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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Bianca Machado Muniz . PENEDO: O FORTE HOLANDÊS NÃO ERA DE PEDRA


Esta matéria foi publicada nui suplemento Campus do jornal O Dia, Maceió
 

Dois dedos de prosa sobre Bianca


Bianca Machado Muniz produziu uma bela dissertação de mestrado, devidamente orientada por uma brilhante professora da Universidade Federal de Alagoas: Maria Angélica. Este artigo é uma adaptação de parte do trabalho mencionado e uma forma de chegar o que se produz na pós, à comunidade em geral. Campus portanto agradece esta demonstração de cidadania.

O texto versa sobre Penedo, sem dúvida uma área diferenciada dentro da formação  do espaço alagoano; dentro de Penedo, a autora trabalha o que se poderia chamar de arqueologia colonial urbana e especialmente trata do caso do Forte Maurício de Nassau.

Vamos ler e pensar; temos panos para as mangas, magistral expressão popular.

Luiz Sávio de Almeida

Penedo, Rua da Penha, 1950


Quem é quem

Bianca Machado Muniz possui graduação em Arquitetura e Urbanismo e é mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas. Participou como pesquisadora do Inventário do Patrimônio Arquitetônico do Município de Porto de Pedras e dos Trabalhos de Localização do Forte Maurício em Penedo – AL. É membro do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem desde 1999, tendo participado de vários projetos, atuando tanto na área de investigação bibliográfica e iconográfica, como realizando trabalho de campo, voltados principalmente para a gênese das cidades Alagoanas de Penedo, Marechal Deodoro e Porto Calvo. Possui experiência na investigação das relações entre arquitetura e tecnologia. Também atua na área de projetos de arquitetura. Atualmente é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, e faz parte do corpo docente da Fits como professora do Curso de Tecnologia em Design de Interiores.

PENEDO: O FORTE HOLANDÊS NÃO ERA DE PEDRA

Quando se pensa em fortificação, imagina-se logo uma construção rígida, feita de pedra e capaz de atravessar os séculos e resistir às intempéries. É com base nesta ideia que o Forte Maurício, construído pelos holandeses em Penedo no século XVII, muitas vezes é representado atualmente. Num lugar onde a pedra sempre foi tão presente, nos adornos das igrejas, na topografia da cidade – a Rocheira – e até no nome do lugar – Penedo - como haveria de ser diferente? Os documentos e evidências históricas porém, desmentem a crença geral, e revelam outras facetas desta edificação marcante no imaginário da cidade, e ao mesmo tempo  envolta em tantos mistérios.

Mas antes de chegar ao forte, vejamos como os holandeses chegaram a Penedo.

Com a União Ibérica, os holandeses ficaram impedidos de fazer negócios com o açúcar brasileiro, sua principal fonte de riqueza. Por este motivo, resolveram se apossar das zonas produtoras. Inicialmente, invadiram a cidade de Salvador, mas em 1625 acabaram sendo expulsos da cidade. Em 1630, militares da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais – organização comercial e militar criada para controlar os entrepostos comerciais nas Américas, ocuparam Olinda e Recife, conseguindo estabelecer-se na região.

Em 1637, o nobre holandês João Maurício de Nassau, foi enviado ao Brasil para organizar e governar as terras dominadas pelos holandeses no Brasil. Ao chegar, Mauricio de Nassau travou os combates necessários para afastar os portugueses, desde Olinda até o rio São Francisco.

Chegando à vilazinha de Penedo, que também era chamada vila São Francisco no século XVII, Maurício de Nassau julgou o lugar apropriado para a construção de uma fortificação de grandes proporções.  

Junto a sua comitiva, Mauricio de Nassau trouxe vários artistas, entre eles Frans Post  e Jorge Marcgrav, que realizaram  registros da vila São Francisco fundamentais para o estudo do forte. Frans Post, um exímio pintor holandês, imortalizou a Penedo de meados do século XVII, vista da margem oposta do rio, tendo já o forte na parte alta da vila. Marcgrave, por sua vez, fez mapas de várias vilas e cidades ocupadas pelos holandeses, inclusive a vila são Francisco. A obra destes dois artistas integra o livro de Gaspar Barléu, que relata os feitos de Mauricio de Nassau durante sua estada no Brasil. Estas imagens foram fundamentais para a realização dos estudos em torno do Forte Maurício, permitindo inferir, por exemplo, o tamanho do forte, sua localização na vila e suas partes constitutivas.

