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sexta-feira, 6 de junho de 2014
Maceió: grota e periferia. Pau d'Arco
A Grota do Pau dArco I fica no final da Rua Santa Luzia, onde se localiza o Quilombo, que teima em sobreviver e conseguirá. Nós podemos dividir a Grota em duas porções: a da Praça e a posterior em destino ao Reginaldo. Na altura da Praça, parece estarem as melhores construções e é a parte mais antiga da região. O Pau dArco I tem, portanto, desnível interno de condições de moradia, embora que não se pode falar de diferença de renda. A direção do Reginaldo tem casas em piores condições, mas isto não diferencia pela renda, parecendo que houve mais tempo de investimento nas residências da outra porção.
Sua posição característica leva a que não se articule com outra Grota, em termos de divisa, desde que seu acesso é o Reginaldo e a noroeste se encontra a Avenida Afrânio Lages. A leste, correspondendo à subida da Santa Luzia, fica a Coronel Para- nhos, a grande linha divisória do Jacintinho. O Pau dArco tem seu nome derivado de uma árvore que existia na região e que ficava na subida que vai dar na Afrânio Lages, área ainda hoje de baixa ocupação, pois a Grota começou a estruturar-se entre a vala e a Praça e ah adensou suas construções.
No fundo, ao tratarmos da história das grotas, especialmente verificada a partir das histórias de vida, nós encontramos o que vamos chamar de um padrão de ocupação e uma variação no que há de pessoal. Os processos biográficos são diferentes, mas o social tende a se repetir, pois é uma história, na verdade, que se faz entre uma pobreza a sobreviver e o poderio econômico urbano. Assim, por exemplo, a história do Pau dArco I se interliga à da Bananeira na questão da conquista de serviços pela comunidade.
Eis um traço das Grotas que aparece em todos os depoimentos: a tentativa de cerco ao poder para a conquista do mínimo de serviços: o que seria trivial aparece na história construída sobre o lugar e pelo lugar, como feito praticamente resultante de batalhas, de constância no pleito. É assim que surge a água, a luz. É como se os depoimentos ao falarem do coletivo estivessem demonstrando e acentuando os serviços públicos como sinal evidente da marginalização do território no contexto urbano, gerando a movimentação em busca de solicitações ao poder, Isto significa que a grota pelos depoimentos, entende que a marginalização urbana do território requer, para ser vencida, atitudes cooperativas e busca de representação política de seus interesses pela instituição de entidades que, via de regra, fracassam.
Como em toda e qualquer Grota, os moradores têm que traçar estratégias de sobrevivência e nelas, é possível, que o considerado legal pelo sistema não seja por eles entendido desta forma. Na verdade, o sistema manipula condições. Um exemplo está nos chamados gatos. A comunidade vem pleiteando a regularização do fornecimento de energia elétrica: não há uma resposta aos abaixo assinados, às solicitações, segundo é reclamado. No fundo, por uma questão moral, não são os moradores que se locupletam da coisa pública: ela é que é negada a eles que pedem a regularização e neste sentido, acontecendo o estranhamento jurídico entre um cidadão que precisa e um estado que nega. Além do mais, até mesmo eles são prejudicados, por não terem os triviais comprovantes de residência.
A penetração urbana dos evangélicos demonstra-se nas Grotas. Os crentes formam um grupo identificado nas relações de vizinhança. A urbanização desigual contém a penetração das Igrejas em um território que era predominantemente católico e marcado pela presença do Padre Cícero e do Frei Damião, entes do cotidiano sagrado nordestino e dos pobres urbanos de Maceió. Em parte, o crescimento aconteceem face do vazio dos serviços católicos, da impossibilidade de se multiplicar centros de agregação, do mesmo modo como acontece com os protestantes das diversas denominações. Parece acontecer maior flexibilidade de ação dos evangélicos do que por parte da Igreja Católica. Talvez uma das razões de perda católica, esteja na manutenção de solenizações que ficam longe do trivial simples do cotidiano local.
