Translation

domingo, 15 de junho de 2014

Lautheney Perdigão. Depoimento para a história: César, goleiro do CRB




Texto publicado em Contexto de 19 de fevereiro de 2012 em Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.




Um pequeno bilhete sobre futebol

Luiz Sávio de Almeida

Mais uma vez, o  futebol aparece em Contexto sob  a batuta do maestro Lautheney Perdigão e  agora balanceando o que é do  CSA e o que é do CRB. Houve uma grande transformação no futebol de Alagoas, com o deslocamento do papel de Maceió; antes o interior não estava consolidado, apesar do que acontecia em Penedo, mas atualmente, ninguém pode negar a importância de posições como a de Arapiraca a partir de uma brilhante reestruturação do ASA. Isto significa, que há massa de capital suficiente para sustentar a profissionalização, redistribuída territorialmente. Alguns locais parecem ter fracassado nesta sustentação, como é o caso de Palmeira dos índios e a minha querida Capela.

A relação entre capital e futebol é estreita: poder de sustentação de profissionais, pagamento de massa salarial e outras despesas de monta. Os clubes não conseguem mais viver sem o merchandising. A camisa está alugada E interessante ver a transformação do símbolo e a própria resignificação de termos no mundo do futebol. Perdeu em densidade expressões como amar a camisa, sua a camisa, dar a alma pelo time e por aí vai. É que o universo do futebol cada vez mais se dilui em mercado. Bom, Contexto tem se beneficiado e muito da participação de Lautheney Perdigão que se prepara para um blog do Museu, que merece ser acessado por todos nós. Hoje ele nos traz a história de César, goleiro que marcou época. Ser goleiro é algo dificílimo e requer, a meu ver, um enorme senso de ângulos. O goleiro é um geômetra, um calculador de ângulos. Foi uma posição em que nunca pisei. Fui ruim em outra, eu era péssimo em tudo mas especialmente onde eu teimava em jogar: center- half. Não sei como se chama hoje. A bola era quem jogava e não eu.

Apesar de tudo, continuo amando o futebol e vendo sentido em declarar minha ligação com o CRB e com o Flamengo, coisa bem semelhante ao Toroca. Acho que foi por conta do Toroca que me deram um título de Sócio Honorário do CRB. É isso, Toroca?
•Sávio Almeida

 

 
Depoimento para a história: César, goleiro do CRB

Lautheney Perdigão


Defender uma bola que vem alta, rebater de soco ou fazer uma ponte, são coisas que um bom goleiro deve saber fazer para não errar. Socar uma bola no ar não é tão fácil quanto pode parecer. Exige uma coordenação de movimentos muito grande, principalmente se o goleiro usar apenas os punhos. E todo bom goleiro precisa ser tranquilo, elástico e voador, quando necessário. Carlos César tinha tudo isso e mais alguma coisa. Seguro, correto, profissional compenetrado de seus deveres, primando sempre pela disciplina, César sempre foi querido pelos companheiros e respeitado por dirigentes e torcedores. Nasceu no dia 22 de setembro de 1954. Estudou no Colégio Guido. Sempre gostou de uma boa música e é fã de Roberto Carlos.
Começou nos juvenis do CSA em 1971. A oportunidade surgiu através de um convite do amigo Capeta. No clube do Mutange se deu bem e logo era titular da equipe.

O técnico era Gerson que o incentivava bastante. César ganhava vinte cruzeiros por semana. No momento da reforma do compromisso dos dirigentes azulinos, prometeram um aumento e não cumpriram. O tempo foi passando, surgiu um convite do CRB que lhe garantiu uma boa gratificação e César se transferiu para Pajuçara.

