Minhas lembranças são um quebra cabeça (II): uma advinhação de São João
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Yes, a have mother and father
Eu
sou filho de Manoel de Almeida e Maria José de Almeida, ambos de Capela, beira
do Paráiba. Mamãe ainda era prima do meu pai, pois ela era filha de Fausto
Vieira de Almeida, irmão da Tia Vidinha, a que casou com o Major Dionísio da Capela,
irmão de Caetana Maria de Albuquerque, a minha avó Dondon. Diziam os povos da
Capela, que o Major era rico demais; no verão, para que o dinheiro não mofasse,
ele abria as burras e deixava tudo tomando banho de sol. Fausto, segundo diziam
– e a crônica era gerada pela Dondon –, era meio irresponsável, gostava de um
pé de bode, jogava pernada, mulherengo. Não era partido para a irmã do Major.
Mas festa de São João é coisa arteira e a Dondon andou fazendo adivinhação e já
viúva e quem sabe virgem pois o casamento foi breve, o marido levando uma
mordida de cobra, chegando em casa carregado numa rede e logo se arroxeando e
foi saindo desta para melhor.
As perguntas que nos fazem
Um dia, conversando com o Roberto Santos sobre patati e patatá, tomando um café que ele fez questão de pagar sob o argumento de que comeu mais do que eu, eu lhe disse: Olhe, eu acho que a gente vai tentar responder no trabalho científico de adulto, os tipos de pergunta que se armazenam em nossa formação pessoal. Se as perguntas – e elas obrigatoriamente não são registradas claramente – que eu me fui fazendo, me levassem para a física, possivelmente eu seria um físico.
Roberto Santos é um grande físico, uma inteligência finíssima. Eu mantenho; havendo engenho e arte para dar respostas, vamos atrás das perguntas que tínhamos guardadas. Para mim veio o senso do histórico; para ele, veio o senso do físico. E engraçado, sempre achei que falávamos com línguas diferentes, as arquiteturas de pensamento para chegarmos ao real. Ele fala a física, ele se importa sobretudo com a energia e eu com uma forma de movimento no tempo feito pela minha avó Dondon, ela mesma uma tensão na ordem dialética. Eita porra, fui longe... Como dizia o Wilson Simonal: Vamos voltar à pilantragem! Mas antes, quero registrar que ele, entre cafés e sanduíches deu-me uma bela aula sobre a natureza e importância dos erros férteis na construção científica.
Voltando à pilantragem
Papai e Mamãe |
Ele era casado com a Dindinha Mariquinha; ela contada como santa e ele
como danado. Diziam os mais antigos, que quando Mariquinhas morreu, os bois
choravam no reservo e vieram escravos de todas as partes para chorarem sua morte.
Foi muito triste e nem sei onde ela foi enterrada, quem sabe lá pelos lados da Gameleira?.
Pois bem, voltando a conversa, a viúva estava sem filhos e firulitando na Capela. Não sei em que ano o Dindinho Neo morreu. Vai que São João ajuda a descobrir verdades. A Dondon fez adivinhação para saber quem seria seu marido, que não era tonta e nem queria ficar eternamente viúva. Um dia, ela estava na casa da Tia Vidinha, bateram, foi atender e voltou correndo: “Vidinha. É o homem da adivinhação. É com ele que vou me casar!”. A sorte foi lançada e resultada também; nem precisa dizer, que o homem era o vovô Fausto de Almeida. Todos os três já viajaram. Dondon deve ter sido de velhice; Vidinha de um câncer não sei por onde e Fausto morreu do mesmo mal. O inferno está de diabo com nome de câncer. Meio dia, o sol quente, Fausto foi e tomou um copo de caldo de cana picado. Suado, além de muito mais coisa, tibungou no Poço do Pai Pedro e já tiraram roxo. Este era um modo de não falar naquele nome: o câncer. O velho teve foi na garganta e deve ter morrido numa profunda agonia.
