Sábado, 4 de fevereiro de 2012
Umas poucas palavras
Luiz Sávio de Almeida
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Luiz
Henrique sempre foi um bom contador de histórias e resolveu colocar seu talento
na escrita de um livro. Passar da oralidade para a escrita não é coisa fácil,
pois um caso, inclusive, necessita de gesticulação e performance para ser contado.
A escrita reduz o espaço da contação e é preciso excepcional qualidade para que
o sabor permaneça, devendo ser considerado que ele o caso é sempre destaque de
algo do cotidiano e que somente é possível ele existir, em face de uma
determinada estrutura capaz de suportá-lo. Todos os casos, por mais
extraordinário que pareça são do cotidiano; o que possibilita o recorte deste
cotidiano e o relevo está em situações como o fantástico, o fora da
normalidade, o provocador de risos, de espanto... Por fim, um caso não é apenas
ele, mas toda a sociedade a que se refere, funcionando como demonstração deste todo.
Pois
bem, Luiz Henrique pegou sua coleta e transformou em livro: Paulo Jacinto e
seus causos: estórias que são histórias. Gentilmente, nos deu a oportunidade de
colocar em Espaço, um pouco do seu talento, um pouco de sua escrita que consegue
refinar o sabor do que conta, uma escrita refinada no modo de entrar no miúdo,
estar, em outras palavras, em momentos de intimidades de Paulo Jacinto. Os
casos são momentos desta intimidade.
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Luiz Henrique de Oliveira
Cavalcante iniciou sua carreira como professor, ensinando nos colégios:
Crispiniano Portal, São José, Sete de Setembro, Imaculada Conceição e Guido de
Fontgaland. Em Palmeirta dos Índios dirigiU a extinta Fundação Educacional de
Palmeira dos Índios, ensinou nos colégios: Cristo Redentor, Sagrada Família, Monsenhor
Macedo e Humberto Mendes, passando lá apenas uns poucos meses, quando voltou a
Maceió. A partir do casamento com Maria do Socorro Aguiar de Oliveira Cavalcante
foi que teve oportunidade de conhecer, com mais vivência, Paulo Jacinto, seu povo
e sua cultura, apaixonando-se pela cidade, da qual é cidadão honorário.
Professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, continua suas
atividades nessa instituição, da qual é professor voluntário, desenvolvendo um programa de extensão junto aos
municípios alagoanos. Atualmente, além das atividades acadêmicas, é membro do Conselho
Estadual de Educação, faz parte do Fórum Permanente de Educação do Campo e do
Comitê de Avaliação do Plano Estadual de Educação.
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O colírio da mulesta
Com
o passar do tempo, velhinho, ele precisava ter uma pessoa de confiança que lhe
desse os remédios na hora certa, sem esquecer de nenhum, pois todos eram
importantes para a sua saúde. A esposa não tinha mais condições, pois sua
memória estava bastante comprometida, por causa das suas doenças. Começou
esquecendo uma coisa que era impossível dela esquecer - dinheiro e devedores.
Perdia tudo adoidado e ficava com raiva quando diziam que ela havia perdido.
Depois, passou a perder a chave da casa, do petisqueiro, dos outros móveis, os
recibos das contas a pagar, num ritmo cada vez mais progressivo.
E, o pior de tudo, foi que passou também a
perder dinheiro. Por isso, responsabilizaram
o filho para dar ao pai o remédio da manhã, logo cedo, que era um colírio
para baixar a pressão do olho e que
não devia ser descuidado. O filho muito solícito, mas bastante distraído, nunca
lia a bula de nada e aquilo que ele considerava ser o remédio tascava no
inquilino, sem dó nem piedade.
Certa feita injetou
carrapaticida nos bezerros pensando ser um remédio injetável estimulante do
apetite. Foi um desastre e até morreram alguns. Tudo isso porque não leu o nome
do remédio no vidro. Por isso, deram-lhe muitas recomendações de cuidado.
- Deixe comigo, eu não sou abilolado -
dizia o cidadão. No outro dia, pela manhã, logo cedo, chegou na casa do pai
para colocar o colírio. Pegou a caixa do remédio, abriu, aspirou com o
conta-gotas algumas, dizendo:
- Chegue papai, ’tá
na hora do colírio, são duas gotas.
Assim que colocou a
primeira gota, o pai deu um grito e botou a mão nos olhos.
- ’Tá doendo, ’tá
ardendo, que remédio é esse que você colocou?
Correu para a caixa
do remédio, leu o nome e disse:
- Corra papai, lave
logo o olho na pia. O remédio que coloquei no seu olho é para tirar calo seco.
Dina, cadê você?