No clube alvirrubro, assinou um contrato de gaveta que deram entrada na Federação em março de 1973. Durante dois anos atuou pelo juvenil do clube. Formou ao lado de Jeová, Ailton, Marcus, Jorge Siri, Roberval Davino, Capeta, Everaldo e outros, um dos melhores times da categoria. Graças as suas boas atuações no gol do time juvenil o treinador Jorge Vasconcelos começou a colocar César no banco de reservas nos jogos do time principal. Sua estreia se deu contra o ABC de Natal no jogo de entrega das faixas aos Campeões Alagoanos de 1972. Jorge Vasconcelos foi o técnico que acreditou em seu futebol. Ofereceu a Cesar as grandes oportunidades que ele soube aproveitar. Quando era escalado como titular, sentia- -se muito bem.
 
CRB - Tetracampeão

Fisicamente estava excelente. Tecnicamente lhe faltava experiência. Isso ele foi conquistando com os jogos. E a partir do jogo contra o Bahia no Campeonato Brasileiro de 1973, Cesar se tornou titular absoluto do CRB. Honesto e aplicado nos treinamentos, o jovem goleiro começava a ter o gostinho de ser ídolo de uma grande equipe.

Houve um período que Cesar poderia ser transferido para o Flamengo do Rio de Janeiro. Seria uma grande chance para o jovem goleiro. Acontece que os dirigentes do CRB acharam que era muito cedo para sua saída da Pajucara. Sua inexperiência poderia lhe prejudicar no futebol carioca, porem prometeram que no futuro poderiam facilitar sua transferência. No começo, Cesar ficou chateado. Jogando no futebol carioca, ao lado de grandes craques, ele poderia aprender bastante. Mas, como bom profissional, acatou as ordens de seus superiores.

Continuou defendendo a meta do CRB com uma frieza que, as vezes, amedrontava seus torcedores. Quando o perigo rondava sua area, ele se mantinha calmo, procurando se colocar de acordo com o rumo da bola. Uma de suas qualidades era a de não ficar nervoso. Por isso, inspirava confiança a todos os seus companheiros. A chegada do novo goleiro Jonas serviu de incentivo para Cesar. Ele era o titular. Tinha confiança em si mesmo e para Jonas tomar seu lugar tinha que provar em campo que era melhor do que ele. A sombra de Jonas fazia com que ele treinasse mais, cuidasse-se mais. E Cesar se tornou amigo de Jonas. A rivalidade era apenas no campo.


Nem sempre os chutes contra seu gol sao motivos para fazer pontes sensacionais ou voos espetaculares. Cesar preferia as defesas mais simples e sem complicações. Para impedir que a bola ultrapassasse sua meta era necessário muito treino, muito preparado físico, muito talento. Para Cesar, o chamado gol frango era normal. E como se um atacante perdesse um gol feito. Todos falham e o goleiro também.

O gol perdido e sempre esquecido e o frango passa a ser uma triste lembrança para o goleiro que falhou. Na historia do futebol, ate os grandes goleiros falharam. Ele era favorável à concentração, porque nem todos os atletas eram responsáveis. No CRB, foi tetracampeao nos anos de 1976. 1977. 1978. 1979.

No ano seguinte, o clube da Pajucara poderia ser pentacampeao. Na penúltima rodada, em jogo realizado na cidade de Arapiraca, o CRB enfrentou o ASA. Quando o marcador era de 2x2, aconteceu um pênalti a favor do clube da Pajucara. Cesar foi para a cobrança e perdeu.

Se o CRB vencesse, jogaria pelo empate na rodada final contra o CSA. Com o empate, quem jogou com a vantagem foi o clube azulino. Para Cesar, o pênalti perdido contra o ASA não teve muita repercussão depois da partida. Afinal, o clube ainda tinha um ultimo jogo. Depois do clássico com o CSA, o qual ganhou o campeonato com o empate, e o CRB perdeu o tão sonhado título, foi que começaram os comentários. “Quem devia ter cobrando o pênalti era o Joãozinho Paulista”, “Se Cesar tivesse feito o gol o CRB teria sido penta”. Coisas assim ele ouviu muito.


