Uma
homenagem a Bráulio Leite Júnior (I)
Quem
é quem
Este número de Campus é fruto do trabalho de Duce
Pontes, filha do Bráulio e da Edna.
Dois
dedos de prosa
Sem
dúvida, Bráulio Leite Júnior foi um dos mais importantes alagoanos durante o
correr de todo o século XX. Homem simples, honesto, inteligente teve uma vida
digna ao lado de sua família. Fomos
íntimos amigos. Certo ou errado (também, como qualquer um, ele errava) jamais deixou de ter coragem para defender
suas posições e sempre na vida jogou limpo, jogou de frente.
Ele
não precisa de homenagem, mas o reconhecimento permanente, sem dúvida, nós
devemos dar.
Este
suplemento foi realizado pela diligência de sua filha Duce Pontes e através
dela quero abraçar a Edna.
As
crônicas reproduzidas foram retiradas do seu livro Algumas crônicas escolhidas,
publicado em Maceió no ano de 2005.
Vamos
ler.
Sávio
I
- Bráulio, uma grande figura e um grande amigo
Luiz
Sávio de Almeida
Bráulio Leite Júnior foi um dos meus
grandes amigos; não éramos de viver encangados, mas era daquela amizade em que o espaço e o tempo não incomodavam e
quando nos víamos, tudo fluía como se nada tivesse mudado. Sabíamos do outro o
que bem desejássemos e nos abríamos sem qualquer escondido, quando desejávamos
desabafar a vida. Não foram poucas as vezes em que ficamos os dois, três,
quatro horas falando.
Tivemos algumas aventuras juntos e
lembraria de muitas, mas no momento, bateu uma na cabeça. O Teatro Deodoro tinha uma divisão diferente:
o gabinete dele, ficava do lado esquerdo, onde hoje fica a bilheteria, Ele
mandou me chamar e pediu para não sair do lado dele no gabinete. Iria passar no palco, a famosa Liberdade,
Liberdade dirigida pelo Flávio Rangel. O presidente do DCE da UFAL era Radjalma
Cavalcante e o DCE havia intermediado a vinda do espetáculo. E eles tiveram papel essencial; eu somente
estou falando da parte do Bráulio, com a qual convivi dentro daquele gabinete
simples mas limpo e preservado..
Pauta reservada, anunciado e de repente
chega a ordem: o espetáculo não poderia ser apresentado. É quando Bráulio manda me chamar e nos
trancamos e vi a firmeza como, depois de telefonemas sucessivos, aquela figura humana
imensa, dizia que jamais faria isto, que a pauta havia sido dada e era sagrada.
Foram cinco a dez telefonemas e a expectativa era grande. No silêncio que
ficamos depois de um período mais conturbado, talvez pelo nervoso do quadro,
começamos a rir e a hora do espetáculo chegando. O que poderia acontecer?
Jamais a ordem para cancelar o espetáculo partiria do Teatro Deodoro.
O do Bráulio dizia para não se
preocupar: iríamos pagar no outro dia e de safadeza deixou meu telefone. Fomos
pagar e com isto, demos por fim o dossiê Liberdade, Liberdade no Teatro
Deodoro. Um homem profundamente
emocional teve uma paciência imensa e não arredou o pé do lugar.
Esta é uma das que vivi com Bráulio
Leite Júnior, vi e partilhei inúmeros sonhos do Bráulio. Ele queria sempre uma
Alagoas boa, e, embora pareça exagerado,
não fosse ele, o Teatro Deodoro talvez não existisse. Foi ele quem construiu o Teatro de Arena,
quem estruturou a Fundação Teatro Deodoro, quem inventou de fazer e fez o Museu da Imagem e do Som. Foi
ele quem deu vida a Os Dyionisios. Criou muita coisa.
Pois este homem, aos 81 anos de
idade, sem pedir permissão à cidade e aos amigos, faleceu e com toda a certeza,
deixou-me com uma permanente saudade. Sei que levou muitas aventuras e muitos
passos de vida comigo. Era turrão e não escolhia palavra. Nunca brigamos, nunca
discutimos, nunca aconteceu a mínima farpa.