Na época em que foi construído o forte, já não se construíam os velhos castelos medievais. Estes estavam superados: séculos antes, um castelo era uma fortaleza capaz de suportar um cerco de vários meses sem ser vencido. Mas tudo mudou com a criação de uma nova e potente arma: o canhão, que tornava as altas muralhas do castelo um alvo fácil. Era preciso um novo sistema construtivo capaz de proteger as cidades contra esta nova arma.

Surge assim a fortaleza moderna, com muralhas baixas e horizontalizadas, criadas para serem quase invisíveis na paisagem. Em vez de crescerem para o alto, as muralhas destas fortalezas desciam e ganhavam altura graças ao fosso. O Forte Mauricio foi uma destas fortalezas: era formado de 5 baluartes, elemento de destaque na fortificação moderna,  que substituiu as torres dos antigos castelos. Estes baluartes eram desenhados de modo que não houvesse pontos cegos, isto é, um soldado inimigo não teria onde se esconder junto as muralhas do forte pois, de qualquer ponto, se tornaria alvo dos defensores.

De acordo com as imagens do forte, este também era rodeado por um fosso. Como o forte não podia ser muito alto,  pois se tornaria frágil ao canhão, sua muralha surgia ao ser cavado o fosso: quanto mais profundo o fosso, mais alta também a muralha do mesmo. Às vezes a terra tirada do fosso era já utilizada para a construção de sua amurada.

Isso nos leva a outra questão significativa: o material com o qual foi construído o forte.


Ao contrário do que se costuma imaginar, o forte Mauricio não foi construído em pedra, mas sim de terra. A questão é: num lugar onde a pedra é tão abundante, por que um frágil forte de terra? A resposta mais uma vez está na tecnologia: uma bala de canhão, ao atingir uma muralha de pedra, produzia estilhaços que se tornavam fatais ao atingir os defensores do forte. O mesmo não acontecia à terra, que amortecia o impacto causando danos mínimos na estrutura da fortificação e em seus defensores.

Uma das provas da eficiência deste sistema vem da experiência do laboratório de arqueologia da UFPE, liderado pelo arqueólogo Marcos Albuquerque. Nas escavações arqueológicas do forte Real do Bom Jesus, em Recife-PE, foi encontrado um projétil de canhão alojado em uma muralha de terra. Os Atos de Capitulação do Forte Maurício, que fazem parte do Diário ou narração histórica de Matheus van den Broeck, vêm a confirmar o material de que era composto o forte: “as muralhas [do forte Maurício] recentemente levantadas acham-se arruinadas e abatidas em consequência das continuadas chuvas, de modo que por fora é fácil galga-los. Está, pois, indicando a experiência militar, que com tão poucas forças é impossível defender tão largas obras contra adversários numerosos. Tão pouco não tivemos meios de cortar a fortaleza, pois como assenta sobre pedra, dentro d'ella não se pode haver a terra necessária para levantar outra muralha”.

Não apenas o forte Maurício, mais vários outros fortes a ele contemporâneos, em especial os holandeses – como o forte Orange, foram construídos em terra. Posteriormente, para proteger as estruturas das constantes chuvas típicas do nosso clima, os fortes eram encamisados com pedra, abrigando-os das intempéries e aumentando-lhes a durabilidade. Daí vem os fortes que resistiram ao tempo terem suas muralhas revestidas de pedra.



O FORTE MAURÍCIO E A DEFESA DO TERRITÓRIO

Segundo narrativa de Francisco de Brito Freire, na obra “Nova Lusitânia” escrita em 1675, o forte tinha capacidade para mil e seiscentos soldados.

Mas por que uma guarnição deste porte numa vila tão pequena?


É o que afirma o antropólogo Diégues Junior em seu importante livro Banguê das Alagoas: “Enquanto na região norte ­ a de Porto Calvo ­ e na região central ­ a das lagoas: Alagoa do Norte e Alagoa do Sul ­ o povoamento se processou através da fundação de engenhos de açúcar, já o do Penedo tem origens bem diferentes. Seu fundamento se baseia na defesa do sul da capitania de Duarte Coelho. Foi-lhe dado o feito de arraial fortificado: era o ponto mais distanciado da sede da capitania, e também o limite desta. Daí a necessidade de constituí-lo núcleo de defesa do extremo sul, preservando colonos mais expostos, ali que em outras partes, aos assaltos dos indígenas”.




A fundação da povoação é um dos primeiros indícios de sua importância defensiva, uma vez que devia garantir a posse dos limites da capitania contra as constantes ameaças de piratas franceses.  Constata-se assim, a importância da vila São Francisco para assegurar a posse da capitania de Pernambuco.

