sobre a história indígena, um
raro acervo de falas indígenas.
E
vamos para o Zumba
O Zumba
é um exótico negro ‘pra’ burguesia. O Zumba era um artista que tinha que ser
camelô de si mesmo, mas era reconhecido pelo povo da Macumba. E foi esse
pessoal da Macumba que fez minha aproximação com ele. Eu não tive essa
convivência de intimidade. A minha relação com o Zumba, acontece em torno da Tia Marcelina. Então
veja: eu sempre comecei a achar que faltava a... Hoje em dia eu falo em memória
registrada. Foi quando eu tomo conhecimento do Quebra. E aquilo ficou na minha cabeça
Você
‘tá’ vendo como o Théo foi importante na minha vida, ‘né’?. A minha cabeça não chegava lá, mas pressentia
essa questão da história. Como é que foi a história desse povo e como é que é
possível escrevê-la? Mas como eu digo: eu me julgava incapaz de mexer. Se eu
fosse mexer, eu não iria pelo viés antropológico. Eu ia pela recuperação dessa
história. Você pode ver que quase todos
os trabalhos que passam pelo Quebra,
tratam muito mais da estrutura branca do que da referente ao negro. E a
documentação que pegam é só branca, porque não tem negra! A documentação negra
é auricular, no ouvido, a comunicação era essa.
Então
você tinha um marco que depois virou ficção, no sentido de que extrapolou a condição.
O Quebra aparece muito por conta da
política branca. É extremamente difícil ter plantada uma ótica negra, porque
você teria que ”imaginá-la”. Em grande parte do que se fala sobre o Quebra é estruturado de três, quatro ou
cinco reportagens vagabundas do Jornal de
Alagoas. E, quando na verdade, o que está por trás é a grande estrutura de
perseguição, que aflorava religiosamente, à população negra. Você veja que se
você for tratar bem a questão... Estava em jogo a destruição do negro com sua cultura
na condição urbana. Não, é porque diziam
que o governador era lebá... Nem um lado
e nem o outro estaria com o negro.
Ele
era chamado de Léba, porque você estava com a contradição do negro aflorando
ali e não pelo fato de Euclides Malta ser macumbeiro. Agora, por que é que um
negro representava esse perigo? Por que era negro? Por que era pobre? Ou ser
pobre era ser negro? Então você tem um problema aí, que é imenso ‘pra’ você se
situar, porque o Quebra nem sequer
foi arranhado ainda, eu acho, sabe. Apesar de magníficos trabalhos. O trabalho do
Rafael ´´ é um belo texto, ‘né’. Outros
trabalhos que têm por aí, são trabalhos interessantíssimos! Mas eles não
conseguem o que era o momento negro embora aflorem muito do que seria este
cotidiano onde o religioso era apenas um detalhe.
Eu
acho que você verá parte do momento negro do Quebra, muito mais pelo que estava consignado nas estruturas de
fora da alta elite da disputa política. Eu acho que é muito mais importante
você estudar, por exemplo, a presença do Quebra...
Vá estudar a Liga dos Republicanos Combatentes, porque ali você começa a
verificar que ela passa por baixo, trabalhando as contradições que existiram no
fundo dessa cultura onde o negro também estava em contradição. Ou seja, o fato
de você ter uma determinada caracterização física não implica. Eu por exemplo,
aprendi com Joel Rufino, um grande amigo meu. Aprendi que a gente se
escolhe, muitas vezes. Se você me perguntar: “ Você sabe se é negro?”. Aí eu digo: Não sei,
mas sou. Sou como?
Quando
estou na plataforma da igualdade, de todos aqueles que querem uma condição
justa, então eu sou negro. Eu escrevo ‘pra’
caramba sobre negro, mas nunca escrevi
me considerando negro, nem com procuração negra, nem negro nunca me pediu que
fizesse. Eu escrevi com a minha mão. Não sei se dá ‘pra’ me entender. [Sim, sim, fala do entrevistador]. Eu escrevi com a minha mão, e ali eu sou
negro, ali. Negro, naquele espaço que a gente criou, que é um espaço da
igualdade, que é um espaço de somar diferenças. Mas eu não tenho um histórico
de vida negra. Eu nunca vivi na periferia, não sei nem que porra é! Apesar de
que você vai ter um espanto do caçamba, agora: meu pai pediu esmola. Mas eu
nunca vivi a esmola de meu pai. Eu já vivi meu pai funcionário do Banco do Brasil.