Tem dia Bráulio que lembro de você e começo a sorrir. Lembra
de quando a gernte vendia máquina de lavar roupa, que se telefonava para hotéis
e restaurantes oferecendo uma máquina já esqueci a marca inventada? Era Brascheta... E se explicava as maravilhas
que ela fazia? Tou morrendo de rir agora. Pois é: os grandes heróis como você
foi, não esquecem do menino que foram. Muitos hotéis ficaram sem a miraculosa
Beascheta.
Eu escrevi estas linhas com o
coração. Poderia ter escrito de outra maneira, algo formal e intelectualizado.
No entanto, jamais conseguiria, pois o grande apelo do Bráulio para mim, é a
recordação da amizade que sustentamos e ela foi isso: alegria, cumplicidade e
extrema confiança pessoal. E isto para mim é um orgulho, pois considero Bráulio
a grande figura do teatro de Alagoas no século passado. É mentira que Bráulio
esteja esquecido; isto jamais acontecerá, o tempo e as evidências sempre
estarão lembrando o seu nome.
Prefeitura de Maceió! Que tal um bronze
do Bráulio, olhando para o porto como gostava de ficar ou da Praça Deodoro
olhando os dois teatros: um que ele construiu e outro que perseverou em manter
e conservar? Claro que outros fizeram isto: conservar. Mas Bráulio foi uma vida
inteira. Marechal Deodoro precisa de companhia naquela praça, que é uma
das desditas urbanas de Maceió.
Que tal uma placa na entrada da rua
onde ele morou, Prefeitura? Coisa assim:
Como esta rua é minha
Mandei ladrilhar
Com pedrinha de brilhantes
Para o Bráulio Leite Júnior passar!
Cidade de Maceió.
II - MISTICISMO DE BRÁULIO LEITE JÚNIOR
NOTA: Este material foi publicado
em o Jornal de Hoje na coluna Opinião
Sempre tivemos, neste jornal,
palavras de elogio e simpatia para as iniciativas do Teatrólogo Bráulio Leite
Júnior, não só pelo seu espírito público, pelos sentimentos de alagoanidade
sempre demonstrados na defesa e exaltação das boas coisas de sua terra, mas,
sobretudo, pela sensibilidade com que dirige a Funted e zela pelo patrimônio
maior da cultura de Alagoas, que é o Teatro Deodoro.
Se podermos perfilar, numa linha
de frente, os homens que fazem a grandeza de nosso Estado, pelo trabalho
honesto, criterioso e até desprendido no campo de suas atividades, naturalmente
que Bráulio Leite Júnior formaria nos primeiros lugares, tal a operosidade de
seus misteres, muitas vezes mais criativos do que técnicos, mas inteligentes do
que esquematizadores. Homem de agilidade mental surpreendente, não dispensa o
calor humano aos seus empreendimentos, empolgando, contagiando e cativando a
todos nós pelo poder de convencimento, pela mobilização que faz em favor de
suas iniciativas, pela persistência com que sabe lutar pelos seus ideais.
O Teatro Deodoro, nos dias de
hoje, é uma casa de espetáculos que voltou aos seus esplendores de outrora, restaurando
seu ambiente anterior, tão deturpado pelas reformas apressadas e infelizes de
governos que se sucederam no alterar-lhe o acervo original. O Museu da Imagem e
do Som já se pode distinguir como o maior centro de documentarista do Nordeste,
tal os depoimentos que tem gravado e o relicário de peças raras que pode
reunir, principalmente fotografias e flagrantes da vida alagoana do passado, na
política, na administração pública, na sociedade, nas letras, na música e nas
artes plásticas. O Centro de Belas Artes até na sua localização tem o toque
especial da sensibilidade artística e cultural de Bráulio Leite, instalado no
antigo Seminário de Maceió, e sua contribuição à cultura alagoana tem sido das
mais efetivas.
