Texto de Ricardo Maia |
Sábado, 4 de fevereiro de 2012
Luiz Sávio de Almeida
A
pintura é uma arte cuja história ainda não foi contada, no que se refere à sua
vida em Alagoas. Falta uma produção sistemática de textos sobre ela, embora
existam pintores das mais variadas tendências e bons, independendo do grupo a
que pertençam e à escolha teórica que façam. Fomentar a escrita sobre a pintura
é uma boa tarefa. Aliás, a bem da verdade, é rara a produção sobre a arte em
geral, parecendo, por exemplo, que somente em teatro existe uma produção mais
diferenciada. São raros os exemplos de pessoas, por exemplo, com formação
acadêmica que se dedicaram a escrever sobre a história e sobre o cotidiano da
pintura em Alagoas. Existem diversos grupos como dissemos, e Espaço se encontra
aberto para todos como tribuna onde as tendências podem se expressar e todos os
grupos ou pintores individualmente. O debate é sempre mais do que oportuno: é
condição necessária para que as atividades artísticas e cientificas se desenvolvam.
Hoje
publicamos um texto que trata da pintura de Lula Nogueira, escrito por Ricardo Maia.
Nele, não somente o autor fala sobre o pintor, mas tece considerações polêmicas
sobre movimentos e vida da pintura em Alagoas. Quanto mais discutirmos, melhor
será; quanto mais abrirmos o leque, tanto mais cresceremos e tanto mais a arte
será beneficiada. Espaço é aberto. Desta feita apresenta posições em torno do
Vivarte; sem dúvida, poderá apresentar sobre qualquer outro. Do ponto de vista da
história da pintura em Alagoas, o texto de Ricardo basicamente divide o campo
em duas correntes por ele chamadas de chalitismo e vivartismo.
Surge
uma primeira pergunta: esta dualidade realmente daria conta da diversidade da
pintura em Alagoas? Em que termos, estes conjuntos são construídos? Que lógica
os ensaia e que critérios os define? Como se pode verificar, o texto do Ricardo
além de fazer uma referência ao Lula Nogueira, abre para uma boa discussão
sobre Alagoas.
Ricardo Maia
Maceiópolis/ Maceioca/ Maceiótima ou o vivartismo insulado de Lula Nogueira
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Karla Melanias
Ricardo
Ferreira de Souza Maia (1962-) é Professor no Curso de Psicologia do CESMAC e
Mestre em Psicologia Social, pela PUC-SP, com dissertação defendida sobre
"Um Grupo Chamado Vivarte: um estudo dos espaços de auto-posicionamentos
mini-políticos na organização retrospectiva do movimento vivartista
(1984-1997)". Neste, foi um dos seus mais ativos participantes. Em 2005,
como professor substituto, partilhou, com alunos de Comunicação da UFAL, a
criação informal e o desenvolvimento do Grupo de Estudos em Ciências
Organizacionais Não-Industriais (GECONI), onde orientou leituras sobre
"Criatividade e Grupos Criativos" na perspectiva de Domenico De Masi.
Atualmente, além de colaborar com o jornalismo cultural em Maceió, realiza
pesquisa no IHGAL sobre o campo da arte em Alagoas.
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Sávio de AlmeidaO pintor Lula Nogueira |
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Artista
alagoano (bem) nascido em Maceió, culto e refinado, Lula Nogueira (1960-) é uma
das personalidades criativas de proa na história da arte em Alagoas. E, mais
particularmente, uma figura de escol do "vivartismo": um movimento de
artistas alagoanos (e 'alagoados') desejantes de inovação estética que, em
junho deste ano, completará vinte e cinco anos de surgimento. Por isso, ao
definir sua pauta de exposições para este ano, a Pinacoteca Universitária da
UFAL acertou em cheio ao selecionar esse vivartista para expor, no próximo dia
12 de março, em seu espaço - já que este foi, em meados da década de 1980, um
dos pontos de encontro principais do Grupo Vivarte (1984-1985).
O
processo de interação de Lula Nogueira com o Vivarte foi, no entanto, tardio,
intermitente e dilemático. E assim se sucedeu porque, como o próprio Lula
recorda, ele sofria, à época, sutis pressões da parte de pintores da elite (ou
seja, de "chalitistas" como Gaspar e Roberto Lopes) para não integrá-lo.
Por que razão? Os vivartistas eram vistos como "marginais" e assumiam
essa imagem categoricamente.