Suas grandes atuações no Brasileiro de 1980, principalmente depois do jogo contra o Paysandu, quando Cesar fechou o gol, chamou a atenção do treinador João Avelino, que indicou seu nome para Osvaldo Brandão que estava reformulando o plantei do Corinthians. Veio a Maceió um empresário que tomou informações sobre Cesar junto a torcedores, cronistas e dirigentes. Nem precisou observar Cesar jogando. O goleiro alagoano estava contratado pelo Corinthians. No inicio, financeiramente não foi muito bom. No CRB, ganhava quarenta mil e tinha casa, comida, a família e os amigos. Assinou com o Corinthians sem luvas e cem mil por mês, contudo pagava apartamento, comida, não tinha a família ao seu lado e os amigos estavam longe. Tudo era compensado pelas gratificações que recebia por vitorias. Muitas vezes as gratificações mensais eram maiores do que o salário.

No Corinthians teve bons e maus momentos. Treinava muito, pois tinha que mostrar servico. A imprensa paulista e a torcida corinthiana achava que Cesar era um goleiro baixinho. Mesmo sem ligar para algumas criticas, ele treinava mais que os outros. Entre 1981 e 1983, Cesar vestiu a camisa do Corinthians com muito profissionalismo. Seu grande momento no futebol aconteceu no dia 14 de marco de 1982, quando o Corinthians enfrentou o Internacional de Porto Alegre no Morumbi. Os paulistas venceram por 1x0 e Cesar fechou o gol.

CRB 1982

A torcida gritava seu nome e ele ganhou todos os prêmios de maior jogador da partida. Na segunda-feira, os jornais só falavam em Cesar:
“A Cesar o que e de Cesar” - “ As mãos de Ouro” - “O pequeno grande Cesar” - “O Dia em que Cesar foi herói corinthiano” - “Corinthians supera Inter em tarde de Cesar” - “Nunca vi coisa Igual”.

Essas foram algumas manchetes de jornais de Sao Paulo depois do jogo contra o Internacional. Cesar foi uma muralha. Era reconhecido na rua, dava autógrafos, chegou a fazer parte da lista de 40 jogadores pre-inscritos para a convocação de Tele Santana para a Copa de 1982. Era uma felicidade que parecia não ter fim. Dias depois, um chute sem maiores pretensões do lateral do Grêmio de Porto Alegre foi exatamente em cima de Cesar que falhou e o gol foi marcado. O goleiro jura que a bola não entrou.


Foi um jogo noturno e o juiz somente marcou o gol porque o bandeirinha apontou para o centro do campo. Se no domingo tinha sido herói, naquela noite passou a ser o vilão da fiel torcida. A derrota tirou o Corinthians do campeonato e, desclassificado, Cesar foi dispensado. Depois do jogo contra no Grêmio, Cesar ficou conhecendo como e o tratamento de dirigentes com os jogadores.

O diretor de futebol do clube era Adilson Monteiro que depois dos jogos sempre lhe procurava para os tradicionais tapinhas nas costas e a promessa de boas gratificações. Depois do jogo com o Internacional, Adilson só faltou colocar Cesar nas costas e sair correndo pelo gramado. Quando o jogo do Grêmio terminou, o diretor fez que não viu o goleiro. Logo depois, Cesar era emprestado ao Juventus.
  
A posição de goleiro é difícil e ingrata. Quando toma um gol defensável é o bandido, o estraga festa ou simplesmente o frangueiro. Na alegria das vitórias nem sempre são lembrados pelas belas defesas. As atenções são voltadas para os artilheiros. Dificilmente acontecem casos como aquele de César contra o Internacional, já que no jogo seguinte o melhor pode virar o pior. As mãos que aplaudem são as mesmas que jogam pedras. César foi emprestado ao Juventus de São Paulo onde teve grandes atuações. O clube da rua Java- ri estava pronto para comprar seu passe que pertencia ao Corinthians.


