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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Stela Valéria Cavalcanti. 5 anos da Lei Maria da Penha. Conquistas e desafios

 

 

 

 

Este texto foi publicado em Contexto de 9 de outubro de 2011 em Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.

 

 5 anos da Lei Maria da Penha. Conquistas e desafios
 

Stela Valéria Cavalcanti
 

A violência contra as mulheres é um problema que atinge crianças, adolescentes, mulheres adultas, e idosas em todo o mundo. Decorre, principalmente, das desigualdades nas relações de poder entre homens e mulheres, bem como da discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família.


Até poucas décadas, a sociedade e o poder público não tinham grande preocupação em prevenir e reprimir a violência doméstica. O assunto era tratado como um problema privado das famílias, que dispensava a intervenção do Estado. O movimento feminista teve participação marcante na conquista dos direitos civis e políticos, lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de direitos humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação e violência, tanto nas leis como nas práticas sociais.
 

A violência doméstica e familiar destaca-se no panorama mundial como um dos maiores obstáculos à efetivação dos direitos humanos das mulheres. Dela decorrem as seguintes espécies: violência física,
psicológica, sexual, moral e patrimonial.
 

A partir da Constituição de 1988 houve uma grande mudança de paradigma, pois o Estado saiu da condição de mero espectador para assumir o dever de promover ações preventivas e repressivas destinadas a combater a violência no âmbito das relações familiares. Entretanto, o art. 5o. da Constituição Federal de 1988 que instituiu a igualdade formal entre homens e mulheres, não conseguiu diminuir as desigualdades e os índices de agressões praticadas contra as mulheres, pois, especialmente a violência doméstica continua em patamares epidêmicos no país.
 

Dados da Organização Mundial de Saúde - OMS, insertos no relatório divulgado pela Anistia Internacional, aponta que 70% dos assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por homens com quem elas tinham ou tiveram algum envolvimento amoroso e que no Brasil, de cada 100 mulheres brasileiras assassinadas, 70 são no âmbito de suas relações domésticas. Pesquisa realizada em 2009 pelo Instituto Ibope/ Avon concluiu que a violência doméstica está no topo das preocupações das mulheres brasileiras 56%, seguido da Aids 51%, violência urbana 36% e câncer de mama 31%.
 

A violência doméstica compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e 10,5% do PIB do Brasil, já que a mulher agredida falta ao trabalho e ainda faz uso do sistema de saúde pública para tratamento médico, sendo considerada, portanto, problema de saúde pública.
 

Vários fatores contribuem para isso, entre eles: a ineficiência do atendimento prestado às vítimas pelo sistema de justiça; a exigência de representação oferecida exclusivamente pela mulher; a insuficiência das políticas públicas de proteção e assistência às vítimas e seus familiares, bem como pela ausência de programas sociais voltados ao tratamento dos agressores.
 

A efetiva proteção dos direitos humanos demanda não apenas políticas universalistas, mas específicas, endereçadas a grupos socialmente vulneráveis, enquanto vítimas preferenciais da exclusão. Isto é, a implementação dos direitos humanos requer a universalidade e a indivisibilidade destes direitos, acrescidas do valor da diversidade.
 

O grande desafio do novo milênio é como atuar para que o reconhecimento dos direitos humanos seja capaz de gerar políticas públicas e ações eficazes que concretamente contribuam para a plena fruição desses direitos por parte das mulheres, proporcionando-lhes uma vida livre da violência.
 

A Lei Maria da Penha, n. 11.340/2006, foi idealizada com o- objetivo geral de contribuir para o efetivo combate às várias formas de violência doméstica e familiar. Seus objetivos específicos são: prevenir, coibir, punir com maior rigor e contribuir para a proteção das vítimas da violência doméstica no Brasil, cumprindo, assim, com os tratados e convenções internacionais já ratificados pelo país.
 

A Lei Maria da Penha consagra um novo microssistema jurídico de enfrentamento da violência doméstica e familiar. Embora se trate de diploma recente, muito já foi feito por sua efetivação: criação de juizados de combate à violência doméstica e familiar em vários Estados da Federação; núcleos de atendimento especializado nos Ministérios Públicos e nas De- fensorias Públicas; ampliação das redes assistenciais de proteção; aplicação das medidas protetivas de urgência em favor das vítimas e contra os agressores, entre outras. Pesquisas recentes apontam que 68% da população brasileira conhece a lei, dos quais 83% reconhece sua eficácia no enfrentamento à violência doméstica e proteção da unidade familiar (Instituto Patrícia Galvão).
 

O tratamento legal diferenciado em favor da mulher em situação de violência doméstica está em consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, como a
cidadania e dignidade da pessoa humana, impondo a intervenção do Estado, voltada para erradicar a violência de gênero e promover a igualdade material entre os homens e mulheres.
 

Não é somente a integridade física da mulher que é protegida, mas a sua própria dignidade. Nesta situação específica de violência contra a mulher, a lei especial é necessária, bem como é legítima a atuação do Estado.
 

Após cinco anos de vigência, a Lei Maria da Penha foi considerada pelo UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher - como uma das 3 legislações mais avançadas no mundo (Relatório Global “Progresso das Mulheres no Mundo de 2008/2009).
Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o número de processos de mulheres contra a violência doméstica aumentou 150% entre 2006 e 2011. De lá para cá, foram mais de 110 mil processos, que condenaram quase 12 mil homens
 

A lei, que conta com 80% de aprovação da população, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abra- mo realizada em 2011, aumenta, por exemplo, em três vezes a pena para lesão corporal leve em âmbito doméstico. Além disso, acabou com a troca de detenção para autuados por pagamento de multa ou cestas básicas.
Desde a criação da lei, a central de atendimento à mulher, o Ligue 180, do Governo Federal, já recebeu 240 mil denúncias. A maioria relatou ser agredida pelo marido e na frente dos filhos.
 

São cinco anos de paz para uma das vítimas. Antes da Lei Maria da Penha, ela não conseguia se livrar da violência do ex-marido. “Antes, ele me agrediu, eu dei parte, ele pagou uma cesta básica e voltou a me agredir. Logo depois que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, ele foi preso”, lembra. Outra vítima espancada durante a gravidez, conta que conseguiu que o marido fosse proibido de chegar perto dela. “Não tenho contato nenhum. E uma nova vida. E uma vida sem violência”.
 

Nesses cinco anos, a Lei Maria da Penha já deixou uma lição: o mais importante para quem sofre violência doméstica é denunciar logo, denunciar cedo e evitar que uma ameaça ou uma agressão verbal se transformem em uma tragédia.
 
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Não há dúvidas que a Lei Maria da Penha trouxe instrumentos importantes para uma postura pró- ativa do Estado brasileiro perante o problema da violência contra a mulher, dando-lhe instrumentos de atuação mais eficientes para a realização da justiça em seu significado mais profundo, não apenas como a aplicação fria e cega de regras, mas como um instrumento de mudança social em prol da emancipação do ser humano em sua completude.

 

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