Por
conta disso, no Noitário de uma Revolta, o manuscrito do Grupo Vivarte, a presença de Lula se encontra registrada em
apenas três noites de reuniões: na primeira destas, ele é visto "chegando ao
grupo sem barba, num abraço definitivo e amigo"; na segunda, vestido
"de branco em fim de noite de lua cheia"; e, na terceira, talvez uma
das mais barulhentas "noites de vivarte", percebe-se o artista numa
"silenciosa e discreta participação" (Maia & Vieira). Mas graças
inclusive a essa participação no Grupo Vivarte, a obra de Lula Nogueira é hoje matriz
de identidade alagoana. Situando-a em um contexto social mais amplo, ou
globalizado, pode-se dizer que ela realiza um movimento dramático de fuga e
mal-estar na pós-modernidade.
O
que, de maneira alguma, por isso, decresce o seu valor mediante o atual
processo de emergência de novas formas
de representação artística que se desenvolve em Alagoas. Muito pelo contrário, enfatiza
a significância do artista, o caráter dinâmico de suas representações e o
desenvolvimento de linguagens artísticas divergentes. É nessa perspectiva que
Lula Nogueira faz a diferença e se constitui numa exceção marcante, pois contraditória
ou mesmo hostil ao referido processo - mas nunca antidialógica. E a faz,
note-se de passagem, com profundo sentido de outridade que atinge em cheio, e
de forma reflexiva, a sociedade alagoana atual. Uma outridade repleta de substância
simbólica em meio a uma cultura que celebra a ausência de sentido para
alimentar, charmosamente, uma espécie de neurose ideológica ou forma de
poluição mental.
No
conjunto total da obra de Lula, o exemplo mais provocante, nessa direção, é o
quadro "O Vivartista Historiógrafo", um das obras referenciais do
vivartismo, na qual o artista figurativista 'retrata' Ricardo Maia no próprio
espaço de uma tela 'abstracionista-caeté' que este produzira e depois abandonara,
sem concluí-la, no final dos anos 1980. Uma atitude de "holding" da
parte de Lula que, por sua "responsabilidade/com pincéis" (Lucy Brandão,
1987), terminou por indicar um dos pontos de clivagem no movimento vivartista
que nos obriga a repensar o conceito de "vivarte". Já que, realmente,
como bem observou Francisco Oiticica (1995): "Vivarte é nome difuso,
trocadilho que não diz o bastante da experiência importante que o embala."
Essa
atitude de Lula, mais que contradiz, corrobora o abstracionismo estético em
Alagoas enquanto nos mostra, ironicamente, que também as "abstrações"
podem ser personificadas, manifestando assim uma afinidade mais que uma
similaridade, já que as imagens se tornam elementos da realidade por serem
vitais à constituição de nossas mentes. Inculcando nestas, talvez, o pensamento
de Maxwell que diz que o abstrato de um século se torna o concreto de outro. Decorrem
dessa firme atitude do vivartista, portanto, os poderes figurativos e a força
da informação contidos em sua obra a nos evocar a memória. É quando, então,
somos estimulados por ela a reencontrar Maceió. Para quê? Para torná-la visível
e sabermos como ela cria e transforma sua atmosfera sócio-histórica.
Tudo
isso com a finalidade de conhecê-la e entendê-la melhor em sua especificidade
cultural; ou seja: em seus espaços públicos e privados memoráveis, mas já
olvidados, com seus diferentes personagens urbanos - além, é claro, de suas
minorias ou classes sociais presentes em seu cotidiano vasto. Daí porque o
artista é reconhecido hoje como "o intérprete da província" (Janayna
Ávila, 2008). Essa busca por um tempo perdido na Maceió de ontem, ou que está
se perdendo na de hoje, já vem se manifestando na obra de Lula Nogueira desde a
inauguração da Galeria Grafitti, em junho de 1981, quando o artista realizou
nesta a sua primeira exposição individual com sucesso.
Pois
é assim que este vivartista legitima, através de sua obra, o conhecimento e a
crença no local; ao passo que, nesta, estabelece a coerência da informação
sobre a "cidade sorriso" e os seus habitantes. Procedimento este que
o faz esboçar,como resultado, uma nova imagem de sua realidade historicamente
localizada. Uma realidade que, há décadas, ele se dedica a ler com nostalgia e
blague. A mesma realidade socialmente construída e compartilhada por ele e que
se enraíza, também, nos olhos mentais de outros artistas conterrâneos e
contemporâneos seus; como, por exemplo, Argélio Novais, Edgar Bastos, Tânia
Pedrosa, Gustavo Lima, Ricardo Nascimento, Fernando Bismark, José Joaquim,
Vicente Ferreira, Persival Figueroa - só para citar alguns nomes.