César não teve paciência de jogar em um time considerado pequeno como o Juventus e isso atrapalhou seu trabalho em São Paulo. Poderia continuar jogando e depois conseguir um clube de maior torcida. Magoado com as críticas de certa parte da imprensa e da torcida do Corinthians, preferiu retornar a Alagoas e assinar contrato com o ASA de Arapiraca. Foi uma boa passagem pelo clube alvinegro, afinal estava perto da família e dos amigos. Não foi melhor, porque o ASA tinha problemas que eram passados para o plantei. Depois, foi jogar no Flamengo do Piauí. Foram dois anos e meio de muito sucesso. Foi campeão e sempre como o melhor goleiro do campeonato. Criou grandes amizades e tinha o crédito de todos daquela cidade. Retornou para Maceió e lembra com muita saudade o período quem vestiu a camisa do Flamengo.

Para César, o melhor treinador foi Jorge Vasconcelos. Com ele aprendeu muito. Jorge era um técnico exigente, mas justo. Seus jogadores eram seus amigos. Por isso, o time foi muitas vezes campeão com ele. Quando César chegou no Corinthians, encontrou Osvaldo Brandão. Um bom técnico, entretanto na hora do aperto sempre procurava colocar a culpa nos jogadores mais humildes. Tecnicamente, o melhor foi Candinho. Ainda no Corinthians, encontrou um goleiro que não era flor que se cheirasse. Chamava-se Rafael. Tinha jogado no Coritiba e achou que seria o titular.

Na reserva, não falava com César e procurava, de todas as maneiras, criar problemas para o goleiro alagoano. Por ser um atleta disciplinado e que não discutia com arbitragem, César nunca foi expulso de campo em mais de dez nos de profissão. Ele pretende receber o prêmio Belfort Duarte que foi instituído para os atletas mais disciplinados do nosso futebol. Outro episódio que tira César do sério, é quando se comenta sobre a Máfia da Loteria. No início dos anos oitenta, o radialista Flávio Moreira o denunciou como integrante da Máfia da Loteria.


Apesar de logo depois seu nome ter sido retirado da lista, o boato se espalhou e muita gente olhava atravessado para ele. Foram momentos difíceis de sua vida. Quando se fala sobre o assunto, César duvida que alguém possa acusá-lo novamente. Para aqueles que o conhecem, sabem do comportamento de César dentro e fora dos gramados. Todavia, a injustiça serviu para realçar sua grande virtude: a personalidade. Lutando calado em meio à tempestade, sem lamentar ou lançar acusações precipitadas, ele continuou dando duro nos treinamentos.

Apesar de tudo, valeu a pena passar mais de dez anos jogando futebol. Fez muitas viagens, conheceu países lindos e desfilou seu grande futebol em estádios normalmente lotados. Um rapaz que saiu de Maceió para jogar no Corinthians, um clube que tem uma das maiores e fanática torcida do mundo e começar a viajar de Jumbo para conhecer países com  costumes e tratamentos diferentes. O México foi aquele que mais o impressionou.

Um povo que ama o futebol e sempre lota seus estádios. César conta que foi na cidade do México que fez sua maior defesa como goleiro.
Um chute forte, um pulo para o lado, a bola desviada para o outro e ele teve que voltar e fazer sua grande defesa. Como todo mundo, César também teve suas grandes emoções. Conquistar o tetracampeonato pelo CRB jogando nos quatro anos consecutivos foi bom demais. No ano do tetra, o clube tinha como base jogadores da nossa terra. Eram sete os nossos jogadores. Apenas Deco, Mundinho e Flávio vieram de outros Estados. O CRB passou um sufoco nas três últimas rodadas, mas valeu a pena. E o título chegou no clássico contra o CSA, quando o CRB venceu por 2x0. Conquista de título derrotando o tradicional rival tem um gosto mais especial.






Nos dias de hoje Cesar vive na Barra de São Miguel onde atende com muito carinho os turistas que visitam aquela hospitaleira cidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário