Texto publicado em Contexto de 11 de março de 2012 em Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.
UM PEQUENO BILHETE SOBRE livros infantis
Contexto dedica sua edição de hoje aos livros
infantis, em texto elaborado por Simone Cavalcante, editora, escritora e
jornalista, com mestrado em Estudos Literários pela Ufal. Simone produziu os
programas Autoria e Caralâmpia, voltados à divulgação da literatura na TV
Educativa de Alagoas. Autora dos livros: A cultura alagoana para crianças,
Literatura em Alagoas, Os segredos da mata, Bob no país das verdurinhas,
Ventania e o mapa do tesouro, e do audiolivro Histórias para ouvir e cantar. De
muito vem se dedicando à literatura infantil e dando contribuição à história de
nossa literatura, além de ter-se dedicado ao estudo de Jorge de Lima. Vamos ler
Simone, pensar no que é dito sobre a importância da leitura para a criança e saber
do que se desenvolve em Alagoas nesta importante área cultural.
Sávio de Almeida
Literatura infantil: janelas abertas para um Brasil
leitor
Simone Cavalcante
Há muitos obstáculos a transpor para que o livro se
torne um artigo de fácil acesso, de presença constante na realidade da maioria
das pessoas, tomando lugar na mesa do café, na cabeceira da cama, ou na
prateleira da estante; atraindo o olhar para as vitrines das livrarias e dos
sebos; ou motivando uma descontraída visita à biblioteca. Mas seria possível
sonhar com um país de leitores?
Cada vez que alguém abre um livro, uma janela se
abre nessa direção. Daí a importância de tornar a leitura um hábito presente no
cotidiano de casa e sala de aula. Em contato com textos infantis e
infanto-juvenis, as crianças e os jovens descobrem outros mundos abertos ao
lúdico, à imaginação e à consciência de mundo. Os livros os transportam para
reinos encantados e desencantados, onde podem habitar por alguns momentos e,
dessa estada, experimentar as mais variadas sensações.
O texto literário possui, além do valor estético,
outras dimensões abertas à exploração de cada leitor. O livro infantil, em
especial, tem o privilégio de conter duas espécies de narrativa - a textual e a
imagética - o que acentua seu potencial de exploração. E possível contar e
recontar o enredo por diferentes trilhas sem a perda do elemento surpresa e das
possibilidades de interpretação.
Mas ainda hoje, mesmo com seus desdobramentos, a
literatura infantil sofre uma espécie de preconceito, sendo por vezes
considerada uma escrita menor por alguns teóricos desavisados. Caminhando na
contramão, esse segmento continua dando grandes saltos, tanto nos aspectos da
autoria, riqueza textual e recepção - com o aparecimento de mais profissionais
no mercado e a conquista de um maior número de leitores -, bem como no avanço
de técnicas de produção (pop-ups, scanimations, recursos sonoros) capazes de
atrair até mesmo os olhares e ouvidos daqueles mais distraídos.
No Brasil, quando se fala em livro infantil, salta
do senso comum a figura de Monteiro Lobato. Sem sombra de dúvida, ele é um
marco no ramo editorial, tendo assumido os papéis de escritor, editor e
distribuidor, à frente de empreendimentos de sucesso como a Companhia Editora
Nacional. Lobato soube captar as tendências mundiais, implantando métodos de
produção novos para o país, como a adoção da capa ilustrada e a criação de uma
grande rede de distribuição e circulação, formada por intelectuais, amigos e
livreiros. Um desses métodos, por sinal curioso, era o envio de circulares para
varias cidades, solicitando a políticos e pessoas conhecidas endereços de
pontos de venda onde pudesse escoar sua produção. E do seu networking, nem mesmo
o açougue escapava.
Se a personagem Narizinho tinha o nariz arrebitado,
Lobato, seu criador, era dono de um bom faro editorial. Foi por suas mãos que
surgiram várias coleções e séries de livros que lançaram seus autores no plano
nacional. As séries infantis e didáticas tiveram um alcance estrondoso, sendo
adotadas pelo sistema público e privado de ensino. Ainda hoje a obra desse
escritor tem uma considerável repercussão, confirmada pela reedição de seus
livros e pelos remakes de episódios para TV de O Sítio do Pica-pau Amarelo,
baseados nos seus enredos. Aqui estão algumas demonstrações do potencial
criador deste autor-símbolo, festejado todos os anos no Dia Nacional do Livro
Infantil, 18 de abril, data de seu nascimento.
Pensar a literatura infantil além de Lobato e do Dia
do Livro é um exercício de abertura para a riqueza desse universo. Antes e
depois dele, outros autores e autoras se lançaram ao ofício de escrever livros
infantis e buscar formas permanentes de aproximação com o público, tomando,
muitas vezes, caminhos desafiadores. E o caso, na atualidade, da escritora
Lygia Bojunga que, depois de conquistar prêmios internacionais de peso no
segmento infantil e juvenil (Hans Christian Andersen e Astrid Lindgren Memorial
Award - ALMA), decidiu abrigar sua produção no selo Casa Lygia Bojunga.
Quem sabe, talvez, cansada de um mercado editorial
em que o autor parece ser quem menos recebe pelos direitos da criação. A aventura de produzir livros para crianças continua
febril como na época de Lobato. O Brasil é, hoje, uma referência nesse segmento
literário, tendo um mercado interno bem movimentado por uma rede de editoras
com alto grau de profissionalização e concentrada nas capitais e metrópoles,
convivendo com uma produção independente distribuída em todo o território. E
impressionante também a circulação de títulos fora do país, em traduções que
percorrem vitrines de feiras internacionais, como a de Bolonha e Frankfurt.
