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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Luiz Sávio de Almeida. Memória e Cotidiano (IV). Viventes das Alagoas



 


Os cabelos da vovó

            Pois era assim o Tio Lourenço; nasceu na Capela e foi bater em Limoeiro de Anadia, onde a minha tia mais nova foi ser professora. Dondon caminhou com ela e carregou o Tio Lourenço que era de idade próxima à de Tia Lurdes, começando sua vida de professora pública. As duas jamais se largarão, até que a vovó morre, ainda compenetrada de ser do Apostolado da Oração, a fita vermelha no pescoço, o missal na mão, a roupa preta, o cabelo liso e comprido buscando o rincão de Deus na  Matriz de Arapiraca, onde, em tempo de festa, fiz diversas presepadas, uma das quais,  o tradicional limão na frente do terno de zabumba.
            
               Tanto Dondon quanto a Nini tinham cabelo comprido, p’ra baixo mesmo da cintura e aquilo dava um trabalhão; cuidar do cabelo era um ato de recato e, ao mesmo tempo, de infinita paciência. Lurdes e Maria José eram bem mais modernas, já foram do tempo do cabelo americano e do a le  garçonne, embora não tenham ousado tanto. Muitas vezes vi minha avó e tia Nini sentadas ou em pé, a cabeleira puxada para frente por sobre os ombros, os cabelos feito feixes e segurados à  altura do colo, sendo alisados e oleados devagar, passando um pente que a tudo desembaraçava. Era uma atividade doméstica, de dentro da casa, parte da higiene do corpo que sempre foi protegido; minha avó usava dentro de casa, um preto bufento, uma saia que chegava  pelo mocotó e uma espécie de blusão de mangas chegando ao começos das mãos.

               Para o dia a dia, aqueles cabelos eram amarrados à altura da nuca, mas quando necessário, havia a maestria de serem traçados belíssimos cocós, presos com esmeradas marrafas. Marrafa às vezes caprichadas, casco de tartaruga com engates de prata e ali, a segurar o intrincado do cocó maravilhoso. Cuidar daquele cabelo, era uma ciência aprendida com as avós e Dondon trazia para Arapiraca os tempos da Dindinha Mariquinhas nas terras, quem sabe, do Minhuns. Eu nunca soube das origens da Mariquinha que era Sampaio. Minha avó parece que era aparentada com o Sampaio Marques e se for assim, devo ser primo da Mulher da Capa Preta. Sampaio Marques era de São Miguel dos Campos.

              
Dindinha Leda
Mas vamos pensar nos cabelos de minha avó e de minha madrinha Nini. Um cocó bem feito é uma das mais agradáveis imagens do universo, como se a cabeça portasse um imenso ninho de um pássaro de beleza sem igual: o pássaro cocó, e quando a cabeça balança junto com o manejo do corpo, a marrafa vira-se em um encantamento sutil que somente os iluminados podem sentir. Os modernizantes sumiram com a marrafa: nunca mais vi uma e ela parece ter sido deveras ameaçada quando em 1920 aparece o garçonne ou quando o cinema trouxe o corte americano.

               Para você ver como a vida é.  Quem teria hoje tempo para cuidar de um cocó? As coisas foram começando, mudando, vem o cinema, mostra um bando de gente com o cocoruto da cabeça do lado de fora e passa a ditar moda com muito cabelo parecendo de galinha peruana. Na minha forma de ver as coisas, quando se tem modos de massa, tem-se o impacto do diferente, a vontade de ser ele e o mundo vai tendendo a se tornar a popularização do igualmente diferente. 

              
Meu avô Fausto
O cinema mudo chegou na Capela e até houve o Cine Ceci, do qual o véio Fausto foi  porteiro e minha mãe assistia os filmes de graça. Mas antes passava gente por lá e no caminho que se poderia esperar de cortejo que se fazia às rotas das invenções, o povo pegava o trem e  saía da Capela para ver o cinema falado em Maceió.  Não é novidade saber da invasão do corte americano aqui e ali.

               Contava-me o véio Propício lá da Vitória do Periperi da Boca da Mata, que seu pai costumava contar a conversa entre um velho e seu filho que havia ido a uma festa na redondeza:

               - E tinha muita caboclinha?
              - Tinha meu pai!
               -  Do cabelo americano:
               -  Tinha meu pai!
               - Ah o veinho lá!
               - Mas da meia noite pro dia
               -  Começou um desafio...
               -  Vixe meu fio!
               - Ah o veinho fora de lá!
           Sou fanzoca desta história, do senso da mudança no cabelo da mulher. A marrafa era de tamanho diferente, material diferente, mas todos tinham, os dentões que se encravavam no monte de cabelo ou no ninho do pássaro cocó. Para um cocozinho, uma marrafinha, para um cocozão, um marrafão. E não era somente gente rica que usava a tal marrafa; Gilberto Freyre fala em um anúncio sobre fuga de escravo em que se encontra a indicação do uso.

             Era colocar o cabelo para enfrente e com maestria enrolar e colocar a marrafa e sem saber, eu presenciava séculos naqueles gestos que deveriam ter tomado a energia de muitas e muitas mulheres. Mas a palavra  significava, também, uma forma de deixar os cabelos arrumados, uma madeixa  sobre a testa. Mas o comum era o pente para o cocó. Engraçado, para os homens eu me lembro de uma coisa que até hoje não entendo a razão do nome. A divisão que se fazia no cabelo masculino, chamava-se de liberdade, abrir a liberdade. O cabelo feminino tinha o cocó e o masculino tinha a liberdade.  Bom para a liberdade era um pente comprido e estreito, pela possibilidade de avançar mais no território dos cabelos.
         
O Príncipe Danilo
Quando eu era meninote em Penedo, lembro de um corte de cabelo logo nos tempos da Copa do Mundo: o corte chamava-se Príncipe Danilo e fiz o cabelo inúmeras vezes, com o Jorge Barbeiro, famosa e querida lembrança que tenho do Penedo.

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