Apesar
de terem desprezado o rigor do academicismo estético (tão bem representável
aqui pelo termo "chalitismo"), esses artistas, para os quais nem tudo
em arte é artístico, formam atualmente uma pequena e específica fração da
Maceió-artística da pintura que responde, em Alagoas, às demandas vivartísticas
de soma de experiências, memórias comuns e resistência cultural. E tudo isso
graças à proximidade insuspeitada entre suas vidas e obras, que, até hoje (é
uma pena!), não foram sistematicamente estudadas por biógrafos nem
pesquisadores das ciências sociais; embora a recepção da obra de Lula Nogueira,
por exemplo, venha há muito acumulando uma fortuna crítica que já constitui uma
considerável diversidade de textos. Textos estes que o artista também, estranhamente,
não parece dar a devida e merecida atenção. E isto a ponto de, até agora, não tê-los
salvos e organizados sistematicamente em
um dossiê, livro ou site especializado em sua trajetória. Quanto a essa
incuriosidade dos pesquisadores científicos, que não é só local, Serge
Moscovici (2003) explica o seguinte: os "usuários" de psicologia social,
por exemplo, "preferiram interessarse pela visão do mundo presente em
determinados círculos acadêmicos e descuidar o que poderiam ter aprendido de
artistas e escritores sobre psicologia humana e mecânica de uma sociedade.
Não
tomaram como guia os princípios epistemológicos que levam a uma análise do que
é raro e sobre o qual pouco se sabe; é esse tipo de análise que ajudará a
lançar nova luz sobre os fenômenos já estabelecidos e familiares." Ora:
tal desprezo antiacadêmico em arte, da parte dos artistas alagoanos acima
mencionados, não deve ser confundido com aquela espécie de "habilitação
ignorante", ou "brut", no setor artístico-cultural; pois ele
pode muito bem ser lido, por exemplo, como uma forma de compromisso estético
mais lúcido e corajoso com Maceió e sua gente - principalmente sua gente
simples.
Uma
gente com quem Lula Nogueira aprendeu a se relacionar com simpatia desde a sua
mais tenra idade, quando passava às férias colegiais na fazenda dos avós
paternos nos arredores do município alagoano de "Branquinha": cidade
que, pelo próprio nome, parece se contrapor inocentemente à histórica e negra
Serra da Barriga, que se localiza próxima à ela lembrando-a, no entanto, que seu
chão é também o de uma "pequena África chamada Alagoas" (Arísia Barros).
A
mesma Alagoas da gente boa e simples do Pontal da Barra e Massagueira que a
grande Vânia Lima, pintora e professora de pintura, no auge do regime militar
no Brasil, o ensinou delicada e dedicadamente a olhar, desenhar e pintar em seu
cotidiano miúdo ou de trabalho - quando ele era ainda um menino. Entretanto,
alguns anos mais tarde, foi o pintor Edgar Bastos (1935-2002) quem levou o
artista já adolescente a de fato contatá-la; ou melhor: interagir com ela de
modo direto ou antropológico, sem essa mediação artística toda da escola de Vânia
Lima.
É
importante salientar aqui de passagem que, num sentido mais existencial, a
figura do vivartista "decano" Edgar Bastos foi sem dúvida de profunda
e fundamental importância nesse processo de formação da personalidade artística
(e pessoal) de Lula Nogueira. Pois, pelo que tudo indica, Bastos representara para
Lula, na adolescência deste, o mesmo que Pangloss, um sábio atrapalhado,
representa para o jovem Cândido no romance de Voltaire (1694-1778). Embora
estes personagens, é claro, fossem vividos pelos dois vivartistas em versão
deliberadamente 'alagoada' ou caeté. Segundo o psicólogo, psicanalista e
crítico de arte Lincoln Villas Boas, em seu livro "Testemunhos do
Vivartismo: escritos de intervenção cultural na Maceió-artística da pintura (1992-2004)":
"Juntamente com Maria Amélia Vieira, Paulo Caldas e Lula Nogueira, Edgar
Bastos forma o tetrágono canônico da Maceió-artística." E acrescenta: "Para
estes, a idéia de arte viva é permanente foco de resistência, trazendo suas
variações irônicas e, às vezes, dolorosas."