A história urbana de Maceió ao se renovar, tem que partir em busca desses conjuntos considerados marginais que não foram e nem poderiam ser considerados em clássicos como Craveiro Costa, o primeiro a nosso ver a transformar a cidade em matéria de análise, fora da linha almana- quista de Moira, Moura, Espíndola. Aliás, a primeira geografia médica trabalhada em Alagoas - e que foi dos meados do século XIX -, possivelmente pela sua ênfase no miasma, traça uma imagem das áreas pobres, o quenão faz Craveiro e nem o Manoel Diégues Júnior que se anexa ao clássico.
Difícil será entender a grota sem vê-la na perspectiva da economia política; elas não são um acaso, mas parte de uma circunstância global de desacerto estrutural da sociedade maceio- ense. E são os mesmos critérios que desacertam, aqueles que levam ao preconceito, na imensa confusão que patrocinam entre pobreza e criminalidade. E como se ali, na grota, estivessem os detestáveis bandidos, locais da criminalidade. Não é isso. Uma grota é uma terra de muito suor e de muita decência; não pode ser confundida com seus bandidos. Se confundir um espaço com seus bandidos, ai de ti Maceió assaz pecaminosa...
Faz tempo, andou em larga evidência, um tipo de antropologia que tratava de uma questão: a cultura da pobreza. Dela, metodologicamente, deu boa conta o Oscar Lewis, com poucos livros traduzidos no Brasil. A sua leitura é fantástica, tanto pela beleza de estilo quanto pela forma como sonda o mistério das famílias, os encontros e desencontros. Havia, contudo um problema: o pobre era culpado por ser pobre. A cultura das Grotas pode ser uma cultura da pobreza, mas muito mais do que isto, é um processo histórico de empobrecimento. As Grotas são parte deste empobrecimento, do modo como as pessoas são tornadas pobres.
Este painel que pretendemos, ao mostrar a singularidade de cada vida demanda que elas não sejam vistas como fragmentos, mas como interligação; o vazio entre elas é aparente, todas se implicam não somente por estarem no meio da pobreza mas pór um fato fundamental e simples: são as vozes narrando o empobrecimento que foi gerado em cada uma história de vida e isto nos permite definir a Grota de uma forma mais íntima a seu contextotodas as Grotas são histórias de vida e elas significam a ideia de espaço. Elas se definem por conter vidas e estranhamentos no mesmo lugar.
Nasci em 0,6 de setembro de 1930, em Manguaba no Pilar. Minha mãe morreu quando eu era pequeno; tive irmãos de criação. Fugi de casa com doze anos, sai do Pilar porque não tinha mãe, vim só com um bocado de matutos que iam passando e pedi “Vocês estão indo para onde?”, “Estamos indo para Satuba!”, “Pode me dar uma carona no jegue”, “Sim!” Deram-me, isso faz muito tempo, minha história é longa.
Caminhando cheguei em Jaraguá, entrei num armazém para passar a noite e no outro dia procurar meu rumo, mas acabei ficando por lá. Conheci uma senhora que me ajudou muito, fiquei dormindo com ratos, morcegos. O filho dessa senhora disse assim “Mãe, vamos ajudá-lo porque é trabalhador!” Fiquei lá um tempo, depois chegou um rapaz e me levou para Ipioca para trabalhar com cal. Andei muito pelo meio do mundo ajudando os outros e me ajudando. O meu trabalho era encher um balaio de pedra e subir uma escada... Deus sempre comigo! Meu pai e minha mãe sempre foram Deus. Eu não tinha para onde ir, o armazém era minha casa, dormia no almoxarifado no meio de pá, enxada. Ai chegou a idade de me apresentar no Exército, era uma fila de cem homens de um lado e cem do outro; então chegou o tenente e o capitão, os que iam ficar, ficava, os que não iam para casa, no meu caso o armazém. Como estava adoentado fiquei internado no hospital do Exército. Quando fiquei bom o major me chamou “O senhor mora aonde?”, moro na Pajuçara, “Em qual canto?”, “Em um armazém”.