Seria impossível citar aqui todos os autores, mas
talvez você, leitor, já tenha ouvido falar de nomes como Ana Maria Machado,
Pedro Bandeira, Ruth Rocha, Elias José, Sylvia Orthof, Ziraldo, Tatiana Belink,
Ângela Lago e Maurício de Sousa. Ao lado dessa lista canônica, outros autores Para
chegar às mãos dos pequenos leitores, o livro infantil percorre uma cadeia
produtiva com várias etapas, impulsionada por ações como as políticas de
aquisição e circulação do livro do Ministério da Educação (MEC), o Plano
Nacional do Livro e Leitura (PNLL), os selos de recomendação da Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e os editais e concursos
literários. Mas o acesso limitado e a falta de estímulo à leitura ainda são
problemas a serem enfrentados para que a leitura literária se torne um hábito
consolidado no país e, em Alagoas, particularmente.
Se os programas do MEC para compra de livros
funcionam como apregoam as propagandas governamentais, como saber de que modo
esse acervo está sendo utilizado em sala de aula? Será que existem ações de
leitura efetivas e sistemáticas, ou as bibliotecas continuam sendo fechadas a
cadeado como depósito de livros? As crianças podem circular livremente nas
salas e cantos de leitura, ou devem ficar lá na hora do recreio como punição
pelo mau comportamento? O livro de ficção infantil tem espaço garantido nas
prateleiras, ou dão lugar unicamente a textos didáticos? Os professores
insistem em ensinar literatura como meio de exploração de aspectos da língua
portuguesa ou como linguagem isenta de qualquer obrigatoriedade?
Como diz o escritor Sara- mago: “Tudo no mundo está
dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas?” Questionar a prática da
cultura literária no ambiente escolar ajuda a compreender por que o ato de
abrir um simples livro de contos de fada, folheá-lo e interpretá-lo, para
muitos, parece ser algo distante ou trágico. Ao falar de livros infantis, a
seleção dos melhores e mais apropriados conteúdos não caminha sem a discussão
da forma como essas histórias tocam o imaginário e o repertório diferenciado de
saberes dos alunos.
A exploração de novos sentidos no conteúdo lido pela
criança, a capacidade de alargar seu olhar para a relação da obra no tempo e
lugar, a ligação dela ao fio do encantamento de uma história para toda a vida,
dependem da condução de vários fatores. Um deles é preparar educadores e
bibliotecários para o desafio da mediação de leitura. A Biblioteca Pública de
Alagoas e de outros estados, apoiadas pelo Programa Nacional de Incentivo à
Leitura (Proler), já vem realizando seminários e cursos nessa direção. O Sesc e
grupos como a Trupe Gogó da Ema, Carochinhas e Trupe Navegantes, preocupam-se
em difundir técnicas de contar histórias.
Mas chama a atenção o fato de poucas universidades e
faculdades apostarem na literatura infantil e juvenil como disciplina de curso.
Afinal, sem os recursos da formação, como os educadores saberão empregar
métodos cativantes para a conquista de novos leitores? E de modo mais absurdo,
como justificar o fechamento de bibliotecas escolares para darem lugar a
laboratórios de ciência, sala de aula e outros fins, como aconteceu, no ano
passado, com a Biblioteca do Centro Educacional de Pesquisas Aplicadas (Cepa)?
Daí a urgência de marcos regulatórios, como a
criação de planos nacionais e leis estaduais de incentivo ao livro e à leitura,
como o fez os estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará. Dessa forma, escritores,
leitores, editores, distribuidores, livreiros, educadores e agentes literários,
terão mais força para cobrar dos governantes investimentos permanentes na área.
A lei impede o fechamento de bibliotecas e motiva novas inaugurações; incentiva
a formulação de projetos de leitura; e impulsiona a revisão de algumas
metodologias ultrapassadas no cotidiano da escola pública e privada que, longe
de contribuírem para a formação de novos leitores, criam um fosso entre as
crianças e os livros.
Enquanto as mudanças caminham, a pesquisa Retratos
da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, prestes a alcançar sua terceira
edição ainda este mês, vem apontando alguns dados positivos nos últimos anos.
Primeiro, é o fato de a leitura ser entendida como algo prazeroso para a faixa
etária de crianças até seis anos de idade. Segundo é a influência das mães no
gosto dos filhos pelos livros; às vezes, utilizando somente a oralidade como
via, considerando que muitas delas nem concluíram os estudos. Ler ou contar de
memória histórias dentro de casa, bem como investir em projetos sistemáticos de
leitura na sala de aula, são passos decisivos para o ingresso da criança numa
espécie de cidadania literária.
Essa cidadania nada mais é do que o seu direito de
ter acesso a livros, de ficção, sobretudo, em diferentes gêneros e suportes, do
papel ao meio digital; de poder curtir momentos prazerosos de descoberta das
histórias, sem se submeter a métodos tradicionais que insistem em associar
literatura com exercícios de gramática ou a questionários limitadores,
verdadeiros “purgantes” e “pílulas” que nem mesmo Jeca Tatu ou Emília,
personagens famosos de Lobato, teriam coragem de provar.
Se tem um vocábulo capaz de responder o que é
literatura, seja para criança ou para adulto, é a palavra liberdade. E tudo
leva a crer: a liberdade de escolha e interpretação de obras, a criação de leis
efetivas, a convivência com os livros nos espaços da vida pública e privada, são
janelas abertas para a democratização da leitura literária no Brasil
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