As
influências diametralmente opostas de Tânia Pedrosa e Lucy Brandão (1961-2000)
sobre Lula, em termos de cultura ou estilo de vida social, também contam
bastante no processo de constituição do artista. De um lado, Tânia (como socialite,
galerista e pintora) a lhe garantir todas as portas abertas do high society
alagoano; e, do outro, Lucy (uma espécie de Safo-underground) a lhe saciar a sede
boêmia de escândalo e cerveja nos bares contraculturistas de Maceió e
adjacências... Desde 2007, esta "poetisa vanguardista" tem sua
presença registrada num dos verbetes mais bem elaborados do "Dicionário
Mulheres de Alagoas: ontem e hoje", das acadêmicas Enaura Quixabeira e
Edilma Acioli. E, acompanhada por um de
seus poemas, ela aparece num dos quadros de Lula Nogueira, em grande formato,
no qual o vivartista homenageia a nostálgica Praça Gonçalves Lêdo, situada
entre o centro da cidade e o bairro do Farol, com seus transeuntes e moradores inesquecíveis.
Na
referida obra, um dos quadros mais ternos e luminosos de Lula, Lucy está
representada transitando pela praça de vestido e sapatos vermelhos. Uma alusão
implícita, sem dúvida, à personalidade forte, rebelde e transgressiva da citada
poetisa; mas, também, à personagem principal - livremente associada no quadro à
Lucy - do filme "A Dama de Vermelho" (The Woman in Red), estrelado e
dirigido, em 1984, por Gene Wilder, que deu o Oscar de melhor canção (I Just
Called To Say I Love You) para Stevie Wonder.
Lucy,
que em 2000 já era uma poeta e repentista urbana precocemente falecida, teve
também em 2006 sua criatividade reconhecida, por Antônio José Rodrigues Xavier
(o Tony), numa dissertação de mestrado em Literatura, defendida na UFAL, intitulada:
"Musas e Moscas na produção poética de Lucy Brandão: contracultura, tensão
dissonante e hibridismo cultural". Uma massuda pesquisa que tardou, mas
chegou. Pena que não a tempo da poeta estudada ter tido a chance de lê-la.
É
de Lucy Brandão os seguintes versos criados especialmente para Lula Nogueira,
num ensolarado dia da década de 1980, nos quais a poeta diz: "Lula
luz-do-sol/Coqueiros e paz/na ilhahulu-lante/de massa-gueira/quero-quero/sabiá de
mangues/e quintais; canoas, caminhas/por sobre as águas salobras/de lagoas de
Mundaús/ao sul de Maceió/Você tão só!/com suas aquarelas; casinha/de janelas,
saúde, paz/encontro-te nesta paisagem/pássaro com tua responsabilidade/com pincéis".
Todas
essas experiências e interações sociais impregnariam o moço artista para o
resto da vida dele. Não é por acaso que, vez em quando, Lula relê com emoção
estes versos de Lucy e, até hoje, guarda exposto em um de seus studios de
criação um trabalho dele próprio, em pequeno formato e em óleo sobre tela, no
qual ele retrata uma típica família de retirantes nordestinos. E assim ele faz
como uma forma talvez de selar um discreto compromisso ideológico, no sentido mais
positivo do termo. Ainda que este, na sua trajetória, só se concretize de fato
na realidade figurativa de suas telas.
Uma
realidade que também pode nos ajudar a formular aquelas "verdades
perigosas" (Serge Moscovici, 2003) a partir, inclusive, da observação sistemática
dos aspectos mais profundos e desconhecidos
da nossa realidade psicossocial. O que certamente nos fará mudar nossas idéias
de cultura alagoana, a partir do enorme estoque de imagens criativas que o
vivartista Lula Nogueira nos oferece por sua 'mania' de interpretação. Em
agosto de 1982, essa mania, movida pela vontade política de provocação e
ruptura no domínio da arte em Alagoas, fez Lula, como curador e galerista
associado a Petrúcio França, antecipar a oposição entre "vivartistas"
e "chalitistas" antes mesmo do Grupo Vivarte ter sido criado. Ciente
das circunstâncias competitivas e dos problemas sociais implícitos decorrentes
destes, na Maceió-artística de então, ele organizou uma exposição que
posicionou, dialeticamente, na sua (hoje extinta) Galeria Grafitti, as obras de
duas personalidades artísticas antipodais: os pintores Gaspar Luiz e Manoel
Viana.
