Histórias da Vovó: a mulher mais gorda do
mundo
Discorde
quem quiser, mas a mulher mais gorda do mundo, assim contam os mais velhos,
esteve em Palmeira dos Índios, cidadezinha pacata do interior de Alagoas que,
diferente do litoral, não tem os ares exalando maresia e muito menos a beleza
das praias. Embora lindo, o mar não faz falta a um lugar tão bem situado como a
terra de Tilixí e Txiliá e de mestre Graça.
Imagine,
caro leitor, um grande vale encravado no meio das serras e gentilmente gotejado
por açudes, nascentes e riachos. Mentalize ainda, nesse ambiente interiorano,
uma cidade com ruas irregulares, um modesto comércio, aldeias indígenas, fazendas
grandes e pequenas e a boa e velha política dos currais. É nesse ambiente que
encontramos diversos personagens, que se possível fosse gastarias linhas e mais
linhas até esgotar o assunto.
Pois
bem! Vamos à nossa história.
Particularmente,
me sinto curioso com as conversas de porta que as senhorinhas travam no fim das
tardes. Isso mesmo, falo daquele costume de contar mexericos, fofocas, causos
e, por que não falar, das histórias reais que se tornam causos a cada ponto
acrescentado. Necessário dizer, que mais curiosa ainda é a forma que essas
histórias são contadas.
Dessas
histórias de porta e calçada, destacarei uma em especial. Como mencionei antes,
a mulher mais gorda do mundo viveu em Palmeira dos índios e discorde quem
quiser, eu acredito. Seu nome era Inocência Colatino e tive a oportunidade de
ver uma fotografia sua durante uma visita no Museu Xucurus, que reúne diversas
peças e entre elas objetos de personagens curiosos que já passaram por aqui.
Certo
dia, ao voltar do museu, passei na casa da minha avó e decidi lhe perguntar
sobre a existência de Dona Inocência Colatino e também saber mais sobre a
interessante figura que, de acordo com os jornais, comia nada mais, nada menos,
que seis quilos de carne de uma única vez!
Como
esperado, as informações não bateram e minha avó me falou o seguinte:
Um
quilo de charque! Eu quem ia comprar mais uma moça véia que trabaiava na casa
dela. Ela passava lá em casa:
—
Ou dona Emília! – que era o nome da minha mãe
—
A senhora deixa Terezinha ir mais eu?
Pra
Rainha, que era distante de Rainha Isabel.
Aí
eu ia pra Rainha, de pé, mas não é longe não donde a gente morava, no sítio
pilãozinho pra Rainha. Aí todo dia era um quilo de charque, ela se sentava era
em três cadera, era três! Aquela, um corpão assim... bem assim! Aí ela se
sentava ali, e um dia eu cheguei lá – Beta era deste tamanhinho – Aí eu fui, da
igreja eu passei por lá: E aí dona Inocência ? Inocência o nome dela. Como é que a sinhora tá?
—
Tô aqui, Terezinha, vou levando devagarinho.
Ainda
tá nessa vida?
—
Tô, minha fia, comendo muito e me acabando! E tem que comer, porque a fome me
chama.
A
necessidade lá por dentro, ela dizia assim, me chama! Ela sentava, botava o fio
dela, que já morreu também, botava um panelão, assim, de leite num banco, uma
concha e uma xícra deste tamanho! Ela tomava a base de umas três xícra de
leite, que dava uns três litro.
Aí
ficou, aí eles ficaram acabado. Acabou-se tudo... tudo, tudo, tudo! Aí
acabou-se tudo que eles tinha, aí o governo comprou uma casa aqui, passou pra
eles e botou ela aqui. Eu ia visitar ela, fazia dó! A cama, de solteiro, era assim que chamava,
era dessa largura aqui, daqui praqui! Pra poder dá espaço pro povo virar ela,
entendeu?
Mas
tinha um pratinho lá. Eles botava um pratinho alí, pra todo mundo que chegasse
ajudar. Quando era dia de domingo, todo mundo que ia visitar ela deixava
dinheiro.
Como
você pode perceber, a história, colhida durante entrevista e aqui transcrita é
um resultado da combinação de história, realidade e toda a imaginação que foi
possível aos 68 anos de minha avó, dona Terezinha. Vale lembrar que durante sua adolescência,
nos anos 60 e 70 era comum andar a pés para outras vilas e povoados próximos à
Palmeira dos Índios.
Dona
Inocência, existiu de fato, mas as histórias que permeiam essa existência fazem
parte do imaginário local e mostram que as memórias dos mais velhos são, para
os jovens que mostram interesse e respeito, como baús que guardam preciosos
tesouros, a saber, moedas de sabedoria.
Para
finalizar, é importante dizer que as histórias e os personagens não terminam
por aqui. “A mulher mais gorda do mundo” é apenas uma de muitas histórias
interessantes e que não podem ser esquecidas, pois o que seria da nossa
infância sem as visitas na casa da vó e sem os fins de tardes largados nas
varandas e alpendres exercitando a imaginação enquanto de sua cadeira de balaço
ouvíamos, em tom simples e sincero as mais curiosas histórias. Até a próxima.
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