Queremos, no entanto, dar
destaque especial à Orquestra Filarmônica da Funted. Seus espetáculos têm ido
deslumbrantes, levando cultura musical ao povo, na praça pública, nos birros,
nos estabelecimentos de ensino, nos
festivais do caráter artístico e de evocação histórica. Sofreu abalo sísmico da
inveja humana, mas renasceu do quase nada para transformar-se, novamente, na
maior orquestra e instrumentos de sopro e cordas de Alagoas. Em tudo isto está
presente o misticismo e a devoção de Bráulio Leite Júnior, que faz as coisas
como um sacerdote no ritual de suas
divindades, que são as obras que tem legado à inteligência e à cultura de Alagoas.
Este é um depoimento que fazemos de um homem do presente, mas já de lugar
assegurado no julgamento dos pôsteres. Fora de Alagoas seria um gênio. Aqui,
diante de nossas limitações, é um homem comum, mas útil e indispensável para as
grandes inspirações de Alagoas.
III – Algumas crônicas do Bráulio
O Cenarte que idealizei
Adicionar legenda |
Nota 1 (LSA) – Este texto demonstra
bem, o nível de engajamento de Bráulio, na
vida cultural de Alagoas. Não consta do livro, quando e onde foi
publicada. Demonstra, também, o nível de polêmica que Bráulio acentuava em sua
vida.
Recebi com grata surpresa o
expediente enviado pelo professor Francisco Oiticica Filho, atual diretor do
Cenarte – Funted, acompanhado de cartaz alusivo aos “Cursos Especializados e
Regulares para este 2º Semestre”. Digo grata, por saber que o Cenarte não
morreu de todo, e está, parece-me, em boas mãos; digo surpresa, porque não sei
como conseguem, professores e alunos conviverem e trabalharem, todos esses
cursos , em espaço tão exíguo, colocado à disposição do Centro.
Quando falei na situação inaceitável
deste Cenarte de agora – que o diretor chama de “novo Cenarte” – tive a
preocupação de ajudar a continuidade e preservação do antigo Centro de Belas
Artes de Alagoas, como opção de estudos e conhecimentos para a comunidade.
Afinal de contas, quando o criamos em 1982, tivemos esta intenção. Mas sabemos
que, desde há muito, o “novo Cenarte” não vem merecendo a devida consideração e
justo atendimento das suas necessidades. Não há espaço, não existem condições
técnicas, não há o exigido material para o desenvolvimento dos trabalhos, não
se pode estabelecer horários conciliáveis à realização das aulas, não são
observadas as regras de acompanhamento de cada curso, não acontecem as reuniões
indispensáveis à devida aferição de aproveitamento dos alunos e necessária
reciclagem dos professores, enfim, toda uma série de providências que são
imprescindíveis, mas que “as dificuldades de uma conjuntura nem sempre
favorável”, permitem organizar. Principalmente se não se tem área compatível
para trabalhar.
No tempo do velho Cenarte, ao lado
do vetusto Seminário Arquidiocesano, mantínhamos duas orquestras ativamente
funcionando – uma de Câmara, sob a regência do maestro mexicano Armando Quezada
(além do Conjunto “Quinteto de Metais”, sob a regência do maestro sergipano
Antonio Guimarães); dois maravilhosos Corais, o infantil “As Andorinhas”, sob
regência do maestro Nicholas G. Valle; Curso de Musicalização Infantil (p/
crianças acima de 6 anos) , Curso Livre de Música, Curso Profissionalizante de
Música (com professores para instrumentos de sopro, corda e percussão)
reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação; Escolinha de Arte (para
crianças de 3 aos 6 anos), Curso Livre de Artes Plásticas; Curso Livre de
Dança, “Baby Class” (crianças de 3 a 6 anos), Ballet Clássico, Ballet Moderno,
“jazz”, Afro e Ginástica (alongamento e aeróbica); Curso Livre de Teatro
(formação de Atores, Direção e Técnicos em Montagens), com participação do
Grupo Teatral “Alfredo de Oliveira”, nas encenações de peças infantis e
adultas. Além disso, Cursos Intensivos de Serigrafia, Cerâmica, Vidro e
Decoração, tendo adquirido um forno elétrico para moldagens diversas.