Dizem
os mais velhos, alguns antigos, que estes Albuquerques vieram pelos fins do
século XVIII lá dos lados do Bom Jardim e por conta de uma seca braba; gente
que veio descendo lá de Pernambuco e quem sabe no rumo do Papacaça bateu dentro
de Quebrangulo, um pulo só para Viçosa e Capela e mesmo para Atalaia mais lá
embaixo, que tudo era da mesma água do Rio Paraíba do Meio, a piaba que se
pegava em cima era prima da que se pegava
mais para baixo. Já os Almeidas estão seguramente pelos finais do século
XVII, últimas lidas de guerra com os Palmares, vindos de Antônio Roiz Vieira
que mandou buscar sua mulher em São Paulo e ela subiu navegando em uma sumaca e
apareceu a Dona Inácia de Almeida Braga.
Antônio
Roiz Vieira pediu confirmação de sesmaria na bagatela de três léguas em quadro,
com centro na Barra do Porangaba e deles é que vieram os dois fantásticos
Antônio de Almeida Braga; um era conhecido como o velho, o edificador do
Flexeiras no dizer saberoto do primo
Wenceslau de Almeida; o outro era o Antônio de Almeida Braga, o chamado
caudilho, o do Tamoatá que liderou a Revolta de Imperatriz, passando e muito
pelos lugares da também fantástica povoação do Arrasto de Santa Efigênia. O
Almeida Braga novo, o neto, o caudilho, o do Tamoatá escreveu um incrível artigo intitulado Ódio Velho não Cansa! É uma peça extraordinária para se discutir a mentalidade e as regras
que faziam comportamentos e expectativas do senhorial daquele tempo.
Uma
vez quando conversava com um parente dos antigos, ele me disse: “Caboclinho –
assim me chamavam – aquilo era um tempo brabo da peste! Ou a gente resolvia ou
era resolvido!”. Foi deste tempo que comecei a tomar gosto para entender a
ética senhorial, aquela que tem a coragem pública de argumentar que Ódio velho não cansa!, semelhante a dizer que vingança é um prato que se come frio.
Foi por aí que tudo se chamava resolver negócio: ou resolvia ou desse adeus. Ninguém se achava criminoso, especialmente
quando batia na honra da família. E ouvi muito, no pé e na cabeça do ouvido, sobre a existência de categorias radicais como
família e é do seu sangue: “É seu sangue,
meu filho!”.
Ainda bem que dá minha geração por diante – quem sabe pelos efeitos das mudanças urbanas – e a começar por mim, todo mundo é frouxo. Não nasceu alguém brabo. A gente só deu para paz e amor, uma antecipação alagoana da geração dos ripongos. A veia Dondon, mãe de minha mãe, dizia brincando mas com uma ponta de reclamação: “Na família da gente acabaram-se os homens!”. Ainda bem, que é tudo frouxo, digo eu escrevendo estas mal traçadas linhas. Tio Lourenço – não o tio Lourencinho – que, quando mexiam com ele, era mais brabo do que siri dentro de uma lata, mas um verdadeiro lorde britânico da Capela, Arapiraca e adjacências pelos modos e educação finíssima que tinha, vivia de pagode e dizia: “Mãe, Almeida virou marca de cachaça!” e criou para a geração dos filhos e dos sobrinhos, um lema de família.
Lembro
de uma cachaça em um carnaval e acho que foi na Pinguim, lá na cabeça da Praça
de Arapiraca e Tio Lourenço já estava p’rá lá de tungado, usando uma bermuda
mas de chapéu na cabeça e dos bons; foi com ele que aprendi a usar chapéu: “Caboclinho,
você não sabe como é bom tirar o chapéu p’ra uma menina. Bote esse aqui e
experimente!”. E não é que era bom mesmo! Mas pois bem, apois a conversa foi
indo, e tudo quanto era assunto foi passando e eu ficando nos limites de
sobrinho que não era besta de passar deles. Aí, conversa vai e conversa vem – a
bebida entre nós sempre foi a limpa, mas ali só tava sendo cerveja, treco que ninguém
bebe, só urina ou só é para verter água, como se usava dizer –, Tio Lourenço sai com uma de suas pérolas e
resume os tempos novos: “Savinho, meu
filho, fica assim: Almeida quando não pode peida!”. E aí o kikiki e o kakaka tomaram o tempo do resto da tarde.
Tío Cícero e Tia Antônia |
Olá,meu grande mestre Sávio Almeida,passei por aqui pra beber um pouco da sua sabedoria e fiquei muito feluz com suas histórias.Um forte abraço!!! Ibysmaceioh.
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