A vila também era  um dos principais acessos à capitania de Pernambuco no sentido sul. Segundo o Visconde do Porto Seguro, “as viagens marítimas entre a Bahia e Pernambuco eram mais difíceis e perigosas do que entre aquela capitania e Portugal”, o que fazia da vila São Francisco uma importante via de acesso, o que se manteve até  ano de 1972, quando a construção da ponte rodo-ferróviária sobre o rio São Francisco  na altura de Porto Real do Colégio deslocou o tráfego para a nova via.

Durante o ciclo do açúcar, embora não fizesse parte da região produtora, a povoação fornecia gado para abastecimento da capitania, tanto para consumo como para mover os trapiches dos engenhos. Segundo relatos de época, a  área do rio São Francisco era uma das mais abundantes em  gado em todo o Brasil, abastecendo deste gênero alimentício toda a capitania de Pernambuco.


Com a invasão holandesa, se destaca a importância estratégica de Penedo para o Brasil Holandês. A ocupação e controle deste ponto permitia tanto garantir o abastecimento dos holandeses com gado, como também o controle do acesso à capitania. Tornou-se fundamental a fortificação desta área, para garantir a posse dos limites do território ocupado pelos holandeses, o que significava a posse de todo o território pernambucano. Mas, ao contrário do colonizador português, o que havia do outro lado do rio São Francisco não eram “vizinhos de capitania”, mas sim seus opositores, que certamente tentariam expulsá-los assim que possível.

Além de defender os limites do domínio holandês, a fortificação do local permitia, também, apoiar as incursões nas áreas próximas e na capitania de Sergipe del Rei. Os holandeses saíam do Forte Maurício, incendiavam casas, engenhos e destruíam plantações do outro lado do rio, com o intuito de criar uma zona devastada que impedisse a permanência de seus opositores.

Assim, observa-se que em vez de proteger a vila, o forte Maurício visava antes à defesa da capitania, com vista aos interesses holandeses. Mesmo a provável feitoria, que seria de segurança para os colonos contra os índios, também fazia parte de uma estratégia de posse dos donatários. Ainda que essas evidências nos mostrem que a povoação, e depois vila São Francisco, não era necessariamente o alvo destas iniciativas de fortificação, sinalizam que sua localização era essencialmente estratégica, não apenas por sua posição geográfica, limitada decisivamente por um curso d’água do porte do rio São Francisco, mas também pela topografia do sítio, que favoreceu a defesa  e a visibilidade dos arredores.




A ÁREA DO FORTE NA CIDADE ATUAL

Os estudos que se apoiaram nas imagens, permitiram mostrar que o forte construído em Penedo foi um dos maiores do Brasil. Ele era maior, por exemplo, que o forte Orange, existente em Itamaracá. A comparação das dimensões entre estes fortes pode nos dar uma ideia da dimensão do forte Mauricio.

O forte Orange ocupa atualmente uma área de 9.800m2. Com base nas medidas do mapa, fazendo as devidas conversões da escala holandesa para o metro, constata-se que o forte Mauricio deve ter ocupado uma área de até 12.000m2, ou seja, ele tinha dimensões bastante expressivas, e de maiores proporções que o forte existente em Itamaracá. 

O estudo dos mapas também permitiu constatar que o forte foi construído ao redor da primeira capela da vila, o que foi relativamente comum na história colonial, tendo ocorrido o mesmo em Porto Calvo e em Recife (no forte Ernesto). Porém, nestes casos  a igreja não deve ter sido utilizada com fins religiosos, mas sim militares. O viajante neerlandês Johan Nieuhof, em seus escritos, ao se referir à vila de Penedo, diz que “existia no forte uma igreja que transformamos em arsenal”.

Projetando o perímetro do forte na cidade atual, percebe-se que muitas construções importantes também ficam dentro do espaço anteriormente ocupado por ele, como a Casa de Aposentadoria, a Aposentadoria Nova, a Catedral e o Oratório da Forca. Se não houvesse sido devastado, a presença da fortificação representaria uma outra paisagem para a Penedo contemporânea, com sua parte alta não tomada por residências e prédios históricos, mas pela própria fortaleza que ocuparia toda aquela área.




O FORTE HOJE

O cerco que resultou na conquista do Forte Maurício pelos portugueses durou mais de um mês. Várias vezes os holandeses enviaram  alimentos e munição para o forte, e várias vezes os portugueses conseguiram evitar que chegassem, o que deixava as forças defensoras da fortaleza cada vez mais fragilizadas.

