Luiz Sávio de
Almeida
Pois era assim o Tio Lourenço;
nasceu na Capela e foi bater em Limoeiro de Anadia, onde a minha tia mais nova
foi ser professora. Dondon caminhou com ela e carregou o Tio Lourenço que era
de idade próxima à de Tia Lurdes, começando sua vida de professora pública. As
duas jamais se largarão, até que a vovó morre, ainda compenetrada de ser do
Apostolado da Oração, a fita vermelha no pescoço, o missal na mão, a roupa
preta, o cabelo liso e comprido caminhando para a Matriz de Arapiraca, onde, em
tempo de festa, fiz diversas presepadas.
Tio Lourenço foi andando na vida, plantador de fumo, crioua Cooperativa dos Fumicultores de Arapiraca, foi professor, político,vereador em Arapiraca e era considerado uma das inteligências locais,vivendo do Cartório, tendo casa na XV de Novembro se não me engano, e um sítio na Lagoa do Pé Leve onde morava, também, a Dindinha Nini. Era casado com a Tia Vassi, teve diversos filhos, amigos meus e infelizmente com dois mortos. Acho que sobraram o Sussu e que ainda mora na Lagoado Pé Leve, vivendo atividades espirituais e artesanato, o Roberto que sempre foi ligado a mim, morando no Recife e médico, além de outro médico que mora em Campinas, São Paulo. Esqueci o nome dele agora: tou brôco.
A última vez que vi a Tia Vassi foi no hospital, véspera de sua morte. Ofegava, deitada numa cama, à espera de alguma coisa. A impotência no leito de morte é algo essencialmente trágico. Com todo o respeito e afeição, pedi a bênção, mas ela não mais falava e nem os olhos estavam abertos. Ela estava tão somente deitada, estirada e com um pingo de vida soprando no corpo. Uma mulher que lutou e fico pensando o quanto não passou de problemas quando Tio Lourenço esteve preso nos tempos do Muniz Falcão.
A última vez que vi Tio Lourenço, ele estava
deitado, acabado, a bem dizer sem respirar, numa cama,assistido pela Tia Vassi.
E eu: Bença tia, bença tio. Ela puxou acadeira, eu me sentei e ele sorriu. Ela
me deu um abraço. Ele tossia muito mas, vejam só, o maço de cigarro estava na
mesinha de cabeceira, onde também estavam um copo d'água e os remédios. A Tia me
cutucou, como quem dissesse: Meu filho, eu não posso fazer nada! E com a carreira dos olhos ela me dirigiu para a carteira de cigarro. Entendi e arrisquei de leve: "Diga Tio, ainda no cigarrinho né?". Como escreveu o poeta no caso do vestido, a boca não disse palavra.
A sua disse? A minha é que não. Eu sabia que havia recebido um respostão e ele atalhou: "E você meu filho, veio ver seu tio?". Realmente eu tinha ido a Arapiraca somente para vê-lo; peguei o cavalo que deixei amarrado na porta da casa e rumei para Maceió. E na viagem pensava como teria de deixar de fumar. Sem querer ou talvez querendo, Tio Lourenço salvou minha vida, pois fui amadurecendo a coragem de largar o cigarro, o que fez de tempos para frente.
Eu não sei se foi no enterro do Rosival ou do Roberval. Sei que foi a última vez em que vi Tio Lourenço e digo que me arrependi. Vi a caveira e acreditem que foi uma dor imensa estar com o patético dos ossos de quem se quer bem. Tio Lourenço, Roberval, Rosival, Roberto e Tia Vassi são referências na minha vida, pois convivemos muito quando crianças. Roberto eu nunca mais vi, somente no dia em que a Tia Vassi morreu. Lamento profundamente ter perdido contato com os filhos dos meus primos. Acho que hoje em dia, a relação íntima de família é muito tênue. Meus filhos podem passar por eles, e nem saberem que os pais tiveram uma vida muito unida quando criançaS.
Eu também me incomodo muito com esta falta de contato de minha filha com os filhos de pessoas com as quais compartilhei infância, juventude, vida. Não sei como remediar isso e se tenho que me preocupar com isso. Mas o sentimento da não continuidade de uma amizade fraterna, alegre, camarada, fica como algo que eu deveria me preocupar e encaminhar de algum modo. E não sei.
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