Logo
que casou, ele foi morar na casa dos pais, apesar de possuir uma casa próxima,
toda mobiliada, mas não tinha coragem de se mudar para não abandoná-los. Era
época de carnaval, a casa cheia de parentes, inclusiveos cunhados, que ficavam
hospedados na casa reserva. Como, à noite, as crianças iam ficar em casa, chamaram
uma pessoa pra ficar com elas. Esta pessoa era da pá virada e ele vivia de olho
nela. Coisa de gente sem vergonha.
À
noite, todos foram pro clube e, lá pras tantas, um dos cunhados com a esposa,
foram trocar a roupa, pois estavam ensopados de suor. Entraram na casa e foram
se trocar. Poucos minutos depois ouviram alguém batendo à porta e dizendo
baixinho:
-
Dina, Dina, abra a porta.
O
cunhado apareceu e ele ficou morto, passado.
-
Qué qui você ’tá fazendo aqui? - Perguntou o cunhado.
-
É que eu vim trocar o sapato - disse desconfiado.
-
Mas você não mora aqui. Você nem tem sapato aqui. Home conte está estória
direito. Deixe de pantim.
-
Deixe isso pra lá, foi engano - e foi embora frustrado.
A noite de azar!
O Baile da Chita é o
acontecimento social mais importante da cidade. Nesse baile, costumam acontecer
coisas inusitadas e este fato merece ser registrado. Ela é de PJ, mas não mora
lá. Todo ano vem ao baile com a família, trazendo um monte de roupa pra ver a
que fica melhor. Neste ano, infelizmente, só trouxe uma muda de roupa.
Chegou logo cedo na
festa pra não perder nada. Estava animadíssima. Encontrou amigos, bateu papo, viu a ornamentação
do clube e sentou-se à mesa esperando "Rosinha", o hino oficial do
baile. Tão logo começou, tirou o marido pra dançar. É um casal animado. Dançou,
dançou, cansou e resolveu ir à toilete. Em lá chegando, encontrou o banheiro
não muito asseado e decidiu, a exemplo de outra parceira, que também estava no
banheiro, fazer suas obrigações no chão, em frente da parceira. Era serviço
leve.
Aconteceu que a
parceira terminou primeiro e, ao levantar-se, segurou na torneira da pia ao
lado para ter mais apoio. Desastre. A torneira ficou na sua mão e um jato d’água
molhou a outra da cabeça aos pés. Imaginem
o que pode ter acontecido depois: toda molhada, chorando, desesperada, cheia de
tristeza e raiva, nos braços do marido que a consolava, querendo compreender o
acontecido.
A parceira ficou
arrasada e teve uma crise nervosa de choro que não acabava mais.
Chamaram uma das diretoras do clube
para amenizar a situação e prestar socorro.
- Aconteceu uma coisa
horrível!
- Eu sei comadre, não
se preocupe não! -
E correu para
acalmá-la. Quando foi abraçá-la para consolar, a parceira, que estava sentada,
deu um aperto tão violento que rasgou a calça da coitada, justamente no fundo.
Nunca se viu tanto azar numa pessoa só. Mas o baile continuou na maior
animação.
Que bobinha é essa
Já
foi comentado como eram os carnavais de antigamente em PJ, da sua animação, das
brincadeiras e da participação popular. Vinha até gente de outras cidades prestigiar
a festa. Ele era de Viçosa, conhecido como Tenorinho. Gostava de uma vida
mansa, sem muito trabalho, nem preocupação. Filho de pais ricos, muita terra
pra herdar, nunca lhe faltou dinheiro no bolso e disposição para farrear. Era
realmente um cara animado e fazia a festa aonde chegava. Nunca foi pirangueiro
na hora de pagar. Era um cara mão aberta e baixou em PJ com a intenção de
passar os quatro dias e arranjar uma capa de sela, um amor. Estava decidido a
tirar o pé do lodo.
Os
bailes eram no clube, com muita animação. Comprou o individual, entrou e ficou
esperando as coisas acontecerem. E tome a chegar gente e tome música. Resolveu,
então, beber umas doses de conhaque para ganhar fogo e coragem. De volta,
observou uma pessoa dançando que estava na sua configuração de beleza, muito
embora estivesse mascarada, vestida numa mortalha.
Era
uma figura interessante: pequenininha, como ele gostava, apesar de ser bem
alto, delicada, pés pequenos, foliã de mão cheia, rodopiava no salão com uma
graça incompar
ável, parecia uma
carrapeta.
-
É com essa que eu vou sair do atraso - pensou.
Não
foi afoito como costumava ser de outras vezes. Estava "bem
intencionado".
Sondou o ambiente,
deu umas olhadas na bobinha e lá pra terceira volta resolveu arriscar.
-
Vamo dançar?
A
bobinha apenas balançou a cabeça, afirmativamente.
-
Ói... a coisa ’tá dando certo! - Pensou.
Dançaram,
rodopiaram pelo salão, numa animação dos diabos.