Possuíamos um corpo discente com mais de mil e duzentos alunos ( entre os quais
80 bolsistas distribuídos, após testes vocacionais, no Lar São Domingos, Lar
das Meninas, Cruz Vermelha, funcionários da Funted e crianças carentes de um
modo geral). Isto sem falar nos concertos semanais, ao ar livre, da Orquestra
Filarmônica, apresentações de Corais, Mímica, aulas públicas de Dança e Exposições
mensais dos trabalhos, produzidos pelos alunos, dos diversos cursos. Todos com
entrada franca e presença maciça de público.
Tínhamos renda que supria a
manutenção do Centro e os contratos, em todas as áreas, de professores
itinerantes, trazidos trimestralmente de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, Recife e até Buenos Aires. Era uma Instituição útil,
arquitetonicamente linda, bem cuidada, bem servida de competentes e dedicados
professores e funcionários, todos integrados no ideal de bem dotar a cidade do
ensino regular das Artes, como aprimoramento cultural.
Embrião, relevo agora, de um projeto
acalentado durante anos, que objetivava a criação, a médio prazo, da
Universidade de Artes do Nordeste, planejamento cultural, naquela época, já conhecido
do Governo do Estado, da Arquidiocese Metropolitana (cujo novo Seminário seria
construído , pelo Estado, no Tabuleiro do Martins), e algumas autoridades
federais, vivamente interessadas na realização do que pretendíamos. Esta é a
primeira vez que falo sobre o assunto, publicamente, tendo feito todos os
contatos, sigilosamente, durante dois anos de entendimentos com os principais
partícipes do projeto. E pensar que, depois que me aposentei a Funted perdeu a
concessão contratual que tinha, para permanecer, com o Cenarte onde começamos,
por falta de diálogo e posterior calote é simplesmente inacreditável e absurdo.
Valendo acrescentar que o aluguel vigente, naquela época, era de apenas
trezentos cruzeiros mensais!!!...
Como desejo colaborar, e perguntar
não ofende, que nos permitam a curiosa intromissão:
- Por que não provocar, em conversa
franca, uma análise do todos os problemas do corpo docente e discente, para
assim formar uma corrente positiva em favor da Instituição?...
-Por que não transferir a sede da
Secretaria de Cultura para outro local ? Não seria uma solução?...
Imagino que, talvez, seja mais fácil
remover um “Comitê” ou um grupo de “ativistas culturais”, do que todo um
exército de alunos, professores e funcionários do Cenarte...
Ou não?
E disponha professor.
Esses benfeitores anônimos
Nota 2
(LSA) – É interessante ver os
“escondidos” da história, pessoas que
passam e a gente nem sabe o que deram, o que fizeram e como foram importantes
em determinado momento. Bráulio trouxe algumas. Publicado originalmente em O Jornal, na edição
de 05/09/1999
Para se realizar um espetáculo
teatral, todos sabem que é necessário antes de tudo que se tenha um texto, um
intérprete e u espectador. Tudo seria fácil se somente assim fosse. Mas não é.
A trilogia é a base, enquanto o que se esconde nos bastidores no fazer e
refazer dos ensaios, na técnica da luz, som e cenários, na publicidade, no
guarda-roupa e adereços, na direção artística e geral, é o roteiro do dia a dia
da montagem do evento em suas múltiplas facetas. Mesmo assim não é tudo. Por
trás de todo esse trabalho, que deve reunir “experts” em cada área, dando-lhes
suporte e tranquilidade para executarem suas tarefas, estão os produtores,
financiadores ou colaboradores indispensáveis na cobertura das despesas.
Hospedagem e elencos, pagamento de direitos autorais, confecção de cartazes e
ingressos, gravações, maquinistas, costureiras, folha de portaria, etc., etc.
