Os cabelos da vovó
Pois era assim o Tio Lourenço;
nasceu na Capela e foi bater em Limoeiro de Anadia, onde a minha tia mais nova
foi ser professora. Dondon caminhou com ela e carregou o Tio Lourenço que era
de idade próxima à de Tia Lurdes, começando sua vida de professora pública. As
duas jamais se largarão, até que a vovó morre, ainda compenetrada de ser do
Apostolado da Oração, a fita vermelha no pescoço, o missal na mão, a roupa
preta, o cabelo liso e comprido buscando o rincão de Deus na Matriz de
Arapiraca, onde, em tempo de festa, fiz diversas presepadas, uma das
quais, o tradicional limão na frente do terno de zabumba.
Tanto Dondon quanto a Nini tinham cabelo comprido, p’ra baixo mesmo da cintura
e aquilo dava um trabalhão; cuidar do cabelo era um ato de recato e, ao mesmo
tempo, de infinita paciência. Lurdes e Maria José eram bem mais modernas, já
foram do tempo do cabelo americano e do a le garçonne, embora não
tenham ousado tanto. Muitas vezes vi minha avó e tia Nini sentadas ou em pé, a
cabeleira puxada para frente por sobre os ombros, os cabelos feito feixes e
segurados à altura do colo, sendo alisados e oleados devagar, passando um
pente que a tudo desembaraçava. Era uma atividade doméstica, de dentro da casa,
parte da higiene do corpo que sempre foi protegido; minha avó usava dentro de
casa, um preto bufento, uma saia que chegava pelo mocotó e uma espécie de
blusão de mangas chegando ao começos das mãos.
Para o dia a dia, aqueles cabelos eram amarrados à altura da nuca,
mas quando necessário, havia a maestria de serem traçados belíssimos cocós,
presos com esmeradas marrafas. Marrafa às vezes caprichadas, casco de tartaruga
com engates de prata e ali, a segurar o intrincado do cocó maravilhoso. Cuidar
daquele cabelo, era uma ciência aprendida com as avós e Dondon trazia para
Arapiraca os tempos da Dindinha Mariquinhas nas terras, quem sabe, do Minhuns.
Eu nunca soube das origens da Mariquinha que era Sampaio. Minha avó parece que
era aparentada com o Sampaio Marques e se for assim, devo ser primo da Mulher
da Capa Preta. Sampaio Marques era de São Miguel dos Campos.
Dindinha Leda |
Para você ver como a vida é. Quem teria hoje tempo para cuidar de um
cocó? As coisas foram começando, mudando, vem o cinema, mostra um bando de
gente com o cocoruto da cabeça do lado de fora e passa a ditar moda com muito
cabelo parecendo de galinha peruana. Na minha forma de ver as coisas, quando se
tem modos de massa, tem-se o impacto do diferente, a vontade de ser ele e o
mundo vai tendendo a se tornar a popularização do igualmente diferente.
Meu avô Fausto |
Contava-me o véio Propício lá da Vitória do Periperi da Boca da Mata, que seu
pai costumava contar a conversa entre um velho e seu filho que havia ido a uma
festa na redondeza:
- E tinha muita caboclinha?
- Tinha meu pai!
- Do cabelo americano:
- Tinha meu pai!
- Ah o veinho lá!
- Mas da meia noite pro dia
- Começou um desafio...
- Vixe meu fio!
- Ah o veinho fora de lá!
Sou
fanzoca desta história, do senso da mudança no cabelo da mulher. A marrafa era
de tamanho diferente, material diferente, mas todos tinham, os dentões que se
encravavam no monte de cabelo ou no ninho do pássaro cocó. Para um cocozinho,
uma marrafinha, para um cocozão, um marrafão. E não era somente gente rica que
usava a tal marrafa; Gilberto Freyre fala em um anúncio sobre fuga de escravo
em que se encontra a indicação do uso.
Era
colocar o cabelo para enfrente e com maestria enrolar e colocar a marrafa e sem
saber, eu presenciava séculos naqueles gestos que deveriam ter tomado a energia
de muitas e muitas mulheres. Mas a palavra significava, também, uma forma
de deixar os cabelos arrumados, uma madeixa sobre a testa. Mas o comum era o pente para o
cocó. Engraçado, para os homens eu me lembro de uma coisa que até hoje não
entendo a razão do nome. A divisão que se fazia no cabelo masculino, chamava-se
de liberdade, abrir a liberdade. O cabelo feminino tinha o cocó e o masculino
tinha a liberdade. Bom para a liberdade
era um pente comprido e estreito, pela possibilidade de avançar mais no
território dos cabelos.
O Príncipe Danilo |
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