-
Não quer tirar a máscara? ’Tá fazendo muito calor.
-
Hum, hum. - Balançou a cabeça negativamente, mas continuaram dançando.
Tentou
um beijinho, de leve, mas nada.
-
Negócio da peste, mulher mais difícil essa - pensava. - Tentei trocar uma
boquinha, mas ela não
quis. Mas a danada tem uns olhos entre verdes e azuis...
vale a pena!
-
Vamo sair um pouquinho?
A
bobinha balançou afirmativamente a cabeça.
-
Ói, ’tá amansando! - Disse com seus botões.
Saíram.
Quando chegaram na porta do clube ele falou:
-
Tire a máscara, eu quero lhe conhecer.
Nesse
momento ele percebeu que a bobinha estava "beba cega" e quando tirou a
máscara não era bobinha coisa nenhuma, era um marmanjo, muito conhecido na cidade.
Fazendo as pazes
Ele tinha um
pedacinho de terra dentro da rua que era próximo de algumas casas e a
vizinhança estava constantemente botando lixo no seu terreno. Já tinha falado,
pedido, exigido, dito uns palavrões, mas nada disso tinha surtido efeito.
Então, resolveu
apelar para a ignorância, pois já estava cansado de reclamar.
- No dia em que
botarem lixo aqui e eu vê, (sic) eu vou arrebentar um, de faca ou tiro.
Um dia pegou um cara
com a boca na botija: tão logo foi chegando, viu quando o fulano que tinha
acabado de derrubar o lixo no seu terreno e ia saindo.
- Qué qui você ’tá
fazendo, caba safado, nego "severgonho"? - Falou, azeitado,
já com disposição de brigar.
- O senhor me
respeite que eu apenas estou botando o lixo no mato e eu tenho
nome.
- Pois que seja a
última vez, nego safado.
E foi embora.
Dias depois, lhe
chega uma intimação da polícia, com hora marcada e tudo. Denúncia de racismo,
crime inafiançável.
- É cara, você vai
ter que ir e eu vou com você - disse o compadre.
Esperneou, virou,
mexeu, mas prometeu ir, dando a mão à palmatória. No dia aprazado, foram os
dois para a delegacia. Coincidentemente, o delegado conhecia o compadre de quem
tinha sido aluno.
- ’Ta fazendo o quê
por aqui, professor?
- Pois é, vim aqui
com meu compadre por conta dessa intimação - disse mostrando...
e, então, aproveitou o momento para
contar o incidente, sem muitos detalhes, buscando amenizar a situação, que o
xingamento foi apenas força de expressão, tentando resolver a pendenga da
melhor maneira possível. E, lá pras tantas, disse ao delegado:
- ... e ele quer
tanto demonstrar que não tem nada contra este senhor, que vai
até lhe dar a mão em sinal de amizade.
Vá compadre, dê a mão a ele.
E nada de mão.
- Compadre, dê a mão
ao rapaz - disse em tom de ordem.
Quando viu que a
coisa não saía, pegou a mão do compadre, puxou e encaixou na mão do outro.
Estavam feitas as pazes. Dessa se safaram.
O porre
de lança perfume
Ele
não era muito de gostar de Carnaval. O que ele gostava mesmo era da farra, da
animação, da companhia dos "amigos". Nessas horas, dava toda vazão aos
seus recalques e emoções. Brincava mais levado pelas más companhias do que por
outra coisa. Gostava de tomar porre de lança perfume e ficava aluado quando
isso acontecia. Quando começava não sabia parar.
Naquele
ano, ele e o compadre foram a um município vizinho, "olhar" o
carnaval de lá. Chegou desanimado, sem jeito, mas, lá pras tantas, viu, na mão
de uma pessoa, uma coisa que ele não via há muito tempo - um lança perfume. O dono
da lança era um deputado, muito importante da região e, "burlando a polícia",
que estava ao seu lado, lhe dando segurança, distribuía porre de lança pra quem
quisesse.
-
Vou pegar um porre - disse o danado.
-
Não vá não cara, não vê que é errado. Olhe a polícia ali. - Falou o compadre, na tentativa de que
ele mudasse de idéia.
-
Tenho nada com polícia. Ela não ’tá lá, do lado do home. Eu vou e vou mesmo.
Fez
uma "boneca" mal feita com a camisa e dirigiu-se para onde estava o
referido deputado.
-
Deputado, deputado, bote aqui um porre.
O
deputado, com pena de gastar a lança com eleitor desconhecido, apenas seringou
rapidinho na "boneca".
-
Eita lança boa da gurita - disse o puxa saco, aspirando quase nada – nunca tomei
uma dessa.
Mentira,
a lança do deputado era uma loló vagabunda, de segunda categoria e o porre
colocado nem chegou a molhar a "boneca".
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