São generosos personagens quase nunca
nomeados, elogiados, ou anotados nos “releases” distribuídos com a imprensa ou
sequer mencionados pelos críticos. Poucos e raros na verdade, mas são eles –
caso de Maceió, que não alcançou o estagio profissional pleno – os “mecenas”,
os incentivadores, os admiradores amigos do teatro que, espontaneamente ou
quando solicitados, estão sempre prontos a ajudar comprando ingressos,
assumindo despesas, determinando providencias financeiras.
No passado, segundo consta do livro
Autores Alagoanos & Peças Teatrais, de autoria do Prof. Abelardo Duarte e
editado pela Funted em 1980, dois nomes não podem ser esquecidos; Américo Rego
e Américo Maia, que, mesmo sem fortunas, conseguiram trazer para o Teatro
Deodoro companhias e artistas importantes, líricas e de operetas, afora as
dramáticas.
Depois. Manoel Cupertino,
proprietário do Antigo Ponto Central e da Pensão Cupertino que tantos artistas
hospedou e de quantos dispensou as diárias e refeições para ajudar a
facilitar vinda de novas Companhias a
Maceió.
Já no meu tempo, como diretor do
Teatro Deodoro, contei sempre com a boa vontade, a colaboração, a fidalguia, de
amigos e pessoas que compreendiam e desejavam ajudar-me a vencer as
dificuldades e carências surgidas. Vezes era a montagem de uma peça quando
recebia metros e metros de tecidos da fábrica da Saúde, do amigo Alberto
Nogueira, outras vezes o pagamento do diretor contratado, vezes outras eram as
despesas de hospedagem de companhias que não obtinham boas bilheterias e
ficavam “encalhadas”, precisando prosseguir viagem. Quantas vezes, meu Deus,
fui buscar auxílio financeiro junto ao Moinho Nordeste, dos amigos Lula
Calheiros e Rivadávia Carnaúba, ou tomar dinheiro emprestado no “banco do
Geraldo Mota”, para conseguir montar as peças com o Teatro universitário de
Alagoas ou com os Dionysios... E vezes sem conta, solicitei o apoio e a
colaboração dos industriais, e de Antônio Moreira, da Usina João de Deus, m
Capela, para socorrer artistas muitos deles de renome nacional, que não
obtinham boas rendas nos espetáculos e entravam em desespero.
E me comove pensar que nunca
procurei essas pessoas para que me negassem o que pretendia. A eles o teatro
alagoano deve muito, pelos muito que fizeram em favor da cultura artística em
nossa terra.
Daí esta minha crônica de hoje, de
necessário registro e gratidão a essas personalidades, construtores e
realizadores de bens e úteis estágios da vida alagoana, sem o que a história
das Artes nas Alagoas seria devidamente explícita nem estaria completa.
Cidade sem memória
Nota 3 (LSA) – A ligação de Bráulio com a cidade e a
memória esta neste texto e como o Museu da Imagem e do Som seria um ponto de
guarda desta memória.
As cidades vão morrendo juntamente
com os seus habitantes. Não são apenas os edifícios ou logradouros que somem ou
são ocupados para dar lugar a outros, resumidos, mais novos e, quase sempre,
impiedosamente menos belos. Enchem-se os cemitérios de nome, cruzes, mausoléus,
todos querendo e teimando ser lembrado em lápides e jazigos perpétuos, cobertos
de mármore e ornados de bronze. Tais cidades, como seus habitantes, vão também
perdendo seus hábitos, costumes, tradições, modismos. Se não houver organismos e
estudiosos vigilantes, a recolher suas fotos do passado, a registrar
depoimentos pessoais das velhas gerações, a fixar mudanças urbanísticas, a
catalogar aspectos da vida comunitária, dentro em breve a cidade vai ficando
sem história, sem passado, ao tempo que o seu presente se dilui, se esvai, se
modifica sem um registro sequer. O mesmo acontece com as pessoas que olvidam o
passado de suas vidas, como se fossem vítimas da perda de memória, dominadas
pela amnésia.
Já em 1959, o médico, professor,
poeta e folclorista Théo Brandão escreveu na apresentação do livro, do também
saudoso pesquisador e historiógrafo Félix Lima Júnior, “Maceió de Ontem” – 1º
volume, um prefácio que as atuais e futuras gerações, deverão ler – se isso
acontecer – com natural espanto.