Era outra coisa.
Quadro do Zumba |
Você
percebeu o que eu quis dizer, né? [Sim,
sim, fala do entrevistador]. Então eu não vivi o momento negro. O momento
da exploração não chegou realmente em mim. Eu aprendia isso em casa. Eu não
aprendi isso na rua. Eu não aprendi em Universidade. Eu aprendi que sou igual com
minha mãe falando, com meu pai falando... Bem por aí... Eu me lembro de uma
vez, meu pai era gerente do Banco do Brasil, em Palmares, de Pernambuco. Isso
significa que ele estava entre as autoridades, talvez, da cidade. Eu ‘tava’
sentado, procurei por mamãe, não achei.
Aí
fui ‘pra’ rua. Quando eu vi, a mamãe
tava com uma senhora magrinha, coitada! Ainda me lembro como hoje. Tão
magrinha... E a minha mãe com o feixe de lenha da velinha na cabeça, andando no
meio da rua. E meu pai Gerente do Banco do Brasil! Quando ela chegou, eu disse:
“O que a senhora ‘tava’ fazendo?” Ela: “Carregando
lenha. Você ‘tá’ com vergonha de mim, é? Você tinha que sentir vergonha de mim
se eu não tivesse carregado a lenha, que ela precisava daquilo ‘pra’ viver e
não tinha condições de carregar!”. Só faltou remendar como sempre fazia no fim
do carão: Seu cabrito! Ms eu não estava com vergonha mas orgulhosamente
surpreso.
Voltando
ao início e sobre a história da macumba nas Alagoas... Eu sabia naquele tempo
que ‘tava’ faltando alguma coisa. Na minha cabeça tudo isso existia, tinha um
sentido e era preciso algo que transformasse esse sentido em uma evidência para
escrita. Aquela história negra ‘tava’
muito ‘pra’ dentro, ela não tinha representatividade pública. Agora foi que
cheguei onde queria: a publicidade.
Faltava
uma representatividade pública, porque a própria pobreza não conseguia; não era
o fato de ser a religião em si, mas era aquela própria pobreza que não
conseguia se expressar. Existem momentos de expressão magnífica na pobreza, mas
naquele momento não se tinha a visão dele. Uma vez pensando em hip-hop, escrevi sobre uma grande
libertação urbana em Maceió, da explosão negra em Alagoas quando garotos vão
dançar o hip hop na frente do Cine
São Luís.
Voltando
ao Quebra
Aí essa coisa ficou na minha cabeça. Estava a
ligação pessoal, estava o caminho ‘pra’ trabalhar com o que eu podia, que foi
esse da Geografia da fé e de verificar as titulações dos Centros etc. e tal, de
me preocupar com essa questão do Traçado, que o Théo levantou e ele tinha razão
e com essa falta de representatividade pública da história que eu estava
pressentindo. Por isso é quem vem o texto sobre o Luís Marinho publicado no
jornal. Ele não deve ser bom. Eu tinha o quê? Vinte e poucos anos de idade, por
aí assim. Quando eu leio com a idade que tinha, eu acho um puta e corajoso texto,
sabe? [Sei]. Mas quando eu leio com
a minha cabeça de hoje: P. que pariu! [Risos de Jeamerson].
A TIA MARCELINA |
A
significação política dele independe de prestar ou de não prestar. Um jornal
estava dando uma página ou duas páginas inteiras em cima de algo que era considerado um tabu em
Alagoas e o texto era absolutamente simpático a ele. Eu não podia dizer ‘eu sou
macumbeiro’, mas ‘tava’ na entrelinha de que, se insistisse eu era [risos de ambos].
Aí
eles, os amigos macumbeiros, me procuram.
Quando eles me procuram já havia uma história minha com eles. Não me procuram
por acaso. Procuram ‘pra’ conversar sobre a perseguição que a Polícia ‘tava’
fazendo, segundo diziam e era mais do que possível. Especialmente eles diziam
que quando era a temporada da Salva de Exu, como eu falei. Não sei se existe
hoje ainda esse negócio de Salva de Exu. Existe? [Salva de Exu?][i].