O
primeiro representando os valores da sociedade senhorial nordestina do século
XIX (isto é, a chamada "açucarocracia") e o segundo a classe dos
trabalhadores rurais do sertão e do agreste alagoanos. Entretanto, avaliando
hoje, quase trinta anos depois, a atual situação - Francisco Oiticica (2007), um
artista e intelectual oriundo dessa açucarocracia, que à época freqüentava assiduamente a Galeria Grafitti,
diz: "[...] a gente aumentou o fosso, agora, entre essa classe média
insipiente e as oligarquias. E mais: diante desse fosso aumentado, o que está
acontecendo é uma aberração, que é um pacto entre as oligarquias e as classes menos
favorecidas, que estão - não somente em Alagoas, mas em todo Brasil -
unidas." E complementa: "Estamos vivendo uma situação sui generis: passando
por cima da mediação, oprimido e opressores se deram as mãos na produção dessa riqueza,
que é altamente concentradora, de poder, que é essa riqueza baseada no modelo
agro-exportador, que consome nossos bens naturais, nossos recursos
naturais."
A
exposição de Gaspar e Viana na Grafitti foi um dos inícios do despertar
político da Maceióartística e uma das provas definitivas de que o espírito de
"Vivarte" é também anterior e posterior ao grupo que, sem dúvida,
viria a ser a sua melhor ilustração. Como estamos a ver, já data da época da ditadura
política em nosso País a simpatia de Lula Nogueira por idéias de escopo
revolucionário nas ciências sociais; assim como, também, na história da arte,
por aqueles movimentos criativos que são verdadeiros 'aluviões de mudança' a
arrastarem tudo consigo. Como foi o caso em Alagoas, por exemplo, das chamadas
"Cruzadas Plásticas" (1987-1988): uma série de "mostras
alternativas", correlatas das reuniões itinerantes do Grupo Vivarte, nas
quais uma delas intitulava-se: "Abstratos-caetés".
E
nem por isso, tal movimento inovador para a Maceió-artística deixou de ter a
compreensão e o apoio de Lula. Nem mesmo enquanto Benedito Ramos (1988), um
crítico de arte e pintor figurativista, alarmava sobressaltado num importante jornal
local que: "A primeira impressão que temos é que um aluvião de mudanças
vem tragando cada vez mais as referências figurativas de nossos artistas."
Pois na concepção reacionária de Ramos (1987):
"Tudo o que vem
para contrariar regras possui um fascínio marginal e o gosto das coisas
impróprias." E diz mais: "Ao alterar o conceito inicialmente
estabelecido qualquer nova ordem pode ser abruptamente subjugada dentro dos
parâmetros de uma sociedade conservadora. (...) Por conseguinte, quem buscar a
CRUZADA como um trampolim promocional está frito."
Foi
por essas e outras que, há quase vinte anos, Lula Nogueira vive uma espécie de
quase autoexílio voluntário em sua "ilha-hulu-lante" (Lucy Brandão,
1987), no povoado humilde da Massagueira: um pedaço de chão insular, na lagoa Manguaba,
onde o artista, contudo, nos recebe de braços abertos e ao som da canção Dans
Mon Île, interpretada por Caetano Veloso.
Lá, uma obra de sua
autoria, em tinta acrílica sobre tela, que se encontra abrigada na pequena
casa-museu da ilha,
comprova pela própria experiência do vivartista a hipótese poética de Lúcio Cardoso
- "A ilha é o inacabado" -, para transformá-la em teoria.
E
isto, como que tornando também propriedade privada de Lula Nogueira os seguintes
versos de Carlos Moliterno (em A Ilha): "Vejo os mansos regatos que eram
frios/agora rubros e ferventes, e/pássaros que fogem espavoridos/da ilha que é cratera
e o céu também,/enquanto vou do sonho para a morte,/desabado no pó do chão da
ilha." Uma ilha, no caso específico de Lula, cheia daquele charme discreto
da burguesia ilustrada da Ilha de Caras; mas, no fundo e ao mesmo tempo, sempre
esperançosa e receosa de um dia se tornar uma lenda como se tornara a ilha de
Fidel. Por isso que a ilha de Lula "é" também, como na certa diria
dela ainda Moliterno (e agora faço minha as palavras desse poeta!): "[...]
um longo apelo sublevado,/um apelo de inventos impossíveis,/ que ao meu destino
amorfo se incorpora,/e onde peixes e pássaros deliram,/numa festa de escamas e
de penas/e onde encontro perdida a minha
face". Ora: a
"ilha-hulu-lante" é, como todas as ilhas, mais desejo do que fato.
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