Théo Brandão fala daquela incrível e
hoje desconhecida cidade, “que vem paulatinamente desaparecendo” como a Maceió
do “Grande Ponto”, das Chapelarias de José Maria e dos Gerbase, da “Porta do
Sol”, da “Porta da Chuva”, dos tamarindos da praça São Benedito, dos Pavilhões
de madeira da praça da Catedral, dos trapiches de Jaraguá, da Ponte de
Desembarque, dos botes e alvarengas do velho Porto, do telégrafo semafórico da
encosta do morro do Farol, das saídas do Santíssimo, das ruas alcatifadas de
folhas de pitangueiras e das janelas dos sobradões adornadas de colchas e
tapetes nos dias de procissões, dos maracatus, dos bondes da Catu e depois da
CFLNB, das cavalhadas em Bebedouro, do porto de lanchas, das festas de Natal do
Major Bonifácio, do Tiro Alagoano, dos sorvetes da Santa Laura, das retretas da
praça Deodoro, das manhãs domingueiras na avenida da Paz, das corridas de
cavalo no Hipódromo, dos banhos no Catolé, das caçadas de nambus e pacas na
lagoa da Anta, da praça de carroças e dos negros de ganho na “Quatro Cantos”,
algumas dessas lembranças acrescentadas por nós.
À medida que vamos recordando essa
Maceió tão doce e tão humana, sentimos avivar dolorosa saudade de tudo que
passou e foi transformada ou destruída pela insensatez, insensibilidade e burrice
de alguns inconsequentes inovadores, despreparadas “autoridades” ou eventuais
aventureiros que pensaram se perpetuar, na memória da cidade, Omo modernos
“administradores”. Coitados!
E nos perguntamos se daqui a
cinquenta anos haverá um outro Théo Brandão, outro Félix Lima Júnior, outro
Moacir Medeiros de Sant’Ana ou ainda outro Ednor Bittencourt..., para recordar
a cidade, hoje. Com os seus jornais, suas estações de rádio e televisão, o seu
trânsito já caótico, a pobreza do povo no vestir, no comer e no divertir, as
transformações descaracterizadas e a expansão desordenada da cidade, o comércio
deste tempo, os bancos, os nossos cemitérios, os nossos logradouros, atuais
hábitos, costumes e modos, novas escolas, hospitais e esquemas financeiros,
governos e desgovernos, imagem pública e opiniões sobre a falência dos
políticos e da politicalha mesquinha, seus períodos desastrosos, raras atitudes
dignas de exemplos, enfim toda uma paisagem que precisa e deve ser registrada
para conhecimento futuro. Talvez assim, como painel de estudos e avaliações,
possamos dizer aos jovens do porvir o que não fazer e o que não admitir aos
outros fazerem.
Quando em 1981, criamos o Museu da
Imagem e do Som, da Funted, tivemos em mente colaborar com o trabalho já
desenvolvido com tanto emprenho e imensas dificuldades, pelo Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas e Arquivo Público Estadual. Pensamos que o
novo organismo, Museu “vivo” das ocorrências de nossa cidade, no presente,
pudesse despertar no seio da sociedade, mas também e necessariamente no cerne
do governo, a responsabilidade com a manutenção dos materiais adquiridos e
entregues ao Estado, além da coleta, triagem e catalogação de milhares de
acontecimentos da nossa história e do nosso cotidiano, em todos seus aspectos e
interesses comunitários. Infelizmente tal não ocorreu. O acervo de milhares de
fotos, documentos, pesquisas, gravações, filmes, reproduções e objetos, segundo
fomos informados, continuam sujeitos à ação do tempo, incorreção do manuseio e
consulta, além da falta de condições na conservação do material. Não por culpa
do pessoal, mas da entidade oficial que não tem como contornar o problema. Uma
lástima. Junta-se assim, ao Arquivo, o Museu da Imagem e do Som na sua penúria
e desespero.
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