Salva de Exu é um toque onde só baixa Exu. Aí você conhece tudo quanto é Exu. [Risos do Professor Sávio].
Eu
tenho umas amizades assim estranhas [Risos
do pesquisador], porque eu sei que se existirem eles estão aqui sentados
agora. Os Exus! Os Exus ‘tão’ aqui. Eu só ando com quem não presta. Tá tudo
aqui. [Risos de Jeamerson]. [Mas Exu presta][ii].
[Risos de ambos]. Eu falo que não
presta no sentido da moral tradicional. [Sim,
isso][iii].
[Risos de ambos]. Então deve ‘tá’
aqui assim ó! [Gesticula com a mão].
[Então, eles te abrem os caminhos, é?][iv] [Risos de ambos]. Eu tive uma briga com
o Tranca Rua. Esse foi um negócio sério na Salva de Exu. O peste queria que eu
tomasse uma cachaça. - Eu não tomo essa porra! Foi na Casa do Júlio, no
Terreiro do Júlio.
Aí
eles vieram conversar sobre a perseguição da Polícia. Aí me perguntam o que é
que eu achava. Eu digo: - Nós precisamos buscar um representante. [Professor Sávio imposta a voz]. Eu não
iria dizer isso, mas a chave era essa. Aí vão surgindo umas coisas: Tia
Marcelina surge daí. Ia surgindo umas coisas.
Era
qualquer coisa assim: ou sai da catacumba ou não existe vivo. Eu disse a você
que a vida da religião era muito ‘pra’ dentro, porque não tinha meio de dar um
passo desse. Isso contraria qualquer princípio de uma cabeça que não seja
absolutamente maluca. Porque seria se levantar contra toda a organização de
poder da sociedade, pegar isso, lançar-se na busca do público.
- O que é que
você acha, professor? Foi a pergunta.
Aí eu
disse: - Tem que ter um troço aí que
sacuda.
Queria
dizer, que não dava mais tempo ‘pra’ ir lentamente na construção dessa
representatividade. Ou papoca ou não papoca. E como é que papoca? Aí deu aquele
negócio: se papoca a gente faz.
O
sentido é que era esse. [Sim][v]. A
gente tem que dar uma tacada que aflore isso daí e que fique a Polícia de mãos
atadas, porque agora você não é mais marginal. Você tem que arranjar uma forma
de você penetrar de tal modo que a ideia de que você era marginal e vagabundo
não possa mais permanecer. E aí não pode ter a violência policial em cima. Eu
era doido, eu acho, sabe? [Risos de
Jeamerson]. Eu faria a mesma coisa hoje, eu faria. Só que hoje eu não tenho
mais a coragem de enfrentar. ‘Tô’ mais cansado... Me chamaram:
[Jeamersom: Mas sua memória já é uma ação
corajosa. [Risos de ambos]
- “E o que é que
o senhor quer fazer?”
- “Se vocês
toparem, eu queria dar uma porrada do caramba. A coisa que tem mais importante aqui em Maceió
‘pra’ gente atacar é o Teatro Deodoro.”
Por
que o Teatro Deodoro? Porque o Teatro Deodoro era símbolo e representativo da
cabeça da burguesia de Alagoas, embora ele fosse muito mais do que isso.
-
“Vamos fazer o seguinte, se vocês toparem. Vamos fazer uns toques...’
Repare
a proposta. Pense onde pesa a proposta. Mas eu não falei isso como de fora não.
Falei de dentro, porque eu era de dentro. [Sim.][vi].
Aí o cara diz: você era um intelectual!
Não é não. Eu era de dentro. Eu não falei de fora. Eu falei de dentro. E eles
vieram conversar comigo porque eu era de dentro.
Catedral
você não ia entrar. Eu não ia fazer um negócio desse na Catedral. [Risos de ambos]. Assassinavam a gente.
Era maluquice. Então eu tenho que ter um troço do estado, que pertence a todos.
- O que é que a
gente vai fazer?
- Vamos...
[i] Fala de Jeamersom.
[ii] Fala de Jeamersom.
[iii] Fala de Jeamersom.
[iv] Fala de Jeamersom.
[v] Fala de Jeamersom.
[vi] Fala de Jeamersom.
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