Trabalhava de dia e dormia de noite no armazém, depois o dono não queria mais pagar. Eu reclamei “Dr.° Antônio se não pagar a gente direitinho vou embora”. Fiquei abusado com ele e pedi as contas. Sai de lá e fui para a casa de meu irmão em Ipioca, mas tinha indo para São Paulo. Encontrei um amigo que me chamou para sua casa, não queria ir: “Você têm filhos...”, não deu certo lá. Daífui para a casa de uma prima na Garça Torta, Generosa o nome dela, já morreu.
Estou desde os doze anos a sofrer, aqui e acolá. Aí arrumei essa menina, estamos casados há 45 anos, tivemos doze filhos. Quando casei estava com 36 anos e ela 16 anos. Demorei em casar porque estava escolhendo, a obrigação do homem é namorar muito, namorei muito, e procurar a certa e a honesta. Hoje está difícil arranjar um casamento fixo.
Quando vim morar aqui já tinha três filhos, os outros nasceram aqui. Aí em cima tinha uma senhora que dava assistência (parteira, VCR) muito bem, morava na rua do Arame, irmã Lurdes. Eu trabalhava na Socôco e morava na casa da minha cunhada lá em cima e que tinha esse terreno, perguntou se eu não queria morar, perguntei quanto queria e ela cobrou 500 cruzeiros. Paguei. Isso tudo aqui era mato, um sítio.
Não tinha água aqui, íamos para umacacimba aqui perto com água limpa. Minha mulher lavava roupa, pegava água para beber. A gente chamava os vizinhos, se reunia aqui na porta para conseguir o que precisava. Era eu, o Cícero barbeiro (morreu), a mãe de Teresa (morreu), muita gente já morreu. Hoje temos água e luz, mas agora temesse buraco. Não havia esse buraco, eu atravessava. Essa água que passa que fez o buraco vem dessasdessas
Já teve fatos tristes aqui. Já tive a chance de vender essa casa, mas Deus não quis. Construí esse barraco, criei doze filhos, morreu dois: um afogado e o outro mataram. O que mataram foi porque procurou, se não tivesse procurado estaria vivo como eu.
Meu nome é Manoel Henrique, tenho 51 anos, nasci em São Luís do Quitunde, sai com dois anos e fui para Matriz de Camaragibe. Com treze anos vim com minha família toda para Maceió, meu pai construiu uma casinha aqui na Grota do Pau dArco.
Esse esgoto começou ali na rádio 96 FM. Quando vim morar aqui nem uma rua dessa de cima era asfaltada, tudo de barro. Quando vieram asfaltar as ruas esse buraco já existia. Cícero Almeida, o prefeito, trabalha em frente ao perigo. Ele nunca foi um homem para vim aqui olhar o que esta acontecendo. Fizemos uma reunião para fazer um abaixo assinado, teve cerca de 40 pessoas, para levar a rádio 96 FM e entregar na hora do programa dele. Ficou, vai, não vai, de 40 sobrou uns 15 ou 20, então não adianta porque se todas estão morando no perigo, tem que ir todas.
Nesse tempo teve vários prefeitos que, vinham e olhavam, o presidente da associação também e diziam que no próximo ano ia mudar. Vou dizer uma coisa a senhora: tá com uma faixa de mais de 30 anos que moro aqui, ai chega um candidato, entra na minha casa, olha e diz “Seu cadastramento está feito, no ano que vem o senhor vai sair daqui”. A situação cada dia fica pior e a gente não sai daqui. Minha casa tem uns seis cadastramen- tos, tenho casa “garantida” no Benedito Bentes, no Conjunto Carminha, no Conjunto Sorriso I e II, Eustáquio Gomes e nessa brincadeira estou aqui até hoje.
