Um depoimento para o futuro
Este é um espaço do blog para quem desejar, deixar uma lembrança para o futuro.
Esta é uma lembrança de vida da zona rural da Boca da Mata em Alagoas; são os nossos tempos de vida que aparecem, uns aqui e outros ali e todos diferentes. Esta é a beleza: a diferença que nos faz existir. Karina é dos lados do Cariri, sendo uma boa memorialista e pintora.
A HAPPY CHILDHOOD
Un'infanzia felice
Una infancia feliz
Une enfance heureuse
LEMBRANÇA DE UMA INFÂNCIA FELIZ
Karina Cavalcante Dâmaso Garboggini
Infância na fazenda, recordações felizes onde a liberdade, a tranquila, a natureza, a convivência em família, me acolhia de forma harmônica e saudável construindo em mim a beleza de um saber puro e eterno, que através desses rabiscos venho relembrar.
Fui
criada na fazenda e na cidade, porém na fazenda meu mundo era especial,
colorido e infinito, cheio de possibilidades e mistério, um mundo a ser
descoberto a cada dia, um mundo onde a imaginação, curiosidade e criatividade
reinavam.
Fazenda
São Francisco do Cariri, no município de Boca da Mata/AL, local onde minhas
raizes fincaram, local do meu coração e das minhas alegrias da meninice. Foi
correndo pelos campos, rodagens, subindo em árvores, andando de bicicleta, brincando
no balanço na mangueira, subindo nos sacos de adubo da casinha, sendo carregada
no carrinho de mão, ou na carroça, ou ainda no caminhãozinho de madeira,
brincando de chimbra (bola de gude) com os primos, carrinho, amarelinha, fazendo
bolinhos e comidinhas em cacos de coco, criando bichinho com legumes e frutas (como
meu pai fazia em sua época de moleque), brincando com bruxinhas de pano, de
roda, pega bandeira, corrida de saco, pega-pega, esconde-esconde, banho de
bica, de açude, de rio, futebol no cercado, ouvindo histórias de trancoso pelo
Mané Bicho, e as mais variadas histórias por meu avô Jorge, as visitas às
fazendas dos parentes e amigos, as festas, as explorações de matas e serras da
região lideradas por meu tio Valdir, Moacir e painho Marcelo, e tantas outras...
, são retalhos do passado ainda tão presentes na memória, ricas lembranças que
me enchem de emoção.
Viver a infância na fazenda alicerçou em mim um caráter sólido, uma alma pura, uma visão simples do mundo, além de bons exemplos de vida. A convivência com primos, tios, avô paterno, parentes, moradores, empregados, bichos, natureza, me mostraram que a simplicidade é o verdadeiro caminho para a felicidade e paz de espírito.
Na
casa grande moravam muitos velhos, irmãos solteiros ou viúvo(s) de meu avô,
todos acolhidos por ele na grande casa da fazenda. Nos fins de semana a casa
enchia, a família saia da cidade e se reunia na casa grande, nessa época muitos
parentes e amigos tinham o costume de visitar uns aos outros e meu avô adorava
toda essa movimentação, muita roda de conversa, prosa, poesia, política, música,
rolava de tudo, conversas sérias e conversas divertidas, adorava estar em meio
deles, me sentia importante. Sempre atenta a tudo, com curiosidade e inocência.
Vovô
era um bom homem, no fim de semana, não deixava seus netos e moleques sem um
troquinho para comprar doces no barracão, era uma farra, corriamos ansiosos
para comprar peito de velha, quebra queixo, pirulito de açúcar e outras guloseimas,
daí nos deliciávamos sentados nas raízes das cajazeiras centenárias da fazenda.
São
tantas recordações e lembranças felizes e curiosas, uma das mais marcantes era
a festa de Natal no fim do ano, onde meu avô abria a fazenda para todos da
região, era tanta gente por todo canto, a fazenda virava uma cidade, tinha
corrida de saco, pau de sebo, cavalhada, banda de pífano, muitas atividades
para todos, e ainda a atração principal a chegada do Papai Noel, que era o Mané
Bicho fantasiado, havia distribuição de presentes e muito mais, só acabava a
noitinha.
Hoje
tenho uma filha, moramos em Recife e sempre que podemos visitamos meus pais na
fazenda Maná (desmembrada da Fazenda Cariri, por herança), é gratificante ver
sua alegria e sorriso ao chegarmos lá, ela se sente livre, abraça os avós e corre
logo para o jardim, o galinheiro, a casa do morador. Lá os brinquedos são
outros, o pedacinho de pau, as pedrinhas, as bruxinhas de pano, os carrinhos de
sucata (confeccionados pelo morador da fazenda), os bichos..., tudo é diversão.
Lá ela esquece o tablete, a TV, e até seus brinquedos da cidade. O colo da vovó
é melhor do que o da mamãe, os braços dos titios a acolhe com carinho e o amor em
família reina nos trazendo a felicidade tão almejada.
A meu ver, nenhuma
tecnologia dos tempos modernos é capaz de se sobressair ante as brincadeiras
saudáveis ao ar livre, os banhos de bica ou de mangueira no jardim, dar milho
as galinhas, cuidar dos bichos, aguar as plantinhas no jardim, brincar de lama
e fazer bolinhos, correr no terreiro sem se preocupar em ser atropelado,
brincar com crianças, sejam elas pobres ou ricas, a simplicidade do ambiente, o
acolhimento das pessoas, a igualdade de tratamento entre elas é que traz a
harmonia entre homem e natureza, corpo e alma, infância e vida adulta.
A vida é um
recriar. Cada época tem suas criações. Mas reviver na minha infância coisas e
brincadeiras da infância de meus antepassados, e poder passar esse legado de
cultura e simplicidade para minha filha não tem preço, viver nossas raízes é
perpetuar nossa história.
Recife, 08 de janeiro de 2016
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