Chegou o tempo em que seu contingente humano nem mesmo podia chegar sobre a muralha sem ser ofendido pelas armas portuguesas. Assim se passou mais de um mês, e finalmente, aos 15 dias do mês de setembro, os holandeses pediram uma trégua de três dias. Um dia antes do fim da trégua, em 17 de setembro de 1645, eram escritos os Atos de Capitulação do Forte Maurício, os quais foram justificados  pela falta de munição, de alimento, a diminuição da guarnição do forte e o arruinamento das muralhas pelas continuadas chuvas.

Os holandeses estiveram por oito anos na vila. Em novembro de 1646 reocuparam os restos do forte, abandonando-o quatro meses depois, em março de 1647. Assim que a fortaleza foi expugnada, os cidadãos locais pediram que ela fosse derrubada, para não correrem o risco de os inimigos se apoderarem novamente dela.

Atualmente, nada resta senão o lugar sobre o qual o forte esteve erguido, visivelmente modificado. Seus indícios materiais podem permanecer, porém, soterrados sob a cidade, no subsolo da praça Barão de Penedo, da Catedral e das casas por ali existentes.

Entretanto, pequenos monumentos em memória do forte permanecem dissolvidos, escondidos, ou foram apenas recentemente apagados. O Beco do Forte, que deixou de existir para que fosse construída a Praça do Forte, em frente à igreja Conventual Nossa Senhora dos Anjos; a rua 7 de Setembro, que se originou de um caminho que abraçava o forte, adquirindo sua forma; além das imagens e das narrativas sobre a fortificação, que, como se viu,  também preservam a memória do forte e realizam uma abertura no “túnel do tempo”, para permitir que se tenha acesso a pelo menos partes desse passado.

Contudo, caso se insista nesta busca com mais afinco, deparar-se-á com outros sinais. O famoso restaurante Forte da Rocheira, o canhão que se situou por muito tempo na Praça Barão de Penedo, a cruz em comemoração à expulsão dos holandeses, fixada na praça do Forte, em frente ao convento, embora não sejam originais do tempo seiscentista, simbolizam uma vontade de relembrar ou de encontrar o forte em meio à cidade.

A história desta fortaleza e da presença holandesa às margens do rio São Francisco confunde-se com as lendas e  casos de grande repercussão popular. Uma das mais recorrentes é a da “porta da rocheira”, uma abertura no paredão formado pelo rochedo que conduziria ao interior do convento, onde os holandeses teriam escondido ouro ­ o que carece de sentido, uma vez que o convento começou a ser construído após a expulsão dos holandeses. Por outro lado, tal crença pode ter sua origem ligada à fenda referenciada na legenda do mapa de Marcgrav, escrita em latim: “A.B. Rupes acclivis so pedum altitus dine fobis e faxo exifis”, que pode ser traduzida como caverna em ladeira onde só sobe um pedestre baixo [ou abaixado] usando uma tocha”. A legenda pode aludir a alguma abertura na pedra que talvez levasse ao interior da fortificação, e que hoje nos chega com a feição de crendice popular.

Embora se possa lamentar o fato de o forte já não existir, ele traz a questão de como seria a cidade hoje se o forte permanecesse. Optar pela permanência do forte em um dado momento da história seria optar por outra cidade, por outra Penedo.

Considerando a hipótese da realização de uma escavação arqueológica, embora cientificamente esta trouxesse muitas informações a respeito da fortaleza, seria, para o leigo, uma decepção. Esperariam os moradores encontrar um forte de pedra, semelhante àqueles divulgados nos filmes, quando provavelmente se encontrariam no subsolo apenas cortes na pedra, ou algum resquício da muralha de terra. Que tipo de atrativo tal achado teria?

Mas nada impede que o Forte Maurício, atualmente convertido em memória, possa ser apropriado pela população, e que a história se desdobre em iniciativas que o referenciem e alimentem esta reminiscência, de modo a evitar que este momento tão significativo da história da cidade de Penedo seja esquecido.




2 comentários:

  1. Que maravilha esse estudo. Adorei as informações.

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  2. Muito interessante e detalhado esse estudo. Sou de Penedo e digo que existe sim uma evidência remanescente que é o talude de pedra sobre o qual hj se encontra o restaurante Forte de Rocheira e o Restaurante Mauricio de Nassau, na parte de cima. A varanda do restaurante (o de cima) lembra perfeitamente o que seria o primeiro baluarte em frente ao rio. Não haveria porque se construir aquela estrutura de pedra se não fosse para aumentar a visibilidade da parte externa e inclusive o formato é idêntico ao mapa.

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