Quando voltei para morar aqui meus filhos eram pequenininhos, hoje tem 16 e 15 anos, estou vendo a hora deles se casarem e eu ficar aqui. Eu não tenho condições de sair daqui e comprar uma casinha melhor em outro lugar, porque ganho apenas o salário. O salário que ganho só dar apara assumir a casa, tenho meus filhos com 15 e 16 anos, tenho que fazer tudo por eles, porque o perigo de um filho é nessa idade. Tem que ter o pai e a mãe em cima deles, senão vai na onda dos outros, ai termina dando prejuízo ao pai e a mãe. O que ganho é suado, não posso fazer minha casa. Se cair a parede do fundo vai ter que diminuir a casa, para frente não posso fazer mais porque é caminho. Isso aqui não é sobre eu, e sim todos.
Os moradores criaram uma uma cacimba aqui perto com água limpa. Minha mulher lavava roupa, pegava água para beber. A gente chamava os vizinhos, se reunia aqui na porta para conseguir o que precisava. Era eu, o Cícero barbeiro (morreu), a mãe de Teresa (morreu), muita gente já morreu. Hoje temos água e luz, mas agora temesse buraco. Não havia esse buraco, eu atravessava. Essa água que passa que fez o buraco vem dessas ruas de cima. Aqui usava candeeiro para ter energia, falamos com a esposa do Suruagy e do Major Luís.
O fato mais alegre que aconteceu aqui é porque a maioria do povo é crente. É um povo que respeita Deus, que merece nossos maiores elogios. Deus não é menino, é um Deus, é poderoso! Nós não fazemos nada por ele, mas ele faz tudo por nós. Minha maior alegria é ele aqui (apontou para o coração, VCR).
Já teve fatos tristes aqui. Já tive a chance de vender essa casa, mas Deus não quis. Construí esse barraco, criei doze filhos, morreu dois: um afogado e o outro mataram. O que mataram foi porque procurou, se não tivesse procurado estaria vivo como eu.
A prefeitura fez uma escada ali no beco. Os dois presidentes da associação de moradores que teve aqui não fizeram nada, só souberam embolsar o dinheiro. Nunca teve escola, nem posto de saúde. Será que esse governador vai fazer? Eu duvido. O governador trabalha muito pela cidade, mas pela periferia não. Ele faz pelo recanto, para deixar o “mais ruim” no mesmo lugar: sem nada.
A Associação, só teve dois presidentes. Se tiver seis ou sete anos é muito. O associado pagava três reais por mês, pagava para ver a melhoria da grota. Os moradores do Pau dArco é quem sabe o que está passando. A associação daqui vive parada. Para comprar um barraco dentro do Pau dArco tem que pagar R$ 8.000,00 e viver na beira do buraco. Daqui a pouco ele chega na porta dela e não vai valer mais nada.
Tinha um camarada aqui da Associação de Moradores que todo ano quando batia o inverno chegava a minha porta com 30 ou 40 metros de plástico para revestir a barreira. Quando estava chovendo “emparava”, mas com dois dias de sol o plástico já se rasgava porque era fraco. Quando dá uma chuvazinha de duas ou três horas de relógio pesada a água sobe para mais de dois metros. É uma água fedida, preta, ninguém agüenta ficar dentro de casa.
O fato mais triste está com uma faixa de seis anos, estava aqui dormindo, começo do inverno, a barreira desabou, gritei: “Acorda gente que a casa está caindo!” Metade da barreira caiu e os fundos de minha casa. A casa de minha irmã caiu e ficou na rua. Ela é crente, chegou às igrejas pediu ajuda, os pastores deram o material e eu tive que construir de novo no mesmo cantinho. Não teve um vereador, um deputado, um prefeito que dissesse se aqui caiu, não